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Literatura em colaboração?

André Neves

Em outro post já tinha tematizado a produção de fanfics, textos criados por fãs de sucessos editoriais que dão continuidade à obra, reinventando a trama e seus personagens. Ao navegar pelos blogs de fanfiqueiros chama a atenção uma página em especial do wattpad. Trata-se da ficshop: doação de ideias para fanfics, cujo objetivo é literalmente “doar” ideias aos aspirantes e/ou aos já veteranos escritores de fanfics. Essa proposta de uma escrita que explora a facilidade do compartilhamento de material própria das redes sociais pode ser um bom começo para pensarmos outras maneiras de criar narrativas e de pensar a autoria.

É possível encontrar sites que podem abarcar um micro campo literário em suas páginas. É o caso de Falsaria uma rede social literária de escritores independentes que conta com um público que já ultrapassa 400 milhões de falantes de espanhol. De um mero blog, Falsaria tornou-se uma plataforma completa para os que desejam canalizar sua escrita nas redes sociais, passando a oferecer diversos serviços como formação literária online, coedição e publicação de livros e ações de promoção literária para divulgar autores dentro e fora da plataforma.

No Brasil surge outra proposta de plataforma de ficção chamada Essa história é nossa, é uma plataforma literária brasiliense que objetiva promover e lançar escritores, principalmente, por meio de textos colaborativos. Ao se inscrever no site, o usuário deve escolher um estilo narrativo para criar uma história ou participar da concepção de contos iniciados por outros autores. Todos os livros terão 13 capítulos e podem ser escritos por até 12 autores, além de um revisor, um editor e um produtor. Após o fim dos 12 capítulos, os autores se reúnem virtualmente para, juntos, escreverem a conclusão do livro e decidirem o título da obra. Ao fim de cada publicação, as sinopses das histórias serão disponibilizadas no site e nas redes sociais, podendo ser publicados em papel.

Partindo de uma observação ainda superficial, nota-se que as produções colaborativas nas narrativas literárias criadas na rede parecem ainda muito dependentes do “processo” de criação, da manipulação das ferramentas virtuais como mera técnica para gerar histórias. No entanto, se formos tão otimistas quanto o poeta, professor e crítico Kenneth Goldsmith que afirma em seu livro Escrita não Criativa que a internet é a nova identidade da literatura, é possível pensar que “estratégias de apropriação, replicação, plágio, pirataria, mixagem, saque, como métodos de composição” são próprias da rede e podem ser utilizadas para gerar histórias que dão o que pensar em relação a uma ideia de autoria como colaboração.

Nesse sentido, penso que para compreendermos os processos narrativos imersos nessa complexidade dessa literatura cuja narrativa e autoria(s) se constroem nos moldes de colaboração, talvez seja possível nos apropriarmos da concepção de literatura pós-autônoma nos moldes apresentados por Josefina Ludmer.

Essas literaturas aparecem como “escrituras do presente que atravessam a literatura” e, nas palavras da crítica argentina Josefina Ludmer, “ficam em posição de diáspora”, uma vez que dificultam uma leitura com base na compreensão que tínhamos de autoria, obra ou estilo até bem pouco tempo.

Assim, acredito que vale a pena uma análise mais atenta para compreender como se constrói – ou se forja – esse trabalho colaborativo na rede, sobretudo para discutir como isso pode implicar em diferentes formas de narrar.