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O retorno do autor e a volta à biografia

Carolina Coutinho

Créditos da imagem: Sally Mann, “A Thousand Crossings,” “The Turn,” 2005, Larry Mann, the photographer’s husband, is in the foreground.

No post anterior, comentei um pouco a respeito da minha experiência no estágio docente que estou realizando neste semestre. Um dos aspectos que nos propomos a abordar nas aulas foi a conexão entre a maior incidência das escritas de si no presente e a transformação da noção de sujeito.

Klinger propõe um “retorno” do autor, figura que havia sido sepultada no contexto estruturalista. Como se sabe, Barthes foi o grande nome desse momento. Em “A morte do autor”, Barthes adere à tendência de recalcar o autor para valorizar o leitor e a linguagem, rechaçando a figura do autor empírico, suas manifestações sobre a vida, sobre os entornos da obra, da “vida de escritor”. Assim, a rejeição à existência biográfica do autor, a suas “opiniões” sobre a própria obra, também colocava de uma vez por todas, assim se desejava, uma pá de cal na possibilidade de que o autor atuasse como uma espécie de farol privilegiado para a “decifração do texto”.

Contudo, Barthes revisa essa proposição em alguns de seus textos posteriores. É no segundo curso de A preparação do romance, após a publicação de Roland Barthes por Roland Barthes, que Barthes dá corpo ao retorno do autor. Já aí, nessa espécie de autobiografia ensaístico-romanesca, o autor fala de si e tece teorias a partir de diversas formas textuais (fragmentos, fotografias, episódios, reflexões…) para declarar: “Tudo isto deve ser considerado como dito por uma personagem de romance”.

Mas é nas notas de preparação do curso que Barthes se mostra mais interessado em ler a vida do que a obra de alguns escritores, pois está mais envolvido em compreender os hábitos e condições necessárias para a rotina de escrita, recuperar os “planos de vida” que os grandes escritores, como Flaubert e Proust, traçaram enquanto estavam escrevendo. Com essa junção entre vida e obra, Barthes deseja uma nova prática de escrita, uma Vita Nova. Nesse sentido, o “retorno ao autor” é uma “volta à biografia” e a preparação é o laboratório que gesta uma nova forma que quer explorar uma espécie de “nebulosa biográfica”.

Ao anunciar que talvez já fosse possível observar uma mudança em movimento (em si mesmo? em seu próprio presente?), Barthes diz “ver um pouco como certa transformação do Biográfico está em vias de intervir”.

Sabemos que o desejo de escrever uma nova forma (de escrita e de vida), o romance que prepara durante o curso, não se concretizou. Seria possível pensar que Barthes, apesar de seu desejo, luta ainda contra uma interdição contra o retorno do autor, do sujeito, da vida? E se for assim, poderíamos pensar que o movimento de transformação que Barthes vislumbrou em meio às suas considerações sobre a preparação do romance que desejava escrever, ou seja “certa transformação do biográfico”, encontra seu momento propício agora, no início do século XXI?

O retorno do autor: dentro e fora do texto

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Double Gong” – Alexander Calder, 1953

Todos sabemos que em seu ensaio “A morte do autor” Barthes, ainda filiado a vieses estruturalistas,  pretendia eliminar os aspectos biográficos do literário como forma de conceder autonomia ao texto e ao leitor.  No entanto, na contemporaneidade, as investigações acerca das noções de autoria parecem indicar outras direções. Segundo Ana Cláudia Viegas, “assistimos hoje a um ‘retorno do autor’, não como origem e explicação última da obra, mas como personagem do espaço público midiático”. O tema já foi tratado aqui no blog, nos posts de Fernanda Vasconcelos e de Caroline Barbosa.

É possível pensarmos um texto sem seu autor hoje? Acredito que “a literatura hoje é um ‘dentrofora”, como postula Josefina Ludmer, pois importam tanto forma e tema dentro do texto quanto a figura autoral “fora” da obra em entrevistas, aparições em eventos e atuações nas  redes sociais. Sabemos ainda que a crítica ocupa um papel importante na legitimação de obras e autores, mas com o advento da internet, as redes sociais e os influencers digitais, este lugar da crítica também se desloca ou se flexibiliza, embora não a salvo de controvérsias. Essas movimentações me interessam para pensar os novos lugares que a autoria do século XXI ocupa dentro dos rearranjos do campo.

Foi pensando nestas questões que elaborei meu plano de trabalho para desenvolver minha iniciação científica. Acredito que as mídias digitais constituem hoje importantes canais de mediação entre autores, leitores e críticos e, considerando o retorno do autor, gostaria de investigar quais estratégias discursivas compõem e constroem a identidade autoral, dentro e fora do texto, na contemporaneidade. Para tanto, pretendo observar a performance de autores que desejam inscrever seu nome e sua obra na cena literária do presente. Penso em observar, em especial, em escritores e escritoras que estão publicando suas primeiras obras, como Natália Tiimerman, psiquiatra, doutoranda em literatura e autora de “Desterros” (2017), “Rachaduras” (2019) e “Copo Vazio” (2021).

Timerman é uma autora bastante ativa nas redes sociais, concede muitas entrevistas, oferece cursos online e participa de eventos. Em todos esses canais, atua também como divulgadora de sua obra. Acompanhar a atuação dos autores nas redes sociais, então, tem como pressuposto realizar a análise do modo como a  identidade autoral vai se construindo por meio do “autogerenciamento”, como sugere a professora Milena Britto, que os autores fazem de sua imagem pessoal e profissional se dividindo entre produzir e divulgar seu nome e suas produções através dos meios em que eles atuam. É pensando nessa atuação que me interessa compreender o papel que as mídias digitais exercem sobre a construção da carreira dos autores, como essa presença dos autores na rede atua para a inserção de seus nomes e obras no campo literário. Não me interessa discutir a espetacularização ou de antemão julgar como negativa essa presença do autor, pois me interessa mais pensar a dinâmica do campo literário, uma noção de Bourdieu, e a maneira como essa atuação e as novas posturas autorais podem significar também uma forma de subverter os lugares de poder na cena literária contemporânea e influenciar o modo como o mercado faz circular a literatura.