Arquivo da categoria: Projeto editorial

Financiamento coletivo: novas perspectivas para o mercado de livros?

Por Larissa Nakamura

Créditos das imagens: Carlo Giovanni

A partir dos anos 2000, presenciamos a criação de diversas plataformas de financiamento coletivo presentes na internet. Desde então, é possível notar o espraiamento e a transformação dessa prática que se torna cada vez mais comum. Para participar, basta oferecer um produto (livros, cds, linha de roupas, HQs, projetos científicos etc.) ou mesmo especificar um objetivo (como, por exemplo, um auxílio para angariar fundos para instituições não governamentais ou pessoas) e estipular um valor a ser arrecadado, ficando a cargo do público o acolhimento à solicitação.

O crowdfunding, como é mais conhecida essa prática, também é utilizado por aqueles que desejam publicar seus livros. A pergunta que surge, então, é se tais iniciativas podem representar uma concorrência às editoras ou mesmo alguma desestabilização, ainda que pontual, do circuito livreiro tradicional. Quais as desvantagens e vantagens que tais plataformas oferecem aos escritores?

A autopublicação – inteiramente paga com os recursos do autor– não é novidade entre os artistas que desejam ver suas obras tomarem vida. Ainda nos anos 60, Sérgio Sant’anna se utilizou de tal estratégia como o pontapé inicial de sua carreira, segundo relata em entrevista: “Fui juntando os textos, levei os originais à gráfica e paguei de meu bolso. Minha mulher, que era artista plástica, criou a capa. Fizemos mil exemplares, que eu próprio distribuí. Enviei metade da tiragem pelo correio a escritores e críticos que poderiam me dar algum retorno. Como naquela época não havia tanta gente escrevendo, recebi muitas respostas.”

Considerando o depoimento do autor, acreditamos que há uma semelhança com os empreendimentos de autopublicação. Muitos autores no contemporâneo  administram as etapas de produção de seu livro, encarregando-se de sair a campo em busca de profissionais (revisor, diagramador) que o produzam, quando eles mesmos não assumem essas várias tarefas.

Neste último caso, a disponibilidade na internet de instrumentos de edição e divulgação de uma publicação dá ao artista autonomia suficiente para manejar toda a cadeia de produção do livro por meio de networking (de um trabalho feito na e por meio da rede) que pode inclusive contar com uma fan-base, com um conjunto de admiradores que ajudam a divulgação da publicação.

Assim, para os autores iniciantes que ainda têm pouca ou nenhuma visibilidade no campo literário e que encontram dificuldades para conseguir publicação em uma editora comercial, a autopublicação por crowdfunding representa também a oportunidade de conseguir, a uma só vez, investidores e admiradores da produção do autor.

Tais iniciativas e ferramentas criam um circuito próprio e não há garantia de que a publicação que circula na rede alcance inserção no mercado mais tradicional do livro, como livrarias, feiras e premiações literárias. Mas em casos de notável sucesso, com boa repercussão on-line, é possível despertar o interesse de editores ou casas editoriais consagradas que entendem a repercussão virtual do livro e do autor como um filtro de seleção, de passagem para o circuito mais tradicional de circulação do livro (impressão, distribuição pelas livrarias).

No exterior (em especial, nos EUA e a Europa) vêm surgindo plataformas de financiamento coletivo exclusivas para a publicação de livros, como Inkshares e Publishizer, que se apresentam como alternativas mais abertas, democráticas e lucrativas para o autor em relação às editoras mais tradicionais. É interessante notar que essas empresas, a partir do momento em que os escritores atingem a meta programada, se dispõem a atuar de maneira semelhante a uma casa editorial tradicional, já que se propõem a realizar todo o processo de produção e distribuição do livro. Nessa lógica, importa sinalizar a conveniência para autores e editoras, ainda que não possamos nos certificar da qualidade das publicações, da representatividade e do impacto editorial no campo literário.

Acreditamos que a iniciativas como o crowdfunding revelam um cenário incerto, mas que vale a pena ser observado, pois vem transformando as relações entre autores, editores e público, por isso concordamos com o professor da PUC do Rio de Janeiro Karl Erik Schollhammer quando afirma que “ é notório que a internet tem propiciado rotas alternativas e eficazes de atuação, conferindo novos contornos para os capitais simbólicos firmados em torno da literatura.”

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A nova Bravo!

Por Nívia Maria Santos Silva

Em agosto, zapeando pela internet, encontrei a notícia: “A revista Bravo! é relançada com plataforma digital e versões trimestrais impressas”. Corri para o link http://bravo.vc/ e eis que encontro um manifesto que continha explicações sobre o novo formato, a aposta e o objetivo da chamada nova Bravo!, a saber: “Bravo! volta para avançar o olhar para as fronteiras do fazer artístico, dar acesso à nova arte, dialogar com os artistas e com o público que consome arte, debater tendências.”. O manifesto ainda anuncia que “O nosso trabalho diário será o da curadoria e seleção do que melhor se produzir no campo da cultura, no Brasil ou além.”.

Formada principalmente por dossiês monotemáticos multimidiaticamente apresentados, a Bravo! retorna em outro suporte, com outro visual e outra equipe editorial e de jornalistas, mas mantendo a pretensão de ser referência “do melhor”, discurso que a Bravo! já enunciava desde sua criação por Luiz Felipe D´Ávila, em 1997.

À época de seu lançamento, com o apoio da Lei 8.313, também conhecida como A Lei Rouanet, a Bravo! contava com as cotas do Banco do Brasil, Pão de Açúcar, Iguatemi, Banco Real e da Volks, suporte financeiro necessário para atender às ambições da revista que chegou às bancas com um projeto gráfico sofisticado, que incluía um alto padrão editorial. Rodada em quatro cores, em papel couchê, cada edição apresentava em média 150 páginas, custava em média 120 mil reais e tinha uma circulação que chegava a 45 mil exemplares.

Com o pretexto de ser uma agenda cultural, desde aí a sua tendência à curadoria, apresentava também espaço para o ensaísmo e a crítica, apresentados em colunas como “Ensaio!”, “Notas”, “Crítica” e “Livros”, assinadas por nomes controversos como Ariano Suassuna, Reinaldo Azevedo, Olavo de Carvalho, Daniel Piza, Sérgio Augusto, Fernando Monteiro e Bruno Tolentino. De 1997 a 2003, pertenceu à editora D’Ávila, período no qual apresentava uma linha editorial pautada, conforme seu primeiro diretor de redação, Wagner Carelli, na separação entre cultura e entretenimento. Suas páginas tratavam não só da literatura, mas também de cinema, teatro, música, dança e, principalmente, artes plásticas, ressaltando, sobretudo, os parâmetros da cultura erudita.

Seu segundo diretor de redação, João Gabriel Lima, chegou a dividir a existência da revista Bravo! em quatro fases, a primeira sem abertura para o entretenimento e as demais com uma linha editorial mais flexível, principalmente após ter sido comprada pela editora Abril. A última Bravo! em versão impressa mensal foi publicada em outubro de 2013, número 192, com José Saramago na capa.

Três anos depois, com a licença da Abril Comunicações S.A. e contando com o apoio do Instituto de Políticas Relacionais, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, a Bravo! volta sob a direção visual de Henk Nieman, direção de criação de Peèle Lemos e Yentl Delanhesi e com os publishers Helena Bagnoni e Guilherme Werneck.

Dispondo de vídeos, áudios, links, blog e utilizando uma linguagem mais própria para web, a nova Bravo! é uma revista digital que explora as possibilidades das ferramentas que a internet oferece. Ela possui, inclusive, um serviço de newsletter por meio do qual continua a sua marca de nascença que é ser também uma agenda de artes e espetáculos: o “Bravo! Indica”. E a Bravo! indica museus de todo o mundo, como os de Málaga e Madri, sugeridos no Newsletter #11 e apresentações artísticas em geral como mostras de cinema, exposições, espetáculos de dança, sobretudo da cena cultural brasileira, mais especificamente São Paulo.

Seus dossiês monotemáticos são apresentados em forma de temporada, como as séries de TV. A cada 15 dias, um novo episódio é lançado. Cada temporada é composta por seis episódios publicados ao longo de três meses. Nesse formato episódico, não há muito espaço para a opinião e para o ensaísmo, que eram outra marca da primeira Bravo!. O investimento maior da nova Bravo! parece ser a circulação da informação cultural por meio de uma hipertextualidade que conecta o leitor-navegador a entrevistas, a artes visuais, a músicas…

Por oferecer acesso gratuito ao site, a nova Bravo! tem o desafio de realizar parcerias para que o projeto continue sendo viável, como a que fez com Spotify. Tendo o Facebook como uma de suas principais plataformas de divulgação, com 14.573 curtidas, a Bravo! tem como outro desafio conseguir mais leitores-seguidores.

Diante de um campo no qual os jornais impressos diminuíram o espaço ou descontinuaram seus suplementos culturais, como o Prosa&Verso, e as revistas especializadas precisam cada vez mais de auxílios governamentais, como a Reserva Cultural (cotas de assinatura compradas pelo governo), para se sustentar, a internet se tornou o terreno mais atrativo para o desenvolvimento do jornalismo cultural.

