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Posturas de autor

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: Claire Heggen, Théâtre du mouvement, Catherine et l’armoire, 1985. Mise en scène: Yves Marc.

Em textos anteriores aqui no blog venho pensando acerca da importância das redes sociais para a inserção e consolidação dos autores no campo literário. As redes sociais integram a esfera pública e mesmo autores que são refratários a elas, reconhecem seus efeitos (tanto os positivos, quanto os negativos) para a cena literária contemporânea. Portanto, neste texto quero continuar pensando nelas como espaço de observação das posturas autorais atuais.

Na esteira de Alain Viala, Jérôme Meizoz, em Postures littéraires: mise en scènes modernes de l’auteur vai definir o termo “postura” como uma maneira singular de o autor ocupar uma posição no campo literário. Segundo Meizoz a “postura” é algo comum a todos os escritores, mas não deve ficar limitada à análise dos elementos mais visíveis, gestuais ou superficiais da atuação de um autor como se se tratasse apenas de uma mise en scène intencional, [pois] longe de ser considerada um epifenômeno que afirma a midiatização recente e ultraja a literatura, a adoção (consciente ou não) de uma postura é constitutiva do ato criador.

Embora Meizoz afirme que a postura só é significativa se pensada em relação a três instâncias (a posição no campo, as opções estéticas e as condutas públicas), os exemplos com os quais trabalha faz pensar que a postura deriva de uma obra, configura-se primeiramente no texto. Assim, Houellebecq e Céline são dois autores citados como exemplos de posturas que se inscrevem primeiramente nos textos e que são expandidas para a atuação pública dos autores.

Mas no caso de autores que buscam a inserção e a consolidação de seu nome de autor no campo literário e que ainda não contam com uma obra consolidada e, considerando que as redes sociais funcionam como uma vitrine de exposição, divulgação e circulação dos autores e de suas obras, não seria possível pensar que a postura autoral pode se formar antes mesmo que um autor tenha publicado um conjunto de livros que possa ser chamado de obra?

A noção de “postura”, tal como pensada por Meizoz, pode me ajudar a pensar a inserção de Natália Timerman como autora na cena literária contemporânea. Timerman participa de muitas redes sociais ativamente. Sua presença oscila entre a divulgação de suas publicações e de participações em eventos de promoção de seus livros e certa abertura para a incorporação de notícias biográficas. É através das redes sociais da autora que podemos tomar conhecimento de sua relação com a crítica e com os leitores, das entrevistas concedidas, enfim de sua atuação pública na condição de autora, mas também de alguns dados pessoais e de informações sobre sua rotina privada. Muitas narrativas da autora exploram a relação dos personagens com as redes sociais e também é possível estabelecer uma aproximação biográfica entre as histórias vividas pelos personagens e a própria Timerman, em virtude de comentários de natureza mais pessoal feitos na rede pela própria autora. Essa dupla utilização das redes sociais (como tema da obra e para sua divulgação e também para exposição privada) me leva a pensar em uma postura ainda em construção, também indefinida, tanto na conduta pública, quanto na opção estética.

A tradição literária sempre considerou o autor um elemento externo ao texto. Mas o cenário contemporâneo da utilização das mídias sociais pelos autores não é um estímulo para pensar a construção de uma “postura” autoral concomitante (ou mesmo anterior?) a uma assinatura textual?

Performance, redes sociais e autoria

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: Metamorphosis (or evolution) – Esther Ferrer, 2005, 4 kusy, Gandy Galéria, Bratislava, foto: Damas Gruska.

Muitos autores atendendo a uma demanda atual se equilibram entre gerenciar suas imagens pessoais e profissionais nas redes buscando uma inserção ou manutenção de seu nome de autor e a circulação e a divulgação de suas produções. Esse pressuposto ajuda a pensar as estratégias discursivas que compõem as identidades autorais do século XXI.

Em março deste ano, minha pesquisa de iniciação científica completou seis meses.  O objetivo, já apresentado em postagens anteriores, é analisar as dinâmicas de construção de uma carreira autoral literária atualmente, tendo como foco a observação da performance da autora Natália Timerman em suas redes sociais e refletir sobre como os temas da exposição a essas redes estão presentes em sua obra. 

A partir de então, a pesquisa tem aprofundado as reflexões sobre as movimentações e interações intensas realizadas entre a autora e seus leitores/seguidores a partir do grande fluxo de postagens nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter), para observar a maneira como a identidade autoral de Timerman vai se construindo dentro e fora do texto.

