Milena Tanure

Em algumas das minhas publicações aqui no blog, apresentei relatos e reflexões sobre as experimentações que têm sido perceptíveis na cena literária baiana. Além das pequenas editoras que têm agenciado formas de promover a publicação e circulação do livro literário em solo baiano e para além dele, tenho observado maneiras outras de escrita e publicação que têm forçado a crítica literária a lançar novos olhares para essas produções. Nesse sentido, relembro a publicação aqui feita sobre Karina Rabinovitz e sobre seu trabalho na qual comentava o esgarçamento dos limites entre literatura e artes plásticas. No mesmo sentido, em publicação intitulada “Outras experimentações do urbano: múltiplos espaços, diferentes suportes” apresentei alguns livros de artistas que resultaram das atividades da Incubadora de Publicações Gráficas e foram expostas coletivamente na RV Cultura e Arte, com destaque especial ao livro Territórios Movediços, de Felipe Rezende e Luma Flôres.
Todas essas produções têm me inquietado, em especial, por ir revelando o modo pelo qual, é possível ler nas iniciativas baianas uma sintonia cada vez maior como os atuais debates no campo artístico, o que pode matar de vez certa visão preconceituosa que acusa de provincianismo produções fora do eixo Rio-São Paulo. Pensando sobre isso, de modo muito errático, tomei conhecimento do 4º Festival de Ilustração e Literatura Expandida (FILEx) que aconteceu do dia 07 a 15 de março em Salvador. Tendo como slogan as palavras lute, ocupe, crie, sonhe e imagine, o Festival ocupou o Goethe Institut com uma série de publicações criadas por pequenas editoras que têm experimentado outras formas de produção e circulação dos livros impressos.
No dia 15 de março, estive no último dia do Festival, que culminou na Feira Ladeira, e lá pude observar que a proposta do FILEx, conforme consta no site do evento (https://www.ilustrafestival.com.br/), consiste em reunir em Salvador a cena de ilustradores, performers, escritores, editores e demais profissionais interessados em “pensar e experimentar relações entre imagem e palavra em livros ilustrados”. Os organizadores afirmam entender que “[…] a Literatura Ilustrada Expandida é aquela que extravasa o papel, que vai para as ruas, que imprime o muro, que entra pelos ouvidos e sai pela boca, que pode ser lida nos rostos e nas relações”. E mais: aos participantes “interessa questionar as fronteiras, expandindo os limites tênues que separam as linguagens artísticas”.
Em especial, me interessaram as publicações da plataforma editorial A margem, cuja marca é um fragmento da falha do frontispício de Salvador que é perceptível para aquele que, do ponto de vista do mar da baía, olha para a cidade e a vê entre a “cidade baixa” e a “cidade alta”.

Algumas publicações lançam um olhar específico sobre o espaço urbano, bem como geram uma outra relação com o objeto livro. Nesse sentido, cito a publicação “Paisagens ensolaradas”, de Felipe Rezende.

O livro mais recente de Rezende propõe um outro reconhecimento do espaço urbano a partir da perambulação pelo mapa físico e simbólico que constrói. Se em Territórios Movediços o centro da cidade de Salvador era o cenário para o diálogo com Baudelaire, na nova obra “as pessoas que aparecem intensamente iluminadas ao longo dos caminhos, são trabalhadores urbanos, prestadores de serviço, ambulantes em suas ocupações ordinárias, cotidianas; são anônimos que, fora destas bordas de cidade, estarão velados, sombreados” (texto de apresentação do livro no instagram de A margem).
Como indicado na apresentação do FILEx no site, o interesse do evento era “falar do livro a partir das relações com o corpo, com a cidade e com a coletividade. […] [além de pensar o] movimento crescente da autopublicação, buscando estratégias eficientes na distribuição de produções impressas e/ou performáticas”. Interessante foi ir percebendo, em cada espaço da exposição, o modo pelo qual o evento colocou em cena a possibilidade de os leitores irem questionando o lugar sacralizado que o suporte livro ocupa ainda hoje. Ao me deparar com obras que se construíram coletivamente ao longo do evento, bem como com publicações com formatos tão díspares e que flertam com outras áreas e plataformas, como as obras com diálogos diretos com as artes plásticas ou aquelas que apresentam Qr code, por exemplo, voltei a refletir sobre as tensões que marcam as discussões entre o literário e o não literário, e também sobre o movimento de expansão da literatura para fora não apenas do livro com suporte, mas como intervenção urbana, por exemplo, confundindo-se, muitas vezes com uma performance artística.