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O romanesco e a volta das narrativas

Carolina Coutinho

Créditos da imagem: The return of the poet, Antonio Neves, 1993.

Em meu primeiro post, falei da importância de construir uma base teórica sobre o termo romanesco em suas concepções tradicionais para melhor manusear os contornos que o romanesco assume em Barthes. No intento de continuar esse percurso, é importante estudar o projeto de renarrativização que, de certa forma, reacendeu o interesse pelo romanesco no final do século XX.

Os valores de vanguarda que, durante boa parte do século XX, radicalmente inovaram o modo de escrita de romances, iniciaram uma onda de recusa do método romanesco de contar histórias, que, apesar de continuar a ser produzido pelos autores e consumido pelos leitores, foi relegado à identificação de antiquado e, talvez, um pouco esquecido pela crítica literária. Esse romanesco, tratado de forma pejorativa, renunciava às inovações vanguardistas e era caracterizado por construir um enredo saturado de eventos e amarrados por uma cadeia causal, repleto de personagens extravagantes e polarizados. A rejeição desse tipo de narrativa veio acompanhada de um desprestígio de sua forma pela crítica, já que parecia um retrocesso diante das pesquisas formais do que ficou conhecido como “alto modernismo”.

O “retorno do romanesco”, então, não indica propriamente um ressurgimento dessa forma de narrar, já que ela sobreviveu às vanguardas, mas uma tentativa de recuperar o valor intelectual e remover a carga depreciativa que recaiu sobre o termo e suas técnicas após o desencorajamento de suas formas tradicionais de escrita pela influência de movimentos como o Nouveau Roman, por exemplo. Mas esse retorno, como é possível imaginar, não é tranquilo, livre de tensões. As principais críticas aos clamores de renarrativização consideram o projeto anacrônico, recuperando tradições que não cabem mais no contexto literário atual, além da acusação de visar apenas ao viés mercadológico.

Para Lucas Hollister, em sua tese Problematic Returns: On the Romanesque in Contemporary French Literature, esse processo tem início na década de 80 e constitui um aspecto essencial da literatura contemporânea francesa “séria”. Já no Brasil, o projeto de renarrativização parece ter um interesse maior em angariar a legitimação, por parte da crítica acadêmica, da literatura de entretenimento. Em 2010, um grupo de autores, autodenominados Grupo Silvestre, assinou um manifesto em prol de uma literatura popular brasileira, focada em “uma história bem contada”, “sedução pela palavra”, com estratégias da tradição romanesca para encantar o leitor com um “enredo ágil”, carregado de peripécias, um título atraente, e rejeição de “academicismos” e “experimentalismos vazios” que, segundo os signatários, afastam o leitor e apenas servem para glorificar uma elite “moderninha”.

Nesse cenário, o romanesco levanta uma diversidade de perspectivas que buscam validar ou rechaçar seu lugar dentro da literatura com uma riqueza de argumentos para cada uma delas. O mais interessante é perceber que essa contenda caracteriza o “retorno do romanesco” por meio de estratégias de escrita muito parecidas com a concepção clássica do romanesco relacionada aos romance escritos na idade média.