Através do Instagram, em uma postagem de divulgação do seu texto O ghosting real que virou livro de ficção: o que é verdade em Copo Vazio, publicado na coluna semanal que Timerman escreve no site Uol, um comentário de uma leitora/seguidora tanto da coluna semanal quanto do livro Copo Vazio chama a atenção: “beijo pro Pedro que sumiu”. No texto Timerman explica um pouco sobre a recepção do seu romance e sua surpresa na insistência de leitores e crítica acerca da vida que supostamente estaria por trás da obra. Respondendo a essa demanda, Timerman, confirma o mote autobiográfico de Copo Vazio e afirma que de fato levou um “perdido”, tal qual a protagonista Mirela, e que Pedro tem características de um homem com quem se relacionou. O comentário feito nas redes ganha, então, em ambiguidade: a qual Pedro refere-se? Ao protagonista do livro ou ao suposto Pedro que está fora do texto?  A resposta de Timerman, por sua vez, dá uma outra camada ainda mais complexa para esta discussão: “rindo alto, quase marquei o Pedro real aqui”.

A proximidade inédita entre autor e leitor, proporcionada pelas dinâmicas das redes sociais, inflama também o interesse e a curiosidade sobre a vida dos autores e esse episódio ajuda a entender como a presença de muitos autores nas redes sociais é uma forma de responder ao desejo contemporâneo pela intimidade. Junto a isso, é inegável que as redes sociais e a exposição do autor na internet funcionam como instrumentos de profissionalização, já que a presença dos autores nas redes é uma forma de atuação para divulgar e promover suas atividades literárias. Timerman, como muitos outros, utiliza esse recurso para divulgar os textos publicados, as entrevistas concedidas.

Em outubro de 2022, em uma entrevista para o podcast Prazer, Renata cujo tema era O que é responsabilidade afetiva? NatáliaTimerman é apresentada como psiquiatra e  as perguntas sugerem que o convite está fundamentado no lugar de autoridade que essa profissão lhe dá para falar a respeito dos temas envolvendo relacionamentos amorosos. Mas é curioso observar a maneira como a autora tenta inserir e reafirmar, sempre que possível, ao longo de sua participação, sua condição de escritora, mencionando seu romance e comentando as atuações de seus personagens na história.

Se nos voltamos para sua obra, é possível pensar que Timerman toma como objeto de especulação uma lógica de funcionamento das redes, valendo-se de sua participação intensa no universo virtual como uma espécie de laboratório de criação, já que muitas narrativas expõem temas que exploram as redes sociais e refletem sobre comportamentos e efeitos do virtual em nossa subjetividade e em nossos afetos. A maior evidência desse procedimento está na forma como tematiza a reação de Mirela, personagem principal de seu romance, Copo Vazio, ao desaparecimento de seu parceiro depois do contato por um aplicativo de namoro. Na crônica Sem Tinder, só vida real: a história de um casal que poderia ter se amado, Timerman explora as possibilidades da vida longe das telas do celular. No conto Uma história real, publicado no livro Rachaduras,  a autoro tema reaparece para problematizar como as mediações das redes sociais, muitas vezes, são um obstáculo para a intensidade das relações na vida real.

Observando a atuação de Timerman em suas redes sociais, é possível dizer que, motivada pela demanda de seus seguidores, a autora arrisca-se mais à exposição pessoal, ao mesmo tempo que segue alerta – como fica claro, por exemplo no texto  O difícil equilíbrio entre exposição e recolhimento – refletindo sobre isso também na construção dos universos ficcionais de suas produções.

A autora apresenta-se nas redes, divulga suas obras, revela algo de sua rotina pessoal e elabora sua produção problematizando questões que implicam esse circuito de exposição e produção. Talvez a análise desse circuito possa ajudar a entender melhor uma performance própria à condição da autoria no presente e, por tabela, a desterritorialização do modo como pensamos a literatura hoje. 

Os meios técnicos e a literatura contemporânea

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Instagram” – Richard Prince, 2014, Galeria Courtesy Gagosian. Fotografia de Robert McKeever.

Flora Sussekind em Cinematógrafo de letras aborda a relação entre a história literária brasileira e os meios técnicos que passaram a “enformar” a técnica de muitos autores:  “Não se trata mais de investigar apenas como a literatura representa a técnica, mas como, apropriando-se de procedimentos concernentes à fotografia, ao cinema, ao cartaz, transforma-se a própria técnica literária”. Na esteira de Sussekind, Ana Claudia Viegas em “Escritas contemporâneas: literatura, internet e a ‘invenção de si’”, pensando no advento dos computadores e na interação entre literatura e internet, investiga: “quais as marcas deixadas pelo computador na escrita das últimas gerações?” Podemos apostar que a internet, sobretudo as redes sociais neste novo século, implica numa mudança de comportamento, na forma de fazer política, nas maneiras de escrever e ler literatura, da mesma forma que, a partir da década de 50, uma geração inteira teve seu imaginário forjado pela televisão.

Sem que este post tenha a intenção de aprofundar essas transformações, como faz Sussekind ao analisar inúmeras obras surgidas entre o final do século XIX e o começo do século XX, meu interesse principal é pensar a internet como suporte, como vitrine de exposição dos autores e suas obras e como meio de interação com os leitores. Sobre isso, já falei um pouco em minha postagem anterior.

