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A Internet e os circuitos da literatura

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Por Elizangela Santos

Hoje, é possível identificar a internet como um elemento importante tanto para a produção, circulação e divulgação das produções artísticas, quanto para a profissionalização do escritor.  Ao intensificar a interação entre escritores, o ambiente virtual potencializa a comunicação e as trocas de informações entre os artistas; estabelece-se, assim, uma rede de relações que parece promover alterações nas engrenagens do campo literário.

Para além das mudanças nas formas de produção e na divulgação artística, a presença maciça de escritores que participam ativamente das redes sociais e de editores que arregimentam videobloggers para promover seus lançamentos fortalece o que o crítico Ítalo Moriconi, em um ensaio que se propõe a analisar a literatura a partir da existência de circuitos diversos, denomina “circuito da vida literária”  É possível afirmar que esse circuito, hoje, encontra no suporte da rede o local ideal de ressurgimento dos espaços de comunicação entre os autores, cuja referência de valor centra-se exatamente no diálogo entre os pares.

Pode não ser novidade afirmar que essa rede de relações do ambiente virtual aproxima também o circuito crítico e o circuito midiático, além de promover as iniciativas políticas e culturais do que seria o circuito alternativo (movimento da escrita e publicação fora do mercado). Mas tal aproximação pode sinalizar um (outro) modo de organização estética, que recriaria outras esferas de legitimidade crítica.

Dito de outro modo: não parece improvável que a internet esteja concentrando as diferentes esferas do campo literário (autores, leitores, críticos, editores) em um mesmo espaço. Na condição de “grande salão virtual”, a internet movimenta a vida literária e altera as condições de formação do campo na contemporaneidade.

A narrativa digital

Por Elionai do Vale

A capacidade de contar histórias parece mais viva do que nunca hoje na era digital. Basta ver como os jogos de video game apelam a formas mais narrativas. A literatura no meio digital conecta autores, leitores, programadores, espectadores, webdesigner e estende-se a blogs, videoblogs, videogames, e-books, twitters.

Desse modo, pensar no processo de configuração da narrativa eletrônica, também chamada de narrativa digital ou narrativa interativa, é fundamental para se compreender o conjunto de ferramentas que constitui o modo de contar histórias hoje. Mas o que é narrativa digital?

Encontramos uma tentativa de caracterização no livro da pesquisadora americana Janet Murray, Hamlet no Holodeck. O futuro da narrativa no ciberespaço (2003).  Aí Murray aposta que o modo de contar histórias que nasce com os computadores é de natureza procedimental, isto é, uma obra procedimental é uma narrativa que apresenta regras e possibilidades para a ação do leitor a fim de pavimentar o caminho para um pacto imersivo de leitura.

A literatura contemporânea recente arriscou-se na narrativa digital a partir   do lançamento em papel e na tela do computador do livro-jogo de Simone Campos, Owned.  A proposta é que o leitor sinta-se como num jogo de vídeo game e assuma a identidade de André, personagem principal, fazendo as escolhas por ele (as opções dizem para você sair da página 85 e pular para a página 210 ou escolher entre pegar um amuleto, que vai ser incorporado à trama, ou optar por fazer com que o personagem ignore, por exemplo, um e-mail que recebeu).

Histórias imersivas nos transportam a mundos encantados, essa é uma caracteristica de toda ficção, personagens como o Sr. Darcy de Austen atravessaram séculos por sua compelxidade.  Mas nos ambientes digitais novas oportunidades ativam outras possibilidades para o estímulo da imaginação.  Acredita-se que a realidade virtual ofereça novo tipo de participação mais ativa do leitor.

A capacidade de manter ativo o leitor, que é tratado nas narrativas digitais como um interator, é apontada como fundamental ao caráter imersivo estimulado pelo ambiente Com a narrativa digital os leitores atuam literalmente para colocar em prática novas táticas narrativas, já que o interator tem a possibilidade, concedida por inúmeros procedimentos que orientam suas escolhas durante a leitura, de explorar  a aventura de descobrir novas trilhas na milenar arte de contar histórias.

Se investimos no estudo das narrativas digitais, percebemos que ela oferece novas possibilidades estéticas e abre novos horizontes para a investigação sobre a narrativa literária hoje.

O que eu Diria: um breve relato sobre a inquieta produção contemporânea.

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Débora Molina

Nos dias atuais é quase impossível encontrarmos alguém que não use o computador, não tenha acesso à internet e não tenha uma conta em alguma rede social. É muito provável que ao encontrarmos alguém que há muito não víamos, nossa conversa seja encerrada com um: “Me adicione no facebook” ou “você tem Whatsapp?”.  Essas são só pequenas ilustrações sobre como a tecnologia mudou nossas vidas… há 10 anos atrás, a única opção de reatar alguns laços distantes eram os contatos marcados de canetas nas nossas agendas telefônicas.

Se a tecnologia parece ter mudado nossa concepção de tempo e de relação pessoal, entre tantas outras coisas, porque não levarmos em conta que esta mesma tecnologia possa estar modificando o campo das artes?

Pois bem, as veias cyber cinéticas pulsaram no campo literário brasileiro. No final de 2013 um curioso aplicativo chamado What would i say? Se popularizou no mundo das letras. O bot (robô) é um aplicativo que escreve frases a partir da escolha aletória de palavras retiradas do nosso histórico de conversas e postagens do facebook. Geralmente, a brincadeira com o bot gera frases bastante criativas, como no exemplo abaixo:

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E, justamente por essa criatividade acidental, o bot virou ferramenta de escrita de alguns poetas e escritores brasileiros. Como no caso de Ismar Tirelli Neto que declarou para o caderno literário do O globo Prosa & Verso que o bot era um eco distorcido de sua própria voz, já que tornou sua escrita algo mais inventivo do que a postagem original. Embora o bot demonstre ser um recurso interessante para novas perspectivas da literatura brasileira contemporânea, o aplicativo é visto como algo que soa como brincadeira, coisa que não deve se misturar com Literatura, que é coisa séria.

Em dezembro de 2013 o caderno Prosa & Verso do jornal O globo publicou um artigo chamado ‘literatura do acaso: as experiências com o bot What would i say’. Escrito pelo jornalista e também escritor de literatura brasileira contemporânea Bolívar Torres, o artigo traz a discussão sobre o uso do bot na produção literária contemporânea, e a reflexão sobre as concepções já inscritas no campo como identidade autoral e escrita literária.

Para o professor Frederic Coelho (PUC – Rio), o aplicativo causa o esvaziamento do autor, pois entende que o bot escreve novas sentenças a partir do que o autor já escreveu, o autor não é o escritor do discurso, isso é mérito do aplicativo. Argumenta ainda que o recurso é só um remix das palavras, o ‘recorta e cola’, parecido com o poema dadaísta do início do século XX.

Muitos autores utilizaram o aplicativo para fazer literatura, como no caso de Victor Heringer, que escreveu o poema “bot-macumba” que pode ser lido por meio do vídeo disponibilizado pelo site da Globo vídeos:

http://oglobo.globo.com/videos/v/victor-heringer-le-o-poema-bot-macumba/3015223/

Heringer defende que:

Cada geração tem seus meios de arejar a linguagem — diz Heringer. — Dispor palavras embaçadas de modo a ganharem vida nova. Ao misturar nossas próprias palavras, o bot coloca ainda outro problema: quão parecidos somos com o robô que fala? O quanto essas “nossas” palavras rearrumadas expressam o “nosso eu”? É uma questão esquisita para a literatura, até hoje considerada, em grande medida, expressão da alma. Dependendo das respostas dadas às perguntas acima, poderíamos muito bem concluir que a alma do homem é algorítmica. Ou, como Tzara e os dadaístas, melhor seria transitar nessa fronteira cada vez mais confusa entre

Heringuer apresenta uma discussão pertinente: Nossa subjetividade está cada vez mais entrelaçada ao mundo virtual, estamos conectados o tempo todo com nossos aplicativos para fotos, vídeos, características de humor, etc. Se o mundo e as relações estão mudando com a tecnologia, porque não pensar que a literatura também esteja caminhando para além do mundo do livro, do mundo impresso, para um mundo em expansão?

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Um livro jogo.

Elionai do Vale

Simone Campos entrou na vida literária brasileira aos 17 anos com o livro No shopping, cuja narrativa é toda ambientada no interior de um shopping center, e logo chamou a atenção de muita gente. Mas eu quero comentar aqui, hoje, seu mais recente livro. OWNED – Um novo jogador é um livro-jogo, que foi publicado no formato impresso e também está disponível on-line. Essa experiência de leitura estopim do meu envolvimento com a narrativa digital

Você já empacou na leitura de um livro? Você tenta, tenta e nada. Foi o que aconteceu comigo quando li a versão impressão de Owned, o livro-jogo de Simone Campos. “Travei geral”, leitura chaaaaaaata, era como ter um  playstation 3 na versão manual impresso, mas essa impressão mudou quando comecei a jogá-lo na versão digital. A versão impressa não estimulou muito minha leitura e coloquei OWNED de lado, mas havia uma alternativa: jogá-lo. Isso mesmo caro leitor, jogá-lo!

A proposta é que o leitor sinta-se como num jogo de video-game e assuma a identidade de André, personagem principal, fazendo as escolhas por ele (as opções dizem para você sair da página 85 e pular para a página 210 ou escolher entre a 45 e a 32, por exemplo).   Mas cuidado, o galã não pode morrer de cara, ele tem que chegar ao final da narrativa com uma das sete meninas que acompanham o protagonista. E não é tão fácil assim, pois há 17 finais previstos. As escolhas feitas pelo leitor vão moldando o caráter do personagem: André pode ser o cafajeste ou o mocinho e numa lógica narrativa como essa é difícil encontrar um perfil psicológico desenvolvido para cada personagem como nos acostumamos a ler em Jane Austin ou Machado de Assis.

Em OWNED, a narrativa simula a dinâmica dos games, incorporando características do que vem sendo chamado de narrativa digital. Jogar o livro aguçou minha curiosidade para conhecer melhor a narrativa digital.  O ponto de partida da pesquisa que desenvolvo atualmente consiste em compreender as características dessa forma, como aparecem discutidas no livro Hamlet no Holodeck da pesquisadora inglesa Janet Murray.

Acredito que nossa forma de criar narrativas variou muito ao longo dos séculos. Gutemberg e sua invenção tipográfica deu outros formatos à nossa forma de narrar. Como narrar é inerente ao ser humano, uma boa história sempre terá lugar nos nossos dias, mas será que as novas tecnologias podem influenciar  nossa forma de contar histórias?