
por Nívia Maria Santos Silva
Já pensou se você pudesse entrar em contato com fotos, documentos, manuscritos, até mesmo bilhetes e passaportes, cartas e e-mails de um poeta ou de um escritor de que gosta muito ou sobre o qual realiza uma pesquisa?
O Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), da UNICAMP, nos oferece essa possibilidade. Lá se encontra o Centro de Documentação Alexandre Eulalio (CEDAE), no qual podem ser consultados, além de todo esse material que enumerei acima, cartões-postais, cartazes, áudios, recortes de jornais, revistas, livros, anotações, enfim, uma profusão de documentos que formam os Fundos pessoais de escritores, artistas e intelectuais e, até mesmo, de instituições. Foi lá que, em julho de 2015, dei passos importantes para a execução de minha pesquisa ao consultar o Fundo Bruno Tolentino (FBT).
A história arquivística do FBT é recente. Em 2011, o Instituto de Formação e Educação (IFE), detentor dos direitos autorais de Bruno, comunicou sua intenção de doar ao CEDAE o material pertencente a ele. Em 2012, essa doação foi aprovada pela Comissão de Especialistas para a avaliação de mérito e de importância do acervo documental (formado pelos professores Doutores Alcir Pécora, Mário Frungillo e Marcos Lopes) e se consolidou em 2013, quando o presidente do IFE, Marcelo Consentino, e seu diretor, Rodrigo Garcia, efetivaram a entrega do acervo.
O material do FBT ainda não apresenta como instrumento de pesquisa as planilhas de descrição do Fundo, e sim a listagem de documentos, e o sistema de arranjo não foi organizado, pois o acervo ainda não passou pela catalogação técnica do próprio CEDAE. Por isso, as condições de acesso estão sendo realizadas por meio de consulta limitada, e não de consulta livre como ocorre com acervos já catalogados. Isso quer dizer que, para ter acesso ao FBT, diferente do que acontece com os Fundos de consulta livre, foi necessário que eu solicitasse a autorização para consulta e reprodução diretamente aos representantes do IFE. Mas isso não foi problema, eles, prontamente, atenderam meu pedido, e todo esse processo foi devidamente mediado pelo próprio CEDAE que, representado pela sua diretora Flávia Carneiro Leão, deu-me toda orientação e suporte necessários.
Já como a permissão para a consulta, para a reprodução digital e a reserva no CEDAE realizada, parti para São Paulo. Durante a semana em que fiquei na UNICAMP, me deparei com um material rico e de idioma diverso (português, inglês, francês, espanhol e italiano). O FBT apresenta documentos que assinalam as atividades de Bruno enquanto professor, intelectual e, sobretudo, poeta. Em meio a cadernos, impressos, fotos, recortes de jornais e revistas, livros, documentos, cartas, fita cassete etc., há, especialmente, muitos manuscritos de poemas, suas rasuras, reescritas, versões.
O acervo contém, por exemplo, o Indexed Book o qual, chamado de Red Book, é um conjunto de dois cadernos da prisão de Dartmoor, nos quais, podem ser encontrados, escritos a lápis, esboços de poemas, dispostos como em um livro, com capa, epígrafe, dedicatórias e afins, muitos deles escritos e/ou reescritos durante os 22 meses em que esteve preso na Inglaterra por tráfico de drogas. Há textos, inclusive, inéditos e não apenas no Red Book, mas também em papéis avulsos e muitos impressos que trazem poemas que, de tão modificados, passaram a ser versões distantes dos textos publicados, o que nos revela o trabalho de repisar o poema, de retrabalhá-lo, de adiar a sua forma final. Essa prática pode ser confrontada e trazer aproveitamento crítico acerca de seu processo de composição e de sua demora na publicação.
Outro ponto forte do acervo são as correspondências que revelam muito de seu capital social, o contato que o escritor mantinha no campo com conhecidos nomes da literatura brasileira, tanto críticos quanto autores, como Antônio Cândido (que é também seu primo), Antonio Houassis, Nélida Piñon, nomes controversos como Paulo Coelho e, até mesmo, autoridades religiosas como Dom Eugênio Sales. Seus conteúdos evidenciam não apenas a relação que Bruno nutria com outros agentes do campo literário, como também registram sua relação com instâncias de legitimação, como a Academia Brasileira de Letras, e editoras, como Globo. Cabe ainda destacar as fotos, dentre as quais podemos encontrar escritores como Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar e o poeta Alberto da Cunha Melo. Além de fotos em eventos da/na Academia Brasileira de Letras e de lançamento de seus livros.
Textos críticos sobre o comportamento polêmico de Bruno e sobre sua obra aparecem em recortes de jornais e revistas coletados pelo autor, revelando seu interesse pela recepção crítica. No acervo, há ainda muitas entrevistas que Bruno concedeu para diversos periódicos, sobretudo, nacionais, como O Globo e Veja, assim como clippings que as editoras enviaram para o escritor com toda a citação que sua obra teve nas mídias (matérias, notas, resenhas). De uma forma ou de outra, esse material nos mostra que, ao longo da década de 1990, Bruno Tolentino, era uma presença constante no jornalismo brasileiro, chegando até a ser entrevistado pela revista (para maiores) Ele Ela, com um título de gosto duvidoso, “Bruno Tolentino: a louca espada do verso”.
Uma semana de pesquisa demandou meses de triagem, tamanho foi o material consultado, mas sem dúvida está sendo bastante proveitoso. Os documentos reproduzidos estão sendo agora interpretados e integrados aos capítulos da tese que estão em fase de produção. Sua problematização vem trazendo rendimentos críticos importantes para pesquisa que caminha a passos largos para sua qualificação.