Tendo escolhido Natália Timerman para analisar esse modo de presença dos autores nas redes, é possível afirmar que os leitores de Timerman podem acompanhar o processo de construção do livro que está sendo escrito, um pouco da vida pessoal da autora (ou ao menos o que ela seleciona para exposição), suas relações com outros autores e como vai forjando e fortalecendo afinidades apoiada na própria dinâmica das redes. Mas também me interessa investigar se é possível identificar uma mudança nos procedimentos de escrita, tal como faz Sussekind, analisando, por exemplo, as narrativas de Lima Barreto e sua relação com a linguagem do jornal. Inicialmente, posso afirmar que as redes sociais também migram para a obra da autora e estão no centro da reflexão que propõe sobre o comportamento dos personagens.

Em Copo Vazio, por meio da brevíssima relação entre Mirella e Pedro iniciada no Tinder e finalizada abruptamente por um sumiço, virtual e real de Pedro, podemos observar marcas da fluidez dos relacionamentos contemporâneos, Timerman questiona a percepção de visibilidade total oferecida pela internet e captura o fugidio e o efêmero desse nosso tempo através desses dois personagens que vão sendo construídos a partir do modo como se relacionam com os mecanismos da internet: “Todos os dias, quase todas as horas, Mirela entra na página de Pedro no Facebook atrás de atualizações, de notícias da existência dele. Será que está bem? Será que está vivo?”

Assim, podemos dizer que também a trama é construída com base em uma rotina a que os usuários dessas redes estão sujeitos:  “Entra de novo na página de Pedro no Facebook. Online!, ele está online. Escreve? Melhor não. Já não está mais online. Ainda bem que não escreveu. Da próxima vez, alguns minutos depois, lá está a bolinha verde: diante de alguma tela está Pedro, assim como ela, logo ali. Antes que se pergunte se deve ou não, escreve por mensagem: Pe, tentando muito falar com você. Ele visualiza e não responde”.

Timerman explora as redes sociais como tema de construção da sua obra e expõe comportamentos e efeitos do virtual em nossa subjetividade e em nossos afetos. Me parece, então, que a autora realiza com eficácia a representação da lógica das redes, mas seria possível afirmar que “transforma-se a própria técnica literária”? Essa interrogação também faz parte de minha pesquisa.

Autoria e construção de carreira literária nas redes

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Fusion”, Ziqian Liu, 2020

Em meu post anterior, expus um pouco dos objetivos de minha pesquisa atual de iniciação científica. Durante os próximos 12 meses, pretendo analisar a relação entre a construção de uma trajetória autoral e a participação dos escritores nas redes sociais. Selfies, postagens de divulgação das obras ou participações em eventos, compartilhamentos de comentários de leitores e alguns detalhes do próprio processo de escrita criativa: essas são algumas das muitas facetas que podemos encontrar nos perfis de muitos e diferentes autores presentes nas redes sociais hoje.

Natália Timerman é a autora que passei a ler e a acompanhar virtualmente. Conheci a autora a partir da leitura de Copo Vazio, que é também  seu primeiro romance publicado por uma grande editora, a Todavia, em 2021. Atualmente, Timerman anunciou que está preparando a escrita de um novo livro com alguns elementos autobiográficos que se misturam ao ficcional. Em uma selfie postada na sua conta pessoal do Instagram, no dia 24 de setembro de 2022, a escritora Natália Timerman posa para câmera com olhar aparentemente sonolento e como legenda podemos ler o seguinte texto: “Eu entendi, tomando esse sol, na pausa da escrita do meu livro, que só vou conseguir dormir depois que terminá-lo, só vou conseguir acordar depois das 05:30 da manhã de novo depois que tiver colocado o ponto final. Só então deixarei de abrir os olhos de repente, pro escuro ainda, inquieta, com o livro inteiro na cabeça e no corpo”.

A reflexão sobre a rotina da escrita associada à foto da própria autora é um indício de como a busca por um certo equilíbrio entre a exposição da intimidade e a construção de um universo ficcional é uma preocupação que funciona não apenas como mote da produção literária, mas também da performance pública dos autores. Em sua coluna semanal para o site Uol, Timerman escreveu: “Por que postar? Por que refletir dessa forma, em público, com textos escritos no Instagram e não nas páginas do meu diário? Porque mostrar o rosto dos que amamos a quem não conhecemos, ou a quem conhecemos de longe, essas pessoas, os seguidores, que não partilham do nosso cotidiano? (…) Em que momento a declaração pública em um post virou uma espécie de medida de afeto, de garantia de apreço, de asseguramento de existência?”.

