Arquivo da categoria: Georges Didi-Huberman

“É preciso acercar o rosto à cinza”

Samara Lima

Créditos da imagem: Frances Kearney, Five people thinking the same thing, IV, 1998.

Em “Quando as imagens tocam o real”, Georges Didi-Huberman pontua a força sem precedentes com que a fotografia vêm se impondo no nosso universo, considerando os deslocamentos e as formas de reorganização técnica, como também sua capacidade de sobrevivência, ainda que ao longo do tempo tenha sofrido tantos dilaceramentos, reivindicações contraditórias e tantas […] manipulações imorais.

Didi-Huberman discute imagens que se referem a registros de diversas situações inimagináveis, como foi a experiência dos campos de concentração da Alemanha Nazista, sendo consideradas então atos de resistência e um objeto de memória contra a maquinaria da “des-imaginação”.

O filósofo comenta que os possíveis saberes que as imagens revelam partem de sua relação cruzada com muitos outros dados, com as palavras e os contextos, por exemplo. É nesse contato com o real que a imagem arde. Para o filósofo francês, importa realçar a relação lacunar que a imagem mantém com a realidade e que faz da imagem, sempre faltante, um material “ardente” e inexato, que deve ser pensado em um duplo regime: ao mesmo tempo como documento e como objeto de sonho, objeto de ciência e não saber.

Mas toda imagem arde?

Para Didi-Huberman, se uma imagem mantém-se no completo preenchimento de sentido e no clichê visual, não gera pensamento crítico. O que o filósofo chama de  imagem ardente preza as lacunas, o desconforto e busca encontrar as cinzas.  Neste sentido, o autor aponta a importância de saber olhar uma imagem, uma vez que vivenciar uma experiência de ardência é uma ação complexa, pois para senti-lo, é preciso atrever-se, é preciso acercar o rosto à cinza. E soprar suavemente para que a brasa, sob as cinzas, volte a emitir seu calor, seu resplendor, seu perigo.

No post anterior, comentei que gostaria de estudar, na nova pesquisa que proponho ser desenvolvida no mestrado, a relação entre texto e foto nas obras L’usage de la photo e Os anos de Annie Ernaux. A escritora francesa utiliza em suas produções a imagem como objeto material e estrutura sintática como parte de um projeto estético que rejeita a ficção. Pensando na discussão proposta por Didi-Huberman, me interessa investigar de que maneira a autora francesa lida com a complexidade da inexatidão da fotografia em sua narrativa, mas também de que maneira faz arder o real, o lugar onde a cinza não esfriou e como a relação entre texto e imagem constrói sentidos sobre sua vida e sobre a sociedade francesa que também atuam contra a maquinaria da “des-imaginação”.

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