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Apropriação e escrita não criativa 

Gustavo Nascimento

Créditos da imagem: Colagem de Toon Joosen, 2023, disponível em https://www.instagram.com/toonjoosen/

Na atualidade, observa-se a criação de músicas que utilizam o sample, modo de produção que consiste na remixagem de sons e colagens de trechos de outras músicas e/ou instrumentais em sua construção. O que no século passado ficaria preso às práticas dos DJs e a alguns estilos musicais como hip hop e funk ganha na cena contemporânea um espaço em diversas outras artes. Essa prática interessa a minha pesquisa para pensar na força que a prática da apropriação vem ganhando na atualidade também nas criações literárias.

 Um dos precursores do movimento da arte conceitual, Marcel Duchamp, causou grande repercussão na crítica das artes visuais ao se apropriar de um objeto comum, que podia ser uma roda de bicicleta ou um urinol, e levá-lo para o museu.

Na literatura, Kenneth Goldsmith propõe essa prática com base na apropriação de textos já existentes que sofrem uma mínima intervenção do autor. Goldsmith fez experimentos com a “cópia” de uma edição inteira do New York Times ou reproduzindo um dia inteiro de informes sobre o trânsito feitos por uma rádio. Em muitas produções atuais é fácil encontrar uma modulação dessa prática, pois muitas obras apropriam-se de falas jornalísticas, reportagens ou fotografias e de trechos inteiros de outros livros. De modo que o que Goldsmith chama de escrita não-criativa pode ser pensada também como uma prática calcada na apropriação de documentos.

“Desvario laborioso e empobrecedor o de compor extensos livros; o de espraiar em quinhentas páginas uma ideia cuja perfeita exposição oral cabe em poucos minutos. Melhor procedimento é simular que esses livros já existem e oferecer um resumo, um comentário”.

A frase de Jorge Luis Borges no prólogo de Ficções também pode criar uma espécie de genealogia para a prática conceitual da apropriação não criativa, já que Goldsmith defende, como faziam os artistas conceituais em relação às obras que criavam, que a escrita não-criativa é uma resposta  para a quantidade de obras que se apresentam no presente. Jorge Luis Borges pode ser uma fonte inspiradora também para pensar essa reapropriação e a questão da autoria e da leitura ao longo do tempo, pois com seu conto Pierre Menard, autor do Quixote brinca com a ideia de que Dom Quixote foi escrito, séculos depois por um outro autor: Pierre Menard.

Minha pesquisa de iniciação científica que está apenas começando quer enveredar por esse caminho de investigação para pensar o diálogo que se estabelece em obras que conversam com outras obras, com outros materiais e documentos que integram muitas produções literárias do presente.

Literatura em colaboração?

André Neves

Em outro post já tinha tematizado a produção de fanfics, textos criados por fãs de sucessos editoriais que dão continuidade à obra, reinventando a trama e seus personagens. Ao navegar pelos blogs de fanfiqueiros chama a atenção uma página em especial do wattpad. Trata-se da ficshop: doação de ideias para fanfics, cujo objetivo é literalmente “doar” ideias aos aspirantes e/ou aos já veteranos escritores de fanfics. Essa proposta de uma escrita que explora a facilidade do compartilhamento de material própria das redes sociais pode ser um bom começo para pensarmos outras maneiras de criar narrativas e de pensar a autoria.

É possível encontrar sites que podem abarcar um micro campo literário em suas páginas. É o caso de Falsaria uma rede social literária de escritores independentes que conta com um público que já ultrapassa 400 milhões de falantes de espanhol. De um mero blog, Falsaria tornou-se uma plataforma completa para os que desejam canalizar sua escrita nas redes sociais, passando a oferecer diversos serviços como formação literária online, coedição e publicação de livros e ações de promoção literária para divulgar autores dentro e fora da plataforma.

No Brasil surge outra proposta de plataforma de ficção chamada Essa história é nossa, é uma plataforma literária brasiliense que objetiva promover e lançar escritores, principalmente, por meio de textos colaborativos. Ao se inscrever no site, o usuário deve escolher um estilo narrativo para criar uma história ou participar da concepção de contos iniciados por outros autores. Todos os livros terão 13 capítulos e podem ser escritos por até 12 autores, além de um revisor, um editor e um produtor. Após o fim dos 12 capítulos, os autores se reúnem virtualmente para, juntos, escreverem a conclusão do livro e decidirem o título da obra. Ao fim de cada publicação, as sinopses das histórias serão disponibilizadas no site e nas redes sociais, podendo ser publicados em papel.