Ainda em outro texto, na mesma coluna semanal citada anteriormente, dessa vez sobre a ambiguidade entre o silêncio e a agitação inerentes ao ofício do escritor contemporâneo, Timerman diz: “(…) Para escrever –e também para ler– eu necessito não só de tempo, mas principalmente de silêncio. E por mais que eu goste do burburinho literário, de participar de debates, festas, lançamentos e conversas, literatura é quase sempre silêncio. Mas como é difícil dizer não”.

O silêncio e a quietude indicados como imperativo para a escrita parecem, no entanto, incompatíveis com o burburinho do movimento on-line. A interação, quase em tempo real com os leitores, facilita a comunicação e cria um fluxo próprio de informações e atuações, típico das dinâmicas interativas das redes. Na foto, postada em 7 de fevereiro de 2022, Timerman posa ao lado do companheiro e na legenda anuncia: “Outro dia fui procurar um texto meu na internet e, ao digitar meu nome, apareceu como uma das opções de busca do Google ‘Natália Timerman Marido’. É esse aqui, gente, o @eder_camargo, que vai ficar bravo comigo por fazer essa postagem, com quem amo dividir a vida, e quem me faz tomar as melhores decisões há exatos 6 anos”.

A observação dos movimentos no campo literário hoje sugere que a presença dos autores na internet funciona como uma forma de circulação importante para o nome do autor (em especial, para aquele que está se apresentando ao campo, publicando suas primeiras obras). Essa presença também sugere outros aspectos a serem observados: o modo como se dá essa auto-exposição, o modo como as redes funcionam como escritórios de promoção e autogerenciamento da própria imagem e da obra que vai sendo construída. Para minha pesquisa, observar esses movimentos significa interrogar como se constrói um autor hoje.

Autoria, dentro e fora da obra

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “2 Anillos” – Pablo Tamayo, 2015

Como mencionei no post anterior, atualmente estou interessada em analisar a performance pública de autores que tentam inscrever seu nome e sua obra na cena literária atual, considerando como leitores e crítica se comportam diante da importância que a figura autoral assume no presente. O apelo ao autobiográfico e o autogerenciamento da própria imagem nas redes são recursos dos quais os escritores têm lançado mão e são indícios da importância que o tema da autoria assume para a teoria hoje.

Minha investigação vai se concentrar em traçar um panorama da trajetória de construção da carreira literária de Natália Timerman, que publicou seu primeiro romance, Copo Vazio, em 2021. Aí, ela explora uma série de temáticas próprias a nosso presente, como o ghosting (de ghost, fantasma), um comportamento que surge nas redes sociais e se caracteriza pelo “sumiço” de alguém com quem se construiu uma relação por meio dos aplicativos de relacionamentos.

Em Copo Vazio, acompanhamos a história de Mirela, uma jovem arquiteta bem sucedida que, por incentivo de sua irmã, utiliza um aplicativo de namoro por meio do qual encontra Pedro, um jovem doutorando de ciências políticas. Durante três meses tudo parecia correr bem até que num dia qualquer, sem aviso algum, Pedro some: “Um dia ele tá lá, no outro — puf, um passe de mágica — sumiu, e ficam os resquícios, os livros que tavam comigo, uma camiseta velha no armário, como se fossem provas, como se precisasse ter provas de que ele realmente existiu na minha vida, porque eu mesma passo a duvidar”. O ponto de vista é sempre da protagonista, o que leva o leitor a uma imersão na atmosfera psicológica de Mirela e no vazio deixado pelo “fantasma” de um relacionamento sem ponto final. Mergulhamos, segundo Fabiane Secches, “nas profundezas de suas carências e projeções, de seus temores mais íntimos”.

Mas o que me interessa comentar é o fato de que a maior parte das análises, resenhas e entrevistas sobre o livro de Timerman se concentra sobre o tema do ghosting ligando-o à vida pessoal da autora, aproximando o drama de Mirela, a personagem, à própria Timerman, ainda que não haja qualquer indício na obra que pudesse supor algum traço autobiográfico no romance.

Como resposta a essa aproximação entre a ficção e a autobiografia, Timerman escreveu um comentário na sua coluna semanal para o site Uol intitulado O ghosting real que virou livro de ficção: o que é verdade em ‘Copo Vazio’ no qual relata sua resistência inicial ao que  chama de “demanda incessante pela intimidade de um eu”: “Copo Vazio é um livro de ficção, sobre uma personagem que não existe. Eu acho graça que já tenha sido chamada de Mirela algumas vezes, em debates, lives, conversas sobre o livro; acho graça também que o que eu inicialmente quis esconder, que havia de fato levado um perdido, tenha saído em manchetes através da palavra autobiográfica.”

É interessante perceber como a reflexão de Timerman afasta a simplificação de ler a “verdade” por trás da ficção, mas, ao mesmo tempo, confirma o mote autobiográfico da narrativa. Essas voltas em torno do autobiográfico não deixam de ser uma forma de alimentar o desejo contemporâneo pela intimidade, em especial porque é a própria autora que é demandada a falar em entrevistas de divulgação do livro, expondo-se “fora da obra” para  estabelecer diálogos com a recepção. Essa atuação dos autores junto a suas obras merece mais atenção do que a mera crítica negativa a tais posturas e é essa atuação que interessa a minha investigação.

