Por Débora Molina
Verônica Stigger, que além de escritora também é professora e crítica de arte, investiu em um projeto que ela mesma denomina arqueologia do presente e que consiste na apropriação de fragmentos de conversas ouvidas de estranhos na rua, frases postadas no Facebook e no Twitter, enfim frases que a autora roubava e anotava em um caderninho de apropriações.
No ano de 2010, Stigger, foi convidada a expor no SESC de São Paulo. A autora aproveitou o fato de que na época o prédio estava em reforma e expos suas apropriações nos tapumes da construção que cercavam o prédio, devolvendo às ruas o que havia roubado delas.
A exposição ampliou-se e deu origem ao livro Delírio de Damasco tem um tratamento estético diferente. Costurado à mão, o pequeno livro (cabe na palma de uma mão) é vendido embalado por um saco de papel – como um pedaço de torta – contém em cada página apenas uma frase, que desprendida do contexto leva o leitor a imaginar a trama por trás de cada uma delas.
Minha mãe rezava
Para que eu não
Namorasse uma negra (p34)
Minha maior alegria
É ir ao Supermercado
nas férias (p 47)
Um cara bacana.
Mas ele não é normal.
Se fosse, não dava o cu. (p 59)
A ‘literatura’ de Stigger parece apontar para um texto com o mínimo trabalho com a linguagem, já que a operação fundamental realizada pela autora parece ser a recontextualização das falas apropriadas, ouvidas ‘por aí’, por isso o trabalho autoral parece mínimo ou nulo.
Neste processo o que importa mais é a criação a partir da curadoria e seleção e montagem destes materiais do que a invenção dada por uma gênio criador. O que parece bastante curioso é que a atuação do autor de escrita não-criativa coloca em xeque a condição da autoria entendida como gênio ao brincar com as palavras dos outros e criar uma nova forma de produzir literatura.