Partindo de uma observação ainda superficial, nota-se que as produções colaborativas nas narrativas literárias criadas na rede parecem ainda muito dependentes do “processo” de criação, da manipulação das ferramentas virtuais como mera técnica para gerar histórias. No entanto, se formos tão otimistas quanto o poeta, professor e crítico Kenneth Goldsmith que afirma em seu livro Escrita não Criativa que a internet é a nova identidade da literatura, é possível pensar que “estratégias de apropriação, replicação, plágio, pirataria, mixagem, saque, como métodos de composição” são próprias da rede e podem ser utilizadas para gerar histórias que dão o que pensar em relação a uma ideia de autoria como colaboração.

Nesse sentido, penso que para compreendermos os processos narrativos imersos nessa complexidade dessa literatura cuja narrativa e autoria(s) se constroem nos moldes de colaboração, talvez seja possível nos apropriarmos da concepção de literatura pós-autônoma nos moldes apresentados por Josefina Ludmer.

Essas literaturas aparecem como “escrituras do presente que atravessam a literatura” e, nas palavras da crítica argentina Josefina Ludmer, “ficam em posição de diáspora”, uma vez que dificultam uma leitura com base na compreensão que tínhamos de autoria, obra ou estilo até bem pouco tempo.

Assim, acredito que vale a pena uma análise mais atenta para compreender como se constrói – ou se forja – esse trabalho colaborativo na rede, sobretudo para discutir como isso pode implicar em diferentes formas de narrar.

Escritores à procura de textos

Sérgio Santos

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Crédito da imagem: Alper Dostal, da série “Hot Art Exhibition – Guernica”. https://goo.gl/GJJhqb

O título deste post é inspirado na peça de Luigi Pirandello (1867-1936), Seis personagens à procura de um autor, encenada pela primeira vez na Itália em 1921. A peça conta a história de uma família que invade um ensaio exigindo que seu diretor os coloque em cena, pois não aceitavam que as histórias de suas vidas fossem representadas por meros atores. O que Pirandello buscava era confrontar, de forma metalinguística, vida e arte, realidade e ficção, tensionando o próprio fazer teatral.

Quase cem anos depois, são os autores que estão à procura de textos na internet, nos programas de rádio e em sessões do Congresso Nacional realizando uma apropriação para a literatura.

É assim que o poeta norte-americano Kenneth Goldsmith pensa a literatura hoje. Para ele, a “criação” artística é um gesto de apropriação de textos. Enquanto Pirandello tentava confrontar arte e vida usando do próprio artifício da ficção, artistas “não criativos” buscam confrontar a ideia de originalidade literária sob a justificativa de que o mundo já tem obras demais e que, portanto, cabe aos autores manejar o que já existe. Foi isso o que Goldsmith fez quando transcreveu toda a edição do jornal The New York Times do dia 1º. de setembro de 2000 e o transformou em seu livro não criativo, Day.

Mas será que ainda seria possível chamar essas obras de literárias?

Sessão (2017) de Roy David Frankel consiste na transcrição da sessão da Câmara dos Deputados que afastou a presidente Dilma Rousseff em 16 de abril de 2016. As falas foram colhidas das reproduções taquigráficas disponibilizadas na internet e estão dispostas na obra em um formato que lembra um poema. Vejamos um trecho:

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A transcrição não traz o nome do deputado que a pronunciou, e há no trecho acima uma forte intervenção de Frankel, “quebrando” a fala e realçando em destaque as palavras “Brasil” e “brasileiros”. Re-apropriada, re-contextualizada, a fala ganha outros significados.

Trânsito (2016) é um pequeno livrinho que consiste em uma experiência não criativa. Tomando por base outra produção de Kenneth Goldsmith, Traffic, na qual aparecem transcritas as 24 horas de boletins de trânsito transmitidos por uma rádio de Nova Iorque, Leonardo Gandolfi e Marília Garcia, apropriam-se do procedimento de Goldsmith para escrever Trânsito. O empreendimento é chamado pelos próprios autores de “dublagem”, pois na versão brasileira, aparecem transcritas de uma rádio da cidade de São Paulo três horas de boletins de trânsito: “16:35 E a Bandeirantes, como é que está? Quarenta minutos para subir a Bandeirantes. Imigrantes é um calvário, é o Clayton quem diz. Valeu, Clayton, muito obrigado, meu querido”.

