Por Elizangela Santos
Pensar acerca de possíveis caracterizações artísticas em um momento ainda em curso pressupõe não apenas arriscar na discussão de novos critérios literários e extraliterários de análise da literatura. Mas pressupõe também ou, sobretudo, considerar as transformações inerentes às manifestações artísticas responsáveis por desencadeamentos de diversos (e por que não inusitados?) processos de linguagem.
Obviamente, levar em conta tais questões/aspectos que reconfigurariam a literatura significa abalar o terreno das certezas dos estudos literários, fazendo com que pressupostos sólidos até então sejam revistos. Por outro lado, ampliaria o campo crítico, colocando-o em consonância com as redefinições do mundo moderno; seria o momento propício para a prática crítica considerar as interrelações e as conexões contemporâneas como sendo intrínsecas também às expressões artísticas.
Não se trata, neste momento, de atentar para os preconceitos e/ou preferências que envolvem uma teoria ou crítica da literatura. Sem adentrar nas classificações de valor e de gosto, pode-se discutir as produções que se apresentam como tendência da arte contemporânea; isso significa abrir espaço para práticas artísticas atuais, possibilitando menos a visibilidade destas que a oportunidade de estudos e pesquisas sobre uma tendência. Há, nessa postura, no mínimo uma forma de respeito tanto em relação às produções efetivas, quanto no que se refere à possibilidade de propor um debate acerca dessas práticas.
Beatriz Resende (2014), e Florencia Garramuño (2014) veem essa tendência da literatura contemporânea de apostar em uma espécie de rede de relações, para usar um termo defendido por Laddaga (2012), como uma condição de possibilidades. Para as autoras, vive-se um momento de modificações externas que influenciam o fazer artístico; e mais do que isso, ao estar de acordo com as mudanças, ultrapassando fronteiras, a prática artística acaba por causar desorientações nas categorias fixas de análise do literário.
Os pesquisadores que se debruçam sobre o fazer literário a partir dos anos 1990 são unânimes em destacar a pluralidade e a heterogeneidade literária como uma marca registrada da contemporaneidade. No entanto, essa multiplicidade constitui uma vaga caracterização/descrição a respeito dessa tendência da literatura; caracterizar as produções contemporâneas pela diversidade de estilos e linguagens, e pela dispersão temática torna-se pouco preciso, haja vista as quase três décadas de produtos no mercado.
Por seu turno, a falta de uma tendência clara, característica apontada pelos pesquisadores, tomada inicialmente como aspecto positivo da arte na atualidade, não apenas se tornou irrelevante para o aprofundamento das pesquisas na área, como é insuficiente para discutir sobre tais expressões literárias. Diante das produções artísticas a que se assiste atualmente, é possível apostar em uma tendência que está se afirmando por potencializar a ideia de pluralidade, expandindo a literatura para fora de seus tradicionais limites.
Provavelmente essa expansão não simboliza o fim da literatura, como podem apostar os mais céticos e presos a critérios tradicionais de análise do literário. Antes, o rompimento de fronteiras pode significar a necessidade de revisão de antigos paradigmas, os quais discutem as produções a partir de formas previamente determinadas. Vale ressaltar aqui que o interesse dos pesquisadores na literatura contemporânea conta com uma questão específica da história, analisar obras que, por fazerem parte de um momento em curso, além de serem modificadas como tudo e todos no mundo moderno, não podem ser encaixadas nos modelos a que se estava acostumado e/ou obrigado a definir o literário.
É por isso que no grupo de Estudos “Leituras do contemporâneo” apostamos que vale a pena investigar os objetos estranhos que chamamos de literários hoje e que isso implica também um trabalho crítico que renova e desafia a teoria literária.