O retorno do autor: dentro e fora do texto

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Double Gong” – Alexander Calder, 1953

Todos sabemos que em seu ensaio “A morte do autor” Barthes, ainda filiado a vieses estruturalistas,  pretendia eliminar os aspectos biográficos do literário como forma de conceder autonomia ao texto e ao leitor.  No entanto, na contemporaneidade, as investigações acerca das noções de autoria parecem indicar outras direções. Segundo Ana Cláudia Viegas, “assistimos hoje a um ‘retorno do autor’, não como origem e explicação última da obra, mas como personagem do espaço público midiático”. O tema já foi tratado aqui no blog, nos posts de Fernanda Vasconcelos e de Caroline Barbosa.

É possível pensarmos um texto sem seu autor hoje? Acredito que “a literatura hoje é um ‘dentrofora”, como postula Josefina Ludmer, pois importam tanto forma e tema dentro do texto quanto a figura autoral “fora” da obra em entrevistas, aparições em eventos e atuações nas  redes sociais. Sabemos ainda que a crítica ocupa um papel importante na legitimação de obras e autores, mas com o advento da internet, as redes sociais e os influencers digitais, este lugar da crítica também se desloca ou se flexibiliza, embora não a salvo de controvérsias. Essas movimentações me interessam para pensar os novos lugares que a autoria do século XXI ocupa dentro dos rearranjos do campo.

Foi pensando nestas questões que elaborei meu plano de trabalho para desenvolver minha iniciação científica. Acredito que as mídias digitais constituem hoje importantes canais de mediação entre autores, leitores e críticos e, considerando o retorno do autor, gostaria de investigar quais estratégias discursivas compõem e constroem a identidade autoral, dentro e fora do texto, na contemporaneidade. Para tanto, pretendo observar a performance de autores que desejam inscrever seu nome e sua obra na cena literária do presente. Penso em observar, em especial, em escritores e escritoras que estão publicando suas primeiras obras, como Natália Tiimerman, psiquiatra, doutoranda em literatura e autora de “Desterros” (2017), “Rachaduras” (2019) e “Copo Vazio” (2021).

Timerman é uma autora bastante ativa nas redes sociais, concede muitas entrevistas, oferece cursos online e participa de eventos. Em todos esses canais, atua também como divulgadora de sua obra. Acompanhar a atuação dos autores nas redes sociais, então, tem como pressuposto realizar a análise do modo como a  identidade autoral vai se construindo por meio do “autogerenciamento”, como sugere a professora Milena Britto, que os autores fazem de sua imagem pessoal e profissional se dividindo entre produzir e divulgar seu nome e suas produções através dos meios em que eles atuam. É pensando nessa atuação que me interessa compreender o papel que as mídias digitais exercem sobre a construção da carreira dos autores, como essa presença dos autores na rede atua para a inserção de seus nomes e obras no campo literário. Não me interessa discutir a espetacularização ou de antemão julgar como negativa essa presença do autor, pois me interessa mais pensar a dinâmica do campo literário, uma noção de Bourdieu, e a maneira como essa atuação e as novas posturas autorais podem significar também uma forma de subverter os lugares de poder na cena literária contemporânea e influenciar o modo como o mercado faz circular a literatura.

Notas sobre assinatura e performance

Nivana Silva

Créditos da imagem: imagem do filme A Morte de J.P. Cuenca, 2015.
 - Será que você vai escrever um livro sobre isso aí? 
-Não.
(Descobri que estava morto, João Paulo Cuenca)

Considerando o “retorno do autor” e a emergência das novas tecnologias, podemos dizer que a formação de um nome de autor hoje se dá não somente por meio da obra, mas também encontra solo fértil fora dela, especialmente quando o autor se dispõe a lançar mão de estratégias para alcançar leitores, firmar-se no mercado editorial e ganhar reconhecimento da crítica. Nesse contexto, acredito que a performance autoral contribui, de maneira significativa, para a promoção de uma assinatura ou para mantê-la ativa no campo literário.

Muitos exemplos da produção literária atual apresentam narradores-personagens cujas identidades se confundem com as do autor empírico, trazendo-o para a trama textual como matéria prima da ficção e arrastando de roldão referências factualmente rastreáveis, o que não deixa de ser uma performance que dialoga com um certo fetiche exibicionista próprio da contemporaneidade. O leitor que quer ser espião da “vida real” de quem escreve e do processo de criação daquilo que lê coloca-se como um “cúmplice voyeurista” (SIBILIA, 2015) do autor, que, por sua vez, parece capitalizar essa demanda em prol da performance dos “eus” para explorar o limiar entre realidade e ficção.

