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Lourenço Mutarelli e a experimentação com a linguagem dos quadrinhos

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Por Taís Veloso

Quando meu pai se encontrou com o et fazia um dia quente (2011) de Lourenço Mutarelli lança um desafio ao leitor acostumado a ler histórias em quadrinhos. Mais comumente, o gênero, tal como nós o conhecemos, apresenta separação entre um quadro e outro na apresentação visual das histórias. Essa separação, na linguagem técnica, ganha o nome de sarjeta, segundo McCloud, e é responsável não apenas por instigar o leitor à participação, mas também para criar as dimensões temporais e espaciais através da linguagem visual. Assim, a sarjeta é responsável por grande parte da magia e mistério que existe na essência dos quadrinhos.  (MCCLOUD,2002, p. 66)

Na publicação de Mutarelli, que apresenta uma ilustração a cada página, não traz os tradicionais balões com os diálogos entre os personagens e está cheia de referências silenciosas aos autores de eleição de Mutarelli, como Bradbury, Burroughs, Bortolotto, além do próprio autorretrato do autor, o leitor tem de montar um quebra-cabeças, já que, em uma página, encontramos uma imagem, mas, às vezes, apenas em um momento à frente, vamos poder reconstruir certa lógica narrativa. Dessa maneira,  as imagens também constroem uma narração.  Segundo Eisner (2005), na forma de narrativa gráfica o escritor e o artista preservam sua soberania porque a história vem do texto e é embelezada pela arte gráfica. Com Quando Meu Pai… , Mutarelli parece ter resolvido bem essa tensão entre imagem e texto.

MUTARELLI, Lourenço.Quando meu pai se encontrou com o et fazia um dia quente.Companhia das letras, São Paulo,2011.

MCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. M.Books, São Paulo, 2002.

EISNER, WILL. Narrativas Gráficas. Devir livraria, São Paulo, 2005.

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O maravilhoso mundo dos quadrinhos

Por Taís Veloso

Desvendando os quadrinhos é a tradução do livro Understanding comics , de  Scott McCloud, um teórico dos quadrinhos, que foi publicado em 1993 nos EUA pela editora Tundra Publishing e no Brasil em 1995 pela editora M.Books. Trata-se de uma interessante obra metalinguística, já que o livro explora, por meio da própria linguagem em quadrinhos, não só o surgimento dessa arte, mas suas técnicas.

O primeiro capítulo é uma apresentação de como o autor passou a gostar de quadrinhos. Segundo conta, quando criança, achava os quadrinhos nada mais, nada menos que revistas coloridas e idiotas, mas na pré-adolescência,  McCloud se tornou não apenas um leitor assíduo dessas histórias, como decidiu virar desenhista. Parte do que o livro é está anunciado em seu título já que seu conteúdo tentar mostrar em linguagem acessível como funciona essa arte.

Uma das primeiras definições para os quadrinhos aparece na forma de um verbete, logo nos primeiros capítulos do livro: 1. Imagens pictóricas e outras em sequência deliberada destinadas a transmitir informações e ou a produzir uma resposta no espectador.” (MCCLOUD, 2004, p.9) .

McCloud distingue ícones pictóricos de não-pictóricos. A bandeira do Brasil, por exemplo, seria um ícone não-pictórico, já que representa a ideia invisível de uma nacionalidade. Outro exemplo disso seria o símbolo do Yin Yang, que representa uma ideia religiosa e filosófica de dualidade, o que dá à imagem uma possível representação convencional dessa ideia. Apesar de os desenhos dos personagens em quadrinhos serem representações também, são considerados ícones pictóricos pelo autor, pois constituem uma realidade própria ao universo dos quadrinhos, como Tin-Tin ou Charlie Brown, ganhando assim sua “existência de papel”, através dos traços, do próprio desenho.  Assim, o desenho do personagem McCloud representado no livro não está baseado na identidade com o autor empírico, sendo apenas um avatar distanciado dele, uma representação, ou nos termos do livro, um ícone pictórico.

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Uma boa parte do livro dedica-se a pensar na relação entre a palavra e a imagem: “É preciso conhecimento especializado para decodificar os símbolos abstratos da linguagem. Quando as imagens são mais abstraídas da “realidade”, requerem maiores níveis de percepção como as palