Luana Rodrigues
Créditos da imagem: Imagem registrada pela fotógrafa Mariana Vieira Elek e retirada do perfil no Facebook da autora Natalia Timerman.
No final de 2022, investi em uma pesquisa de iniciação científica que se propunha a explorar as nuances da autoria contemporânea, com um foco particular na escritora Natália Timerman. Além de sua carreira como psiquiatra, ela já havia dado vida a três obras: Desterros: histórias de um hospital-prisão, publicado pela Editora Elefante em 2018; Rachaduras, pela Editora Quelônio em 2019, e seu primeiro romance Copo Vazio, pela Todavia em 2021). Desde o início dessa investigação, a pesquisa teve como objetivo observar os trânsitos entre a atuação da autora na internet e a construção de um mundo ficcional acompanhando suas publicações (sobre isso falo em algumas outras publicações aqui no blog). A análise indicou uma possível guinada autobiográfica, ou seja, uma mudança em direção a uma narrativa mais autobiográfica, na qual a autora se aventuraria a explorar aspectos mais pessoais e biográficos em sua exposição pública.
Durante o período de criação de seu mais recente romance, intitulado As Pequenas Chances, mudanças sutis se desenharam em sua trajetória. Timerman passou a compartilhar, de maneira mais frequente, fotografias e relatos acerca de seus pais, com um foco especial em seu pai, que já havia falecido. A partir desse momento, uma clara transição se delineou, tanto no tom de suas publicações, que se tornaram mais pessoais, quanto no gênero literário do novo livro que estava por vir. Hoje, estamos cientes de que o livro em questão se insere no universo do romance autoficcional, abordando temas de família e luto, com um enfoque especial na experiência de Natália, a autora que também assume o papel de personagem/narradora, diante das complexidades da perda e da memória.
Essa transformação nas postagens nas redes sociais e na temática de suas obras revela também uma interação entre elementos de sua vida pessoal e sua criação literária. É um mergulho profundo na fusão da realidade e da ficção, um território onde a narradora e a personagem se entrelaçam em uma dança intrincada, criando uma rica tapeçaria de reflexões sobre a vida, a morte e as histórias que tecemos a partir delas.
A análise sobre a atuação da autora em suas redes e de sua trajetória literária aponta para uma percepção muito consciente de Timerman de questões que são as de nosso tempo e também estão presentes no campo literário: não apenas a exposição autobiográfica do autor, mas também a exposição da intimidade na internet. Como pesquisadora doutoranda que se dedica ao estudo de autores que colocam em xeque o nome do autor, como Knausgård e Ferrante, Timerman expõe suas inquietantes dualidades: o anseio pela exposição e o desejo pelo recolhimento. Poderíamos pensar que sua incursão no terreno da autoficção em sua mais recente obra é mais um elemento que confirma essa ambivalência, já que o termo é calcado no pacto ambíguo que pede aos leitores para identificar e ao mesmo tempo não identificar autor e narrador/personagem.
Assim, publicando uma autoficção, Timerman parece ter encontrado um terreno fértil que acomoda as ambiguidades que permeiam sua jornada autoral. Este movimento representa, igualmente, um gesto de negociação em relação à exposição de sua própria imagem como autora, como se ela estivesse buscando um equilíbrio delicado entre o revelar e o ocultar, o pessoal e o ficcional, na construção de sua obra e também na construção de seu nome como autora.