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Literatura e representatividade

Samara Lima

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Créditos da imagem: Sohei Nishino. “Diorama Map, Rio de Janeiro”, 2011 .

Geovani Martins, filho de dona de casa e jogador de futebol amador, nascido em Bangu, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro publicou seu primeiro livro pela Companhia das Letras em 2018, ​O sol na cabeça, ​​um conjunto de 13 contos. Livro e autor foram apresentados ao público como sendo a mais nova revelação da literatura brasileira contemporânea.

O livro, se consideramos as publicações recentes, destoa das estatísticas levantadas pela professora Dra. Regina Dalcastagnè, que através da sua pesquisa “O personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2014” mostra como as narrativas brasileiras produzidas dentro do período estudado privilegiam um determinado grupo social, branco, heterossexual, classe média, enquanto sobre negros e pobres, imperam os estereótipos, pois são representados como escravo, ladrão e vítima. A propósito disso, cabe mencionar que o próprio Martins afirma que gosta de omitir a cor da pele dos personagens, mas que ainda assim costuma receber comentários sobre as situações narradas em que os protagonistas são imaginados como negros pelos leitores.

Ao mesmo tempo em que alguns contos abordam temas como a violência policial, o tráfico de drogas, a intolerância religiosa e o racismo, é possível também enxergar o outro lado da favela. Em ​Estação Padre Miguel​​, por exemplo, o narrador em primeira pessoa reflete em meio à discussão com os amigos sobre a compra de mais drogas:​“De um momento pro outro tudo se desfaz, se desaba, e ficamos sozinhos frente ao abismo que é a outra pessoa.”

Seus personagens são favelados ​e enfrentam dramas internos, o que torna mais complexo o imaginário sobre a vida na periferia. O conto ​Espiral​​, por exemplo, trata sobre o racismo estrutural existente na sociedade, como isso afeta o jovem negro, e como crescer sendo alvo de medo – por causa da cor da sua pele – transforma alguém. Enquanto ​O caso da borboleta​​ tem um fluxo narrativo mais lento, poético.

Em ​O que é lugar de fala?​​, Djamila Ribeiro apresenta o problema do acesso à voz, à representação daquele que é excluído, de quem pode falar numa sociedade excludente, onde o discurso legitimado é o discurso do homem branco. O livro de Geovani Martins arrisca uma resposta literária e quer cavar nessa tradição de monopolização dos lugares de fala, seu próprio lugar para “mostrar a periferia como algo em movimento”.

Durante sua participação na última Flica, perguntaram ao autor se ele achava que seu sucesso se devia a sua biografia. Martins afirmou que quem pode responder a essa pergunta são os leitores. A pergunta e a resposta podem servir como reflexão sobre como a desigualdade racial e econômica do Brasil é representada pela literatura e lida pelos leitores.