Para além disso, a performance também extravasa o nível do texto, pois manifesta-se na disposição autoral para usar as tecnologias, as mídias sociais, participar de eventos literários e divulgar a obra. Assim, a exposição do autor ao lado e fora da obra é, muitas vezes, o ponto de partida para a leitura do próprio texto.

João Paulo Cuenca, nesse cenário, pode ser chamado de um autor “midiático”. Colunista, roteirista e muito ativo nas redes sociais, Cuenca, desde o início de carreira, apoia-se no suporte tecnológico para performar vozes e aproximar-se da recepção. Com a publicação de seu primeiro romance, Corpo presente (Planeta, 2003), o autor alimentava um blog, hoje fora do ar, de nome “Carmen Carmen” – alusão à personagem do livro – no qual trazia os bastidores da escrita e que funcionava como uma primeira janela de divulgação do romance de estreia. Nesse mesmo ano, Cuenca também ganhou visibilidade ao participar de uma mesa na primeira edição da Festa Literária Internacional de Paraty, devido ao lançamento do livro Parati para mim (Planeta, 2003), em que há um conto seu. Voltando à FLIP em 2016, dessa vez para falar do seu livro Descobri que estava morto (Tusquets Editores, 2016), o autor declara que: “O que eu estou fazendo aqui agora é teatro, uma performance teatral, não tem nada a ver com literatura. Estou falando de livros…”.

Enquanto no livro de estreia, a performance do “eu” fora do papel foi importante para chegar ao público e inserir seu nome de autor no campo literário, no último romance de 2016, Cuenca potencializa uma estratégia semelhante para manter a assinatura ativa. O livro, assim como seu contraponto, o filme A morte de J.P.Cuenca (2015) – com direção e atuação do autor – foram muito divulgados por ele no facebook, tanto em seu perfil pessoal, quanto numa página dedicada ao longa.

O investimento na performance percorre o livro cuja história, ambientada no Rio de Janeiro pré-olímpico, é contada pelo narrador-personagem João Paulo Cuenca, que também é escritor e toma conhecimento de “sua própria morte”, pois um corpo foi identificado e reconhecido com os dados pessoais do próprio Cuenca (nome, data de nascimento): “Descobri que estava morto enquanto tentava escrever um livro”, diz ele. O enredo de ficção que o autor garante ter realmente vivido em 2011 culminou na narrativa “baseada em fatos reais”, na qual são apresentados documentos oficiais, como o registro de ocorrência e o guia de remoção do cadáver, e alusões biográficas ligadas a Cuenca. A história não se resume a isso, porém é notável o jogo performático que pulveriza a(s) voz(es) do autor num procedimento de mise en abyme e que envolve o leitor, talvez menos interessado nas pistas sobre o cadáver do que em “procurar o autor” e ouvir essas vozes performadas que falam dentro e fora obra, forjando personas, trazendo referências “reais” e embaralhando as expectativas de quem lê.

As estratégias utilizadas, portanto, vão flertando com o público e fomentando um trânsito que não é apenas de fora para dentro da obra, mas da própria obra para fora: um dentrofora criado por uma performance do autor. Assim, o binômio performance e assinatura parece ter sido exitoso no caso Cuenca, ainda que encontremos, na literatura contemporânea, exemplos não tão bem sucedidos, mas isso fica para outra reflexão.

Recusa da autoficção

Caroline Barbosa

Créditos da imagem: Anna Maria Maiolino, “Por um Fio”, da série “Fotopoemação”, 1976. Galeria Luisa Strina.

É cada vez mais comum encontrarmos obras caracterizadas como autoficcionais à medida que cresce também o número de estudos críticos e pesquisas que tentam investigar o termo. No entanto, não deixa de ser curioso perceber a resistência ao termo autoficção mesmo depois de seus quase quarenta anos de existência, pois muitos autores se referem à autoficção como uma espécie de fraude ficcional ou como mera forma de autobiografia.

Ao falarmos de autoficção, é inevitável a menção a Serge Doubrovsky que escreve seu romance Fils em 1977 baseando-se na homonímia entre autor, narrador e personagem. Segundo o próprio Doubrovsky, o romance surge como uma forma de resposta a Philippe Lejeune que ao falar do pacto autobiográfico, uma espécie de acordo tácito entre o autor de gêneros autobiográficos e seu leitor, afirma desconhecer obras que propõem burlar esse pacto, “mentindo” ao leitor ou ao menos desejando incutir-lhe a dúvida sobre se o que é contado aconteceu ou não com seu autor.

O termo teve grande repercussão na França, sendo utilizado por muitos autores para rotular suas produções, além de contar com uma já sólida fortuna crítica, mas no Brasil talvez seja possível arriscar que muitos escritores tentam evitar que suas produções sejam chamadas de autoficcionais, mesmo que explorem as fronteiras sempre turvas entre o ficcional e o autobiográfico. Recentemente, durante uma conversa com Manoel da Costa Pinto, Michel Laub negou para sua produção o emprego do termo, tomando-o basicamente como sinônimo de autobiografia mal disfarçada, que põe em risco o “potencial criativo” do escritor.