A renovada revista Bravo! vem nessa esteira, mas vai investir também numa publicação trimestral impressa. A temporada#0, chamada Incertitude, por exemplo, já foi finalizada e lançada em forma impressa na última terça-feira, dia 13 de dezembro, em São Paulo. Com certeza, uma edição de colecionador. Agora, uma próxima temporada vem por aí com mais produção de conteúdo cultural para ler, ver, ouvir, assistir e consumir, é claro. Se ela conseguirá ser uma mediadora da cultura só o tempo dirá.

Um projeto editorial para Bruno Tolentino

Por Nívia Maria

A balada do cárcere

Bruno Tolentino

1ª ed. comentada.

Record, 2016.

Mais de 20 anos depois do primeiro lançamento, o livro A balada do cárcere de Bruno Tolentino conta agora com uma edição comentada. O título é uma alusão à obra quase homônima de Oscar Wilde, A balada do cárcere de Reading, e também foi produzida durante e a partir da experiência da prisão vivida pelo autor.

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Nesta nova edição, a capa de Victor Burton, produzida sobre detalhe de A degolação de São João Batista de Caravaggio, foi substituída pelo design de capa de Marcelo Girard, uma decisão que muito contrastou com os modelos de capa dos livros de Tolentino, geralmente, com referências a obras pictóricas consagradas (como ocorre em O mundo como ideia e Imitação do amanhecer). Quem conhece outras obras tolentianas pode estranhar o tom menos presunçoso da nova capa, suas cores e fontes, mas seu aspecto menos solene é uma das apostas editorias para aproximar mais a obra de Tolentino do leitor contemporâneo.

Neste novo lançamento, há um cuidado, sobretudo didático, com o leitor. A começar pela nota introdutória e explicativa dos organizadores, seguida pelo texto “Escrito nas estrelas” de Érico Nogueira. Já publicado anteriormente em formato de artigo na revista CESP, sob o título de “Bruno Tolentino e a poética classicizante: o caso de ‘A balada do cárcere’”, esse texto de Nogueira aparece com algumas alterações e funciona como um “guia” para a leitura da obra. Podemos notar as intitulações diferentes, agora mais diretas, para cada uma de suas seções: “Classicismo pós-cabralino”, por exemplo, vira “A poética”. É possível perceber também o acréscimo de uma parte inicial, chamada “O cárcere”, na qual Nogueira contextualiza os leitores com pormenores sobre a prisão de Tolentino, informando-lhes as circunstâncias a partir das quais o livro foi escrito. Seus parágrafos finais também foram modificados, ganhando um tom mais pessoal.

Além disso, há muitas notas de Juliana Pasquarele Perez e Jessé de Almeida Primo, as quais intentam auxiliar o leitor a atravessar o entroncamento de referências a poetas, músicos, poemas, libretos, mitologias presentes em cada página. Em 2010, a Record já tinha recorrido a expediente semelhante ao publicar uma edição comentada de As horas de Katharina. É um movimento que relança a obra, recolocando-a no mercado e direcionando-a “tanto aos leitores que desejam conhecer a obra de Bruno Tolentino quanto aos que conhecem e querem aprofundar sua leitura”, como afirma a nota dos organizadores, Guilherme Malzoni Rabelo, Martim Vasques Cunha e Renato José de Moraes.

A nova publicação ainda manteve o prefácio e os posfácios escritos por Tolentino para o livro de 1996. Por meio deles, o leitor encontra um tanto das polêmicas nas quais Tolentino se envolveu. Não à toa, Érico Nogueira situa A balada do cárcere “como a mais consciente resposta do autor” à sua querela com Augusto de Campos. No prefácio, “Da quod jubes, Domine”, por exemplo, o autor, além de falar sobre o “number-maniac”, que inspirou sua criação ficcional, se encarrega também de explanar sobre “a distância expressiva entre o texto de um poema e as palavras de uma canção”.  Ideia reforçada pelos dois textos que integram o posfácio da edição anterior, “Dj & Déjà vu” e “As joias e as cartas de amor”, publicados no Apêndice desta nova edição, no qual podemos encontrar também um glossário, referências bibliográficas, mais notas e observações.

Com um texto de orelha que coloca Tolentino no “topo da modernidade literária brasileira”, a edição comentada de A balada do cárcere é um exemplo do esforço empreendido por seus organizadores, não só para elucidar mais a obra tolentiana e seu projeto poético, mas, sobretudo, para que novos leitores possam ser formados, ou melhor, “para que o leitor descubra a poesia de Bruno Tolentino”.

A apresentação de Érico Nogueira ao livro pode ser lida na íntegra aqui: http://www.record.com.br/images/livros/capitulo_3NKiAt.pdf

Quem quiser conhecer melhor a verve polêmica de Bruno Tolentino pode acessar: http://www.inventario.ufba.br/16/05%20Bruno%20Tolentino.pdf