Ler um texto como esse pode ser uma experiência de leitura entediante. E Goldsmith afirma que não está nem aí para isso. Segundo o autor, as obras não criativas não devem ser lidas, pois justificam sua existência conceitualmente: são obras conceituais para as quais importa muito mais o gesto de apropriação, de re-contextualização, as intervenções feitas sobre outro texto. Aliás, o próprio Goldsmith, em uma de suas falas, diz que “a melhor forma de se lidar com textos desconcertantes não é perguntar o que são, mas o que não são”.

Quem sabe a pergunta pelo avesso, o que não são obras como Trânsito ou Sessão, não nos indica alguma possibilidade de pensar os “frutos estranhos” do presente?

Pensando sobre a dissertação

Por Débora Molina

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Créditos da Imagem: Débora Molina

Em setembro deste ano, defendi minha dissertação de mestrado intitulada Autoria no século XXI: escrita não criativa e gênio não original. Como o próprio título indica, minha pesquisa se concentrou em investigar as noções de escrita que não se encerram mais na ideia de originalidade e inventividade – pelo menos não nos termos a que estamos acostumados-, mas em uma escrita que agora parte da apropriação de textos alheios, compondo assim um outro texto que reinventa sua fonte. Nesta perspectiva, então, me dispus a refletir sobre como esse modo de produzir literatura cria condições de se pensar em um outro paradigma de autor, que atua, então, como um gênio não original.

Alguns leitores mais antigos deste blog, devem ter se deparado com as apresentações ainda tímidas acerca das concepções acima apresentadas no texto “Ladrão que rouba ladrão” ,  que apresenta a ideia de escrita não criativa e de gênio não original, e também com as postagens sobre alguns objetos de escrita literária brasileira não criativa que discuti em “Eu Googlo, tú Googlas, nós Googlamos: sobre a poesia de Angélica Freitas”  , “Páginário: escrita não-criativa em exposição” e “Delírio de Damasco e a arqueologia do presente de Verônica Stigger”  .

Ao longo dos dois anos e seis meses de pesquisa, meu trabalho pretendeu reconhecer um processo criativo no procedimento da apropriação, da técnica do recorte e cole e defender a hipótese de que há uma ambiguidade da condição autoral no presente. Então, que ambiguidade seria essa?

Se, por um lado, pode-se afirmar o esvaziamento do papel do autor nas produções da escrita não criativa, já que esses autores estariam “criando” “textos de segunda mão”, por outro, é possível reconhecer que o novo papel assumido pela autoria nessas produções também pode ser responsável pela construção de um nome de autor para o campo literário.

No primeiro capítulo, então, tratei da concepção de escrita não criativa, como ela é discutida por Kenneth Goldsmith, relacionando a teoria à análise de algumas obras de escrita não-criativa brasileira; no segundo capítulo, tematizei a ideia de esvaziamento do autor a partir das perspectivas de Barthes e Foucault para assim situar melhor a ideia de gênio não original, desenvolvida por Marjorie Perloff. Apresentados dessa maneira, tudo parece fácil, mas há as agruras e impasses da escrita: aqueles conceitos que você acha que domina, mas encontra dificuldade de problematizar, por exemplo. Assim, depois de muitas correções e sugestões da orientadora, lá estava eu com os dois capítulos na mão. Missão cumprida!

– Missão cumprida? Mas e a problematização da ambiguidade em relação à condição do autor, hoje? Eu ainda não tinha o terceiro capítulo pronto…

Mais uma vez, ideias na cabeça: a concepção de gênio não original reprograma a ideia de autor que já não está mais relacionada ao conceito de autoria que se performa no papel, – peguei isso emprestado de Ana Claudia Viegas no texto “O retorno do autor”, conceito que é apresentado pela crítica e que caberia como uma luva na ideia que queria apresentar. Eureka! Mais uma vez. Missão cumprida!

– Espera aí, missão cumprida? E o seu objeto de análise? Cadê o autor que você se propôs a estudar?

Foi então que tomei a trajetória de autor de Leonardo Villa-Forte para análise no intuito de entendê-lo dentro do que se configura como autor midiático: aquele que está presente em quase todas as esferas, distanciando-se assim da ideia barthesiana de autor como um ser de papel.