Isso que podemos chamar de resistência dos autores a pensar sobre o termo, motiva minha pesquisa atual de iniciação científica: fazer um mapeamento da recepção crítica ao termo no Brasil e observar o modo como os autores, em especial aqueles que produzem obras consideradas autoficcionais pela crítica, reagem a essa denominação de seu trabalho. Meu projeto de pesquisa tem um alvo específico: acompanhar a recepção crítica de Com armas sonolentas de Carola Saavedra para refletir sobre a “condição autoficcional” desse romance, considerando também a visão da própria autora sobre esse termo.

Saavedra, em seu último livro, relata a história de três gerações de mulheres ligadas entre si. A autora evita falar do termo autoficção e durante as entrevistas que concede defende que prefere comentar o texto literário e evitar análises que falam sobre o papel do autor, no entanto afirma que esse é seu romance mais autobiográfico.

Minha investigação quer então explorar isso que chamo de resistência à autoficção, explorando também as fronteiras entre o autobiográfico e a ficção, a invenção de si e a performance do autor diante de sua obra.


“Um e-book não é um livro”

Nivana Silva

Créditos da imagem: Wen Fang – The female book , 2011

Em A máquina performática: a literatura no campo experimental, Gonzalo Aguilar e Mario Cámara (2017) apontam que a performance “transcorre no tempo presente e seu registro é sempre pálido em relação ao aqui e agora que propõe”, ainda que seu caráter efêmero possa ser fundamental para a produção de sentido. Dentre os desafios de fazer pesquisa e escrever sobre o contemporâneo está o de acompanhar obras que podem surgir, atualizar-se e até mesmo serem apagadas de modo bastante veloz, resistindo à conservação e à reprodução.

Em tempos de tecnologias e de mídias sociais, a natureza duradoura e resistente da escrita está sujeita à efemeridade. Quando publicou a série de plaquetes Delegado Tobias (E-galáxia, 2014), Ricardo Lísias utilizou o facebook como suporte ficcional da história, criando um perfil fictício para um dos protagonistas da série, Paulo Tobias, fazendo circular postagens relativas à narrativa – como a também fictícia decisão jurídica que teria proibido a circulação dos e-books – e estimulando uma interação virtual com os leitores. No entanto, quem lê a série hoje não pode acessar mais o perfil do delegado, pois ele foi retirado da rede e, assim, algumas das possibilidades de apropriação do texto oferecidas pela tecnologia, que funcionava como uma espécie de extensão do texto, se perdem.

Apostando novamente no formato e-book, Lísias encerra 2018 com Diário da catástrofe brasileira I – transição, um trabalho in progress que utiliza como suporte a plataforma de autopublicação do Kindle (Amazon), projetado para ser o “primeiro [volume] de uma série que se estenderá até o final de 2022”. Trata-se de um texto não ficcional, que, como o próprio título indica, traz as entradas de um diário escrito por Lísias a partir de 28 de outubro de 2018, data do segundo turno das últimas eleições presidenciais. O exercício de “rememoração” a respeito de como chegamos ao início da catástrofe nacional é feito por uma voz autoral que apresenta informações e análises organizadas com o intuito de refletir sobre a atual situação político-social do país, bem como direcionar uma crítica ferrenha e irônica aos intelectuais que falharam em seus diagnósticos pré-eleitorais. A despeito do conteúdo pertinente, é notável a atenção dada pelo autor à forma do material – não só no texto, mas nos posts de divulgação nas redes sociais – com referências ao processo de escrita e, sobretudo, ao funcionamento do e-book.

A proposta de Lísias é que, a cada mês, o e-book seja atualizado e, de três em três meses, ocorra a publicação de um novo volume. Sendo assim, ao publicar a segunda versão de Diário da catástrofe brasileira I – transição, em janeiro de 2019, a primeira deveria ser automaticamente apagada, ou seja, o leitor que adquiriu o volume de número um teria seu exemplar atualizado, enquanto os novos leitores apenas poderiam ter acesso ao texto mais recente. Conforme esse planejamento, o autor se isenta da responsabilidade autoral do e-book que foi substituído, afirmando, em nota na segunda versão, que “a primeira foi publicada há um mês. Já não me sinto seu autor. Se você está lendo essa nota, continua no âmbito da criação. Quem não atualizar o Diário está fora do meu trabalho e portanto torna-se o único responsável pela versão anterior. Ela já não me diz respeito”.

