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Literatura de Vlog

Igor Albuquerque

Nomeie uma ferramenta para resolver todo e qualquer problema que surgir: Youtube. Não sabe como dar nó em gravata? Quer fazer a maquiagem igualzinha a da menina daquele filme? Se livrar das baratas?… Youtube.

Nesse dia específico, eu buscava um vídeo sobre Caravaggio em língua original para meus alunos de italiano avançado. Entre trabalhos escolares, documentários maçantes e Dilma Houseff inaugurando uma exposição no palácio do planalto, encontrei a encantadora Sabrina Papa.

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Sabrina Papa é o que eu chamaria de uma art vlogger. Bem-humorada verborrágica, espontânea, despretensiosa e dinâmica, vai comentando as obras de arte sobre as quais quer falar e, pouco a pouco, cria em seu canal do youtube o conjunto dos registros de suas leituras. Embora não tenha servido para minha aula por falar muito rápido, Sabrina foi a porta de entrada para um campo que me era antes desconhecido.

O vlogger, abreviação de vídeo blogger, é um personagem relativamente novo. Surgido nos longínquos anos 2000, e espalhado como um vírus com o advento do youtube cinco anos depois, o vlogger é um sujeito que, não raro, reúne todas as características acima atribuídas a Sabrina e decide ligar a webcam para registrar e depois compartilhar na web. Mas registrar o quê? Ora, eles mesmos: sujeitos cheios de adjetivos. Disposto a falar sobre tudo e todos (cotidiano, política, moda…), o vlogger clássico quase nunca se prende a um só tema, sua dicção é errática, às vezes caótica e o que vale mesmo é espontaneidade e desenvoltura. No entanto, e não é preciso ser nenhum especialista para observar, os vídeos estão sempre carregados de efeitos e editados para funcionar de acordo com o ritmo as intenções dos autores, são, por tanto, artificiais (no sentido latino, o de técnica). Temos, portanto, o paradoxo: espontâneo e artificial. Os vloggers não pagam nem ganham nada para fazer o que fazem, estão em ação no contexto das mídias independentes e não estão subordinados às imposições dos meios de comunicação de massa.

Mas nem sempre fica assim. P.C Siqueira, por exemplo, vlogger famoso entre os consumidores desse tipo de mídia, tornou-se apresentador da MTV e hoje ganha para fazer aquilo que antes não lhe trazia retorno financeiro.

O que isso tudo tem a ver com literatura? Estamos em um blog de literatura, onde estão os livros? Vamos a eles. Da mesma forma que Sabrina enche seu canal com suas análises de esculturas e pinturas, há também quem faça o mesmo com livros. Leitores ávidos e muito comunicativos fazem suas videos-resenha, comentários e desembestam a falar livremente sobre as obras lidas. Não sendo um caso isolado, pode-se ver no youtube uma verdadeira rede de vloggers de literatura. Eis alguns nomes: Vevsvalverde, Amanda (lendo e comentando), Respira Mariana. (Até amigo secreto literário online e aberto eles organizam).

A maioria dos livros lidos e comentadores por esses leitores é composta por títulos da dita literatura de massa ou comercial, e figuram também Best-sellers infanto-juvenis. Cabe aqui acrescentar: videobloggar é uma atividade mais comum aos jovens e, uma vez que os leitores em questão são muito novos, às vezes recém saídos da adolescência, estranho seria se comentassem somente clássicos da literatura universal. No entanto, para surpresa dos que desdenham da contemporaneidade dos narcisos e pigmaleões onipresentes, vez por outra surge no feed desses jovens faladores um Kafka, um Machado e, para citar um catatau, até um Hugo.

Em minha pesquisa empreendida junto ao grupo da professora Luciene Azevedo, eu analiso as reconfigurações que vem se processando na literatura brasileira desde que a internet se tornou uma realidade na vida da maioria dos leitores, escritores, críticos e demais instituições do campo. Descobrir esse novo tipo de personagem, o vlogger, que desponta na cena literária com muita vontade e entusiasmo – para não falar na voracidade com que lê os livros – me fez repensar e reorganizar o corpus de uma pesquisa que eu já julgava bastante abrangente e complexa. Os vloggers chegam timidamente, são ainda officeboys na bolsa de valores da literatura e talvez nem queiram ocupar os altos cargos dessa wall street às avessas, mas, de qualquer forma, vou estar observando.