Queria defender, então, que a ampla participação do autor hoje na mídia aponta para o fato de que a performance autoral já não está mais relacionada apenas à performance do autor no texto, mas também em sua atuação em outras esferas nas quais o texto literário circula. A ambiguidade que gostaria de colocar à prova dizia respeito, então, ao fato de que na “criação” de textos não criativos, a ideia de autoria parece esvaziada, pois importa mais o procedimento, o recorte e cole, a apropriação de textos alheios, que o autor. Mas não deixa de ser curioso, ambíguo, o fato de que é esse mesmo procedimento que inscreve o autor, por exemplo, Leonardo Vila-Forte, que se tornou meu “estudo de caso”, no campo literário.

Os tempos verbais no pretérito imperfeito no parágrafo acima dizem bem de minha dificuldade de explanar, problematizar, exemplificar a ambiguidade que gostaria de provar.

Ainda que haja falhas, concluí minha dissertação com a sensação de dever cumprido. Além disso, uma das intenções de trazê-los até o fim dessas linhas é poder dizer que nenhuma escrita está encerrada, parece que meu trabalho não acabou e, justamente após a banca dar todas as contribuições, vi que há muito a percorrer. O diálogo é importante, as ideias sempre estão em movimento, principalmente quando lidamos com os desafios do nosso contemporâneo.

Paginário: Escrita não-criativa em exposição

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Por Débora Molina

Em um outro post meu, Ladrão que rouba ladrão, inicio com uma imagem bastante convencional à escrita literária: a figura do autor, solitário, em frente ao papel em branco, à espera de inspiração. Esse figuração da autoria,  ainda  muito presente no imaginário contemporâneo, pode ser pensada de forma diferente se consideramos o autor como uma espécie de  gênio não-original, como afirma Marjorie Perloff. O escritor não original produz novas narrativas a partir da seleção, cópia e colagem de textos literários já existentes, técnica que já foi nomeada pelo também poeta Kenneth Goldsmith de “escrita não-criativa” ou escrita  remix, baseada na operação de  cut up.

 É desta forma que o autor carioca Leonardo Villa-Forte e criador do blog MixLit – O Dj da literatura escreve sua literatura e pode ser pensado como um gênio não original. O blog é um projeto inspirado na técnica de sampler, recurso de edição e seleção de músicas utilizado por Djs, que resulta na composição de uma nova música a partir de fragmentos de outras. Segundo Villa-Forte, a ideia surgiu no momento em que lia cerca de 10 livros em conjunto, quando percebeu que alguns fragmentos de um livro, poderiam ter ligação com fragmentos de outros. Foi então, que teve a ideia de construir um blog na internet, para publicar seus textos: a partir da apropriação de fragmentos de textos literários alheios.

 MixLit 62: Ainda hoje
Com um semblante consternado1, ela se inclinou, deu-me um beijo e murmurou:
“Você está com aquele seu olhar de órfão novamente.”2
“Não”3, eu disse, também pesando cuidadosamente.4
______________________________________________________________________
1 Josué MONTELLO. O camarote vazio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p.34.
2 Alain DE BOTTON. Ensaios de amor. Tradução de Fábio Fernandes. Rio de Janeiro/Rio Grande do Sul: Rocco/L&PM, 2001, p.107.
3 Machado de ASSIS. Quincas Borba. Rio de Janeiro: Garnier, 1998, p.207.
4 Péter ESTERHÁZY. Os verbos auxiliares do coração. Tradução de Paulo Schiller. São Paulo: Cosac Naify, 2011, p.19.

Além do blog Mixlit, em 2014, Leonardo Villa-Forte,  iniciou um projeto coletivo junto com Rodrigo Lopes chamado Paginário, uma espécie de mural construído com colagens de páginas de diferentes livros de diversificados autores, as páginas são enviadas por variadas pessoas e o remix literário é feito por meio do destaque de trechos na página em exposição.

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No projeto Paginário, o texto literário é reinventado, recriado e ganha um outro formato: o mural, o que pode ser pensado como uma desterritorialização da forma como lemos e entendemos literatura. O leitor é também um pouco espectador, pois posta-se diante de um painel com diferentes recortes de textos em um espaço público que lhe oferece uma nova aventura muito diferente de outra figuração moderna da leitura associada à solidão e ao silêncio.