A princípio, a atualização automática da versão do texto pela plataforma não ocorreu, e Lísias tem se empenhado em tentar reverter o problema com a Amazon, munido do argumento de que “um e-book não é um livro”. Contornado o imprevisto tecnológico, o leitor agora tem acesso à versão revisada mediante solicitação à empresa. Assim, há alguns aspectos interessantes que envolvem o empreendimento, sendo que um deles diz respeito à própria disposição do autor em testar a tecnologia e lançar mão da plataforma em prol de um modo de produção específico. Nesse contexto, a mise-en-scène em relação à autoria pode não funcionar, já que, na versão modificada, Lísias estabelece uma ponte com o volume anterior, indicando os trechos em que houve modificações e acréscimos. Logo, existe uma alusão direta à responsabilidade autoral de ambos os textos, sem contar que o leitor também pode encontrar uma maneira de salvá-los e cotejar o conteúdo por conta própria, burlando seu suposto caráter volátil.

Por outro lado, parece haver eficácia em incluir, no “âmbito da criação”, o leitor, pois esse tem diante de si os modos como o material vai sendo escrito, publicado e editado pelo autor, quem sabe outra maneira de lidar com seu manuscrito, que vai se alterando praticamente em “tempo real”. Aqui, então, uma pretensa efemeridade parece ser importante para impulsionar a reflexão em torno da forma, além das condições de produção e circulação do e-book, e talvez nessa reflexão resida um dos grandes interesses de Lísias, embora não esteja tão explícito quanto sua recorrente inclinação para a abordagem de temas de cunho político e social dentro e fora da obra.

O autor, o crítico, a ficção e o ensaio

Marília Costa

Yoko Ono2c “Sky TV for Hokkaido” (photo de Yoshihiro Hagiwara)

Créditos da Imagem: Yoko Ono – “Sky Tv for Hokkaido” – Yoshihiro Hagiwara

Durante muito tempo, o autor de literatura e o crítico literário assumiram papéis diferentes no campo literário brasileiro. Em linhas gerais, ao autor cabia o papel de tecer a obra e ao crítico a tarefa de comentar, analisar e teorizar sobre as narrativas. Alguns desses indivíduos realizavam as duas atividades em paralelo, porém em espaços distintos. O autor publicava seus textos em livros denominados como romances, contos ou poesias. O crítico transitava pelos jornais, revistas, blogs, livros teóricos, artigos e demais textos acadêmicos. Desse modo, não era muito comum que a ficção e o discurso teórico dividissem o mesmo espaço em uma obra literária.

Na contemporaneidade há indícios de um rompimento das fronteiras que separavam ficção e crítica literária. Eneida Maria de Souza, em seu texto “Notas sobre a crítica biográfica”, salienta que os limites entre as principais áreas de estudo da literatura não estão bem definidos pelas teorias contemporâneas. Desse modo, a literatura deixa de ser objeto de análise e passa a ser também espaço para analisar e teorizar sobre si mesma, “o próprio sujeito teórico se inscreve como ator no discurso e personagem de uma narrativa em construção”, afirma Souza. A crítica biográfica encontra-se delimitada entre a teoria e a ficção, o documental e o literário.

No século XXI deparamo-nos com escritores em cujas obras podemos identificar o hibridismo entre a crítica literária e a ficção, como é o caso de Ricardo Lísias, Cristovão Tezza, Silviano Santiago, entre outros. É possível ainda arriscar que o procedimento crítico no registro literário aparece a partir do uso da dicção ensaística e do recurso autobiográfico e autoficcional.

No romance Machado de Silviano Santiago, publicado em 2016, o narrador se apropria da dicção ensaística para tornar-se outro: “Transfiguro-me. Sou o outro sendo eu. Sou o tomo V da correspondência de Machado de Assis: 1905-1908”. Ao mesmo tempo, podemos notar uma aproximação entre narrador e personagem, principalmente em comentários críticos sobre o campo literário do final do século XIX e início do século XX, que lembram um ensaio, quando por exemplo tematiza-se a forma como Machado de Assis se concebe, se desenvolve, se aprimora e se estabelece como um dos maiores escritores brasileiros.

Em Machado de Santiago podemos perceber uma característica comentada pelo crítico argentino Reinaldo Laddaga em seu livro Estética de Laboratório e também presente em outras obras da literatura contemporânea. Ao resgatar o caminho que o conduziu a escrever o livro, Santiago forja a si mesmo e ao processo de escrita (aí emerge o que identificamos como uma dicção ensaística) aproximando-se do que Laddaga chama de uma “visita ao estúdio” de produção do autor e que torna possível aos leitores “formar uma ideia da pessoa e do pensamento do autor”. Embora saibamos que se trata de mais um artifício, pois, como o próprio Laddaga aponta “um artista se expõe enquanto realiza uma operação em si mesmo. O que mostra não é tanto ‘a vida (ou sua vida) como ela é’, mas uma fase da vida (ou da sua vida) que se desenvolve em condições controladas.” Desse modo, não deixa de ser interessante pensar que a dicção ensaística presente no romance Machado pode ser pensada como um artifício para reinventar a literatura.