Larissa Nakamura
Crédito da Imagem: Grant Snider
No final do mês passado, defendi meu trabalho intitulado “A profissionalização do escritor entre a literatura e o mercado”, uma reflexão que teve início ainda nos tempos de graduação. Fazer uma análise do caminho percorrido até aqui me traz a sensação de dever cumprido por ter escolhido um tema que, muitas vezes, parecia fugidio demais para mim e para a própria comunidade acadêmica. Mas voltemos ao começo.
Ainda na graduação, momento em que realizava minha iniciação científica, o tema da profissionalização foi sugerido pela orientadora. Meu projeto se resumia a tentar montar um perfil do autor Luiz Ruffato a partir da leitura e análise da recepção crítica de suas obras (resenhas em cadernos literários e revistas acadêmicas, trabalhos acadêmicos, divulgação na grande imprensa, entrevistas) e de dois livros ficcionais do escritor. Com o desenvolvimento da pesquisa, em uma segunda etapa, a sugestão para considerar a profissionalização como um veio de pesquisa me instigou a ampliar meu olhar sobre o campo literário brasileiro. A partir de então, dei início às primeiras leituras, que me acompanhariam até o mestrado. Mas havia ainda problemas que não pude resolver em tempos de graduação: foram insuficientes as referências bibliográficas coletadas e lidas, e eu ainda lutava para entender exatamente o que era a profissionalização do escritor.
Passado o processo de seleção, já como aluna do programa de pós-graduação, teria tempo para me dedicar inteiramente ao meu tema escolhido. O projeto inicial passou por mudanças necessárias para fugir da minha zona de conforto e enfrentar desafios maiores: ao invés de investir minhas energias na investigação da carreira profissional de um autor específico (Milton Hatoum e Luiz Ruffato, que eu já conhecia bem), me voltaria à investigação das condições de profissionalização do escritor brasileiro nas últimas décadas, tentando traçar um breve panorama histórico da profissionalização no Brasil, para discutir a intrincada relação entre a arte e o mercado.
Com um assunto tão atual, mas ao mesmo tempo, tão pouco discutido, comecei a encarar alguns dos empecilhos que viriam à frente. Como afirmo na dissertação, o próprio termo “escritor profissional” constitui um problema e definir a profissionalização, é um obstáculo tanto para os teóricos que se debruçam sobre o assunto quanto para os produtores culturais que movimentam a vida literária. São diversas as razões para essa dificuldade, como, por exemplo, o limitado número de referências bibliográficas que se detêm especificamente no tema, além do fato de a discussão sobre a profissionalização dos escritores ser, de modo geral, ainda controversa e pouco tratada no espaço acadêmico devido ao envolvimento da arte com a lógica econômica.
Diante desse problema, busquei auxílio teórico também em outras áreas, me esforçando para dar conta da complexidade da profissionalização, como a sociologia e as ciências políticas. As reflexões que propus nos posts do blog foram também de imensa ajuda, serviram como necessário exercício de escrita e para ir “tateando” os assuntos afins à pesquisa, as maiores inquietações do momento e que poderiam reverberar no momento da escrita da dissertação. Em especial, os posts “ Literatura e vida literária: censura, cultura e profissionalização ”, “ O ano em que vivi de literatura, de Paulo Scott ”, “ Literatura e profissionalização ”, “ As agruras de um poderoso editor ” e “As oficinas literárias e a profissionalização do autor” foram posteriormente expandidos e incorporados ao meu texto final por tratarem de questões imprescindíveis à pesquisa, além de tocarem na problemática central sob óticas diferentes, tornando-a mais complexa, mais ramificada.
Os desafios foram inúmeros e montar o quebra-cabeça, ou seja, escrever a dissertação, o que envolve não apenas a problematização das referências bibliográficas selecionadas para discussão, mas sobretudo a maturação e exposição das minhas próprias ideias em relação ao tema, foi apenas mais uma peça no grande processo da pesquisa. Sobre a dissertação, cada capítulo e subcapítulo do trabalho final foi pensado de modo a guiar o leitor pelas múltiplas facetas que a profissionalização guarda, respeitando a complexidade que o tema possui. O primeiro capítulo, separado em dois subcapítulos, buscou discutir em que consiste a profissionalização literária, considerando a abordagem de diferentes teóricos, além de apresentar uma breve trajetória da profissionalização literária no Brasil. O segundo capítulo, também dividido em dois subcapítulos, baseou-se na coleta de entrevistas de escritores, na tentativa de apresentar as posições/concepções de diferentes agentes do campo literário sobre a profissionalização, discutir as instâncias responsáveis por sua promoção (a participação em diversos eventos literários, as oficinas de escrita criativa, os prêmios literários etc.), enfim, as dinâmicas do próprio campo literário. Por fim, no terceiro capítulo, a partir da
análise das obras O ano em que vivi de literatura (2015), de Paulo Scott, e Ninguém (2016), de Ieda Magri, promovi uma discussão sobre como o tema da profissionalização
é abordado dentro da literatura em relação às questões discutidas em capítulos anteriores.
Passado um mês desde a defesa, o sentimento de que a tarefa foi cumprida torna-se cada vez mais sólido e também a esperança de que o trabalho (em breve disponível no repositório institucional da UFBA) poderá ser útil para outros pesquisadores que queiram dialogar e que se disponham a enfrentar os desafios colocados pelo passado, os que permanecem no presente e os que surgirão aos estudiosos futuros que continuarem acreditando que o estudo e a investigação valem a pena.