Em seu livro Pós produção, Nicolás Bourriaud entende que a produção artística contemporânea passa por um processo que o crítico nomeia de pós-produção. Bourriaud conclui que hoje os materiais artísticos não são mais elaborados através de uma matéria bruta, mas por meio dos materiais já existentes, já confeccionados. E, deste modo a palavra pós não atribui um teor negativo ao recurso, mas apenas uma aplicação de uma reelaboração, utilização, curadoria da matéria artística inscrita na história. Portanto, para o crítico, o produto artístico contemporâneo não se coloca como acabado “mas como um local de manobras, um portal, um gerador de atividades. Bricolam-se os produtos, navega-se em redes de signos, insere-se suas formas em linhas existentes”, afirma o crítico.

O procedimento de escrita não-criativa procura utilizar os produtos que já estão aí, em circulação. Neste processo o que importa mais é a criação a partir da curadoria e seleção e montagem destes materiais do que a invenção dada por uma gênio criador. O que parece bastante curioso é que a atuação do autor de escrita não-criativa coloca em xeque a condição da autoria entendida como gênio ao brincar com as palavras dos outros e criar uma nova forma de produzir Literatura.

Ladrão que rouba ladrão…

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Por Débora Molina

Quando se fala em autoria, dentre as tantas imagens capazes de representar o trabalho do autor, é possível imaginar um sujeito solitário em frente ao computador, ou máquina de escrever, olhando para a página em branco à espera de inspiração. Embora palavras como inspiração e genialidade tenham surgido no contexto do século XVIII e sido desconstruídas ao longo do século XX, não há como negar que essa representação de autor permanece ainda muito presente em nosso tempo.

No livro, O gênio não original: poesia em outros meios no novo século, lançado no Brasil pela UFMG em 2013, a crítica norte-americana Marjorie Perloff manifesta-se a favor de uma nova concepção para o estatuto do autor e aposta na escrita não criativa, embasada em uma poética da apropriação. Partindo da defesa de uma poética conceitual, Perloff entende que a criação não depende da originalidade da escrita, mas de uma nova concepção de genialidade – um novo paradigma de criação que a autora chama de uma nova inventio, na qual o autor atua copiando, apropriando, reciclando a  produção artística de outros autores e obra. Assim, genialidade e originalidade são redefinidas: “as práticas atuais da arte têm seu próprio momento e inventio particulares, podemos desassociar a palavra original de sua parceira, a palavra gênio” (PERLOFF, 2013, p. 54).  Para apoiar tal assertiva, Perloff sustenta-se na obra do inusitado poeta conceitual Kenneth Goldsmith, professor de escrita não-criativa na universidade da Pensilvânia.

Kenneth Goldsmith, tornou-se conhecido mundialmente devido à criação e manutenção de um site chamado Ubu Web, plataforma on-line que funciona como um dos maiores acervos de materiais produzidos pela arte vanguardista, e também pela autoria do livro Uncreative writing que defende a escrita não-criativa apoiada na técnica de copiar e colar textos de terceiros. Em tom quase de manifesto, através da apropriação de uma frase escrita por Douglas Huebler, Goldsmith assume uma perspectiva artística que se concentra na arquitetura de uma poética a partir do que já existe, a habilidade de copiar, transcrever e colar: “O mundo está cheio de textos mais ou menos interessantes, eu não gostaria de acrescentar mais nada” (GOLSDSMITH, 2010).

A técnica da apropriação também encontrou seu lugar no Brasil, lançado no final de 2014, o livro Sujeito Oculto, da jornalista e escritora Cristiane Costa, rouba deliberadamente trechos de autores consagrados como Machado de Assis, Fitzgerald, Flaubert, entre outros. Na terceira e última parte, através de ensaios metaficcionais que analisam e “denunciam” o roubo de trechos e tramas de outras narrativas e os diversos sujeitos ocultos, Costa traz variados autores cujas vozes são tomadas de empréstimo  para compor o livro.

Por meio dessa apropriação, a autora parece brincar com a própria construção da autoria, que é remixada, sampleada (técnicas comuns à área musical, por exemplo).  Tal procedimento coloca em xeque as noções de originalidade e criatividade, ao menos tal como as consideramos desde o século XVIII, aproximando-se do que Goldsmith chama de  escrita não criativa ou, nas palavras de Perloff entendendo o autor como um “gênio não original”.