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Cinema, literatura e HIV/aids

 Ramon Amorim

Créditos da imagem: Joe De Hoyos, Spitting Image, 1987 

Seja em séries, longas e curtas-metragens, documentais ou ficcionais, maneiras diversas de representar as questões relativas ao HIV/aids estão presentes nas telas. É possível localizar obras, a partir do ano de 1985, que já discutem a epidemia, como AIDS: Aconteceu comigo (1985), Filadélfia (1993), As horas (2002), Angels in America (2003), Cazuza – O tempo não para (2004) The Normal Heart (2014), Pose (2018), entre tantas outras.

Várias dessas realizações audiovisuais estabelecem uma relação direta com a literatura. Muitas são adaptações de textos literários, enquanto outras levam para a tela a vida de escritores ou personagens importantes das letras. Também há casos em que essa aproximação se dá de maneira indireta, na forma de alusões ao universo da literatura.

Duas obras recentes do cinema brasileiro chamam a atenção pela maneira como dialogam com a literatura: o documentário Carta para além dos muros (2019) e o drama em longa-metragem Os primeiros soldados (2022). No filme de 2019, dirigido e produzido por André Canto, a referência mais evidente diz respeito ao título, baseado no conjunto de crônicas que o escritor Caio Fernando Abreu publicou entre os meses de agosto e setembro de 1994 no jornal O Estado de S. Paulo. Além disso, um dos entrevistados do documentário é um homem identificado com o nome fictício de Caio, em referência ao autor gaúcho. Há também neste filme depoimentos de autores fundamentais à discussão sobre HIV/aids, como João Silvério Trevisan, Drauzio Varella, Jean-Claude Bernardet, entre outros.

Já em relação ao longa-metragem Os primeiros soldados, dirigido e escrito por Rodrigo de Oliveira, as referências ao universo literário não são tão evidentes quanto no  documentário de Canto. Aqui a aproximação entre cinema e literatura é construída a partir de exercício de especulações e aproximações. A começar pelo momento em que se passa a narrativa, o ano de 1983. Há aí uma “coincidência’, pois é o mesmo em que Caio Fernando Abreu lança a novela Pela noite, o primeiro texto literário a abordar a temática do HIV/aids.

É possível ainda observar formas e procedimentos comuns à literatura sobre HIV/aids no longa dirigido por Rodrigo de Oliveira. Narrar a si, de maneira autoficcional, ou de modo autobiográfico, como muitos escritores fizeram, principalmente nos primeiros anos da emergência da epidemia, é uma dessas estratégias de que o filme se vale.

Por fim, é preciso chamar a atenção ainda para o fato de que não se nomeia o vírus ou a doença, procedimento também comum nas produções literárias sobre o tema. Em Os primeiros soldados, embora os personagens com HIV façam registros minuciosos sobre sintomas, remédios, efeitos adversos, associados ao vírus e à doença, não há qualquer designação explícita ao HIV/aids, procedimento que está presente também em grande parte da obra de Caio Fernando Abreu e Bernardo Carvalho, por exemplo. 

Embora minha pesquisa não tenha como objetivo realizar um mapeamento exaustivo sobre as aproximações possíveis entre as produções literárias e cinematográficas que abordam a temática do HIV/aids, não deixa de ser curioso observar como em ambos os circuitos circulam representações semelhantes do vírus e da doença .