Bernardo Carvalho, Reprodução e internet

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Por Elizangela Maria dos Santos

Reprodução, Bernardo Carvalho

Companhia das Letras, 2013. 

No romance Reprodução, Bernardo Carvalho tece uma crítica acirrada à internet e suas ferramentas, envolvendo o leitor na história de um estudante de chinês que é detido na fila do check-in, quando embarcaria para a China. Através do emaranhado de informações que vai formando a trama, coloca-se em discussão o excesso de informações com que os leitores são bombardeados a todo momento e a facilidade da participação sem crítica, sem argumentação, sem comprovação e fundamentos que as ferramentas on-line oferecem.

Já na delegacia, enquanto tenta se defender e manter a calma, o estudante de chinês vai entremeando seu depoimento com os mais distintos e variados assuntos; além disso, preocupa-se em demonstrar que está informado sobre todos eles: “Sou um cara hiperinformado. E tenho opinião própria.” (p. 53). Mas o que o leitor lê são declarações que demonstram preconceito racial, contra os homossexuais e judeus, intolerância religiosa, entre muitos outros temas que o estudante de chinês diz dominar porque está presente assiduamente no mundo virtual: “Não lê jornal? Aqui não tem wi-fi?” (p. 29).

Contudo, a relação do texto Reprodução não se restringe à tematização dos recursos da internet. A extensão dos parágrafos – bastante longos – parece que foi pensada para que estes fossem lidos de um fôlego só; e os períodos que os compõem, em sua maioria curtos, intensificam uma sensação de rapidez, de pressa. Ritmo estimulado pela incrível velocidade da circulação dos dados na rede.

Obviamente essa estruturação por si só não é característica do diálogo com a tecnologia; no entanto, essa forma de escrever está aliada a outros aspectos. Quando o estudante fala sem parar, o autor está se valendo da enxurrada de assuntos bem conhecidos do frequentador das redes sociais e da forma como as opiniões e comentários validam as mais estapafúrdias posições: “Curti.” (p. 28).

No final da década de 80, Flora Sussekind, em seu Cinematógrafo de Letras, tentava pensar a relação entre a Literatura, a técnica e modernização do país. Para tanto, Sussekind propõe modos diversos de refletir sobre essa relação. O vasto corpus de obras escritas na passagem do século XIX para o XX abre para a crítica um leque de possibilidades para a investigação da relação entre a Literatura e a técnica.

Se aproveitamos o pressuposto de Sussekind de que a sedução tecnológica oriunda da invenção dos novos aparelhos eletrônicos – como o gramofone, por exemplo, no século XIX- deixa rastro na técnica literária, poderíamos arriscar que em Reprodução Carvalho oferece, através de uma mímesis consciente da forma de funcionamento da internet, ou seja, através da apropriação de uma forma característica de estar e circular na rede, uma possibilidade de reflexão crítica sobre nosso tempo, que não se limita apenas à temática, nem é mera imitação, mas estilização que reelabora também a forma de contar essa história.