Arquivo da categoria: Luiz Costa Lima

O Ideal de sujeito e O Ensaio

Allana Emilia

four quarters

Créditos da imagem: Kang, Young Min – Four Quarters (2016). Disponível em: https://artsandculture.google.com/asset/four-quarters/BAE306BgufvHzw

 

No meu post anterior, comentei sobre a escrita de si em Montaigne e os efeitos que essa escrita traz para a forma do gênero. De acordo com Erich Auerbach, em “A condição Humana”, Montaigne parece dar conta de um ideal de sujeito que passa a ser o modo fundamental como a modernidade trata a questão. Para Auerbach, o caráter tateante e incerto da captura do eu em Montaigne, sua inconstância, é superado pela “unidade da pessoa” e tudo termina na “unidade e na verdade”.

Entretanto, Thelma de Souza Birchal, ao comentar em seu livro O eu nos Ensaios de Montaigne, produto de da tese de doutorado da autora, mais especificamente no capítulo “Sou eu mesmo a matéria de meu livro: a pintura de si”,  afirma não existir em Montaigne a expressão dessa condição humana ideal e única. Ao refletir sobre esse aspecto, Birchal toma a investigação sobre a representação do eu como o ponto de partida para discutir a leitura que Auerbach faz da obra do francês. Para a autora, o que é válido na leitura de Montaigne é a experiência reflexiva como fundamental para a construção desse sujeito, experiência essa elaborada através da escrita e da  investigação sobre como o “eu”, a subjetividade, se comporta frente aos acontecimentos da vida.

Embora concorde com a autora sobre a importância da experiência reflexiva na obra de Montaigne, não compro de todo a sua proposição de falha na construção desse ideal. No tocante à construção desse ideal de sujeito, prefiro a contribuição que Costa Lima dá sobre esse aspecto, em “Pressupostos para o estudo do retrato”, um dos capitulos do livro Limites da Voz.

Não é que o ideal de um eu estável não exista, afirma o crítico.  Entretanto, a tensão existente entre a busca por esse ideal de ser (que não é abandonado de todo por Montaigne) e a percepção da impossibilidade da descrição desse ideal traz à tona as dúvidas que o próprio autor possui acerca de sua empreitada. É o próprio Montaigne que chega a admitir a falha desse ideal em um de seus ensaios – “Do arrependimento” (2, III). E, ao questionar a possibilidade de alcançar a unidade e a verdade de quem se é, questiona se, de fato, vale a pena deixar essas reflexões tateantes no papel.

Dessa forma, acredito encontrar uma possível solução para essa tensão, entre um eu estável, capturável pela escrita e o fracasso da empreitada,  no próprio método utilizado pelo autor. Ao avaliar a si mesmo frente às questões elaboradas por outros, e refletir sobre sua postura a partir de suas próprias experiências, Montaigne constrói sua identidade em relação ao que é proposto pelo outro, escrevendo-se para os leitores. Sendo assim, sua obra é validada por possibilitar que seus leitores estabeleçam (quem sabe) a mesma postura que o autor: a de analisar a si frente a experiência de outro. E, claro, essas questões aparecem no procedimento adotado pelo autor ao tatear esse “eu” em meio às incertezas e está diretamente ligada à forma do ensaio.

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