Arquivo da categoria: Representação do espaço urbano

A densidade do urbano em Pensamentos supérfluos, de Evanilton Gonçalves

Milena Tanure

Créditos da imagem: Pintura de Luís Rosa. Disponível em: https://www.hypeness.com.br/wp-content/uploads/2017/01/LuisRosa16.jpg

Pensamentos supérfluos: coisas que desaprendi com o mundo é o primeiro livro de Evanilton Gonçalves. Publicado pela ParaLeLo 13S em 2017, o livro compreende a primeira empreitada do autor no mercado editorial. Chama a atenção o estilo desse jovem autor baiano que, sendo formado em letras, ensaia uma dicção literária inicialmente no universo dos blogs e, em seguida, publica seus escritos no formato do livro impresso. Falar de um gênero específico para esses textos não é fácil, afinal, tratam-se de contos, microcontos, aforismas ou prosa poética? Também há muitos diálogos intertextuais implícitos ou explícitos a serem desvendados pelo leitor, pois o texto é montado com referências a Fernando Pessoa, Mario Benedetti, Jorge Luís Borges, Machado de Assis, Milton Hatoum e tantos outros.

O livro se estrutura por meio de duas partes: a primeira com 50 pensamentos supérfluos e a segunda denominada Coisas que desaprendi com o mundo. Na primeira parte do livro, somos apresentados a cinquenta desses pensamentos cuja superficialidade aparece apenas como título provocativo. Cada um desses textos nos coloca diante de inquietações que passeiam das questões existenciais da condição humana às reflexões contemporâneas dos sujeitos coletivos, como nos indica o pensamento supérfluo nº 23: “Enquanto assimilarmos apenas signos vazios, seremos tão somente corpos ocos, vagando pela opulência do mundo” (p. 51). A segunda parte, por sua vez, Coisas que desaprendi com o mundo, apresenta pequenos contos ou microcontos que também colocam em cena um certo gingar entre o urbano e as formas literárias.

Meu interesse maior pelo livro reside aí: na maneira pela qual o jovem escritor forja uma certa imagem de Salvador, cidade em que vive. Os textos, sobretudo os da primeira parte, surgem quase que como pequenas anotações que poderiam parecer rabiscadas em meio ao caos dos dias, Nesse sentido, muito precisa é a afirmação do professor Antônio Marcos Pereira, que prefacia o livro, no sentido de pensar o livro como uma atualização do olhar baudelairiano que nos coloca diante de um sujeito “proletário, afrodescendente, periférico, grafiteiro, pegador de buzu, erudito das ruas, mestre da faculdade, esse haveria de ser um Outro Baudelaire. Que bom que seja assim”.

É a partir da percepção de que as narrativas nos colocam diante de um “Outro Baudelaire” que vamos percebendo uma certa representação da cidade. As narrativas de Pensamentos Supérfluos nos levam a andar pelas ruas de Salvador. O ônibus pode ser considerado como uma espécie de laboratório social, pois é de dentro dele que, com ironia e crítica, o narrador nos apresenta uma espacialidade urbana e uma perspectiva particular da dinâmica do cenário soteropolitano. Assim, espreitando as esquinas e ocupando as praças, uma rotina inquietante de uma dada Salvador com suas desordens cotidianas vai se desvelando pela leitura. Tendo vivido em bairros como São Caetano e Liberdade, Evanilton convida o leitor a passear por uma cena periférica que revela a alteridade de uma cidade de cartão postal, subsumida na zona do centro cultural e econômico da cidade: “Perturbador e talvez humilhante foi descobrir que Salvador é flor com espinhos”.

Publicidade