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A experiência da prática

Carolina Coutinho

Créditos da imagem: Duane Michals, Heisenberg’s Magic Mirror of Uncertainity, 1998

No momento atual da minha trajetória de pesquisa, estou cumprindo talvez uma das etapas mais desafiadoras desse processo: como parte dos créditos para obtenção do título, devo atuar como docente em uma turma da graduação de Letras, aqui na UFBA. Exercer a função de professora no contexto da graduação é uma experiência nova que tem se mostrado muito recompensadora e produtiva para refletir teoricamente também sobre minha prática durante o período de pós-graduação, onde me vejo como discente e docente de Literatura. 

Discutir algumas das questões que desafiam a teoria literária no presente é também falar das questões que cercam e motivam minha própria pesquisa. Privilegiar esse diálogo e construir reflexões em grupo tem provocado um movimento autorreflexivo em minhas investigações.

Uma tendência para a proliferação das escritas de si vem sendo tematizada por muitos teóricos como uma dessas questões que circundam a produção literária contemporânea e desafiam os críticos. Um mergulho no eu que brinca com a instabilidade entre o pacto autobiográfico e o pacto ficcional e instiga a dúvida no leitor sobre os limites entre o que é real e o que é inventado dentro da narrativa. Pensar a tensão entre essas esferas é um dos pontos que temos explorado durante o curso.

Um dos textos que estimula essas perguntas em sala é a tese de Diana Klinger, apresentada na UERJ e que depois se transformou em livro. No primeiro capítulo, Klinger faz um breve histórico da escrita de si e mostra um pouco de como a produção de subjetividade e a escrita possuem uma relação muito próxima. Não tem muito tempo, comentei em um post sobre os commonplace books que funcionam como formadores e organizadores do sujeito que escreve, prática também comentada pela autora.

Klinger resumidamente percorre a história das escritas de si desde a Antiguidade Greco-romana até o contemporâneo para reforçar seu argumento de que “a escrita performa a noção do sujeito”. O discurso autobiográfico, constituído na modernidade a partir dessa ligação tão intrínseca, seria o “pano de fundo” para as narrativas que podemos encontrar hoje, tão permeadas pela presença de traços da vida do autor em sua obra.

Assim, explorar as escritas de si significa explorar as noções de sujeito e autor, o que a autora também faz para então amparar um possível “retorno” do autor após a sua “morte” no contexto estruturalista, embora a noção de autoria já não seja a mesma. O retorno do autor defendido por Klinger se afasta dos ideais anteriores da confissão e do depoimento e tempera a forte vontade de falar de si com a impossibilidade de alcançar uma “verdade” através da escrita. A literatura toma para si a forma da autobiografia, mas para apontar sua falha diante de uma nova concepção de sujeito, caótico e fragmentado.

Situando essas considerações em minha pesquisa, como poderíamos pensar a relação desse sujeito com a prática de escrita da anotação? Como podemos ler um tipo de romance que se constitui nos bastidores de sua própria escrita, como é o caso de o Romance Luminoso de Mario Levrero? O diário, as notas da organização da vida para a escrita literária podem ser considerados literatura, estão no domínio da ficção?

Em sala, levantar essas características e transformações gera observações e reflexões inusitadas, exemplos e comparações surpreendentes, até ousados. A partir deles, o curso muda um pouco, se adapta, toma outra forma. Também a pesquisa. A experimentação com a forma dos gêneros autobiográficos pelo romance é um dos meus interesses de estudo, isso é certo, mas quais possibilidades novas serão sondadas até o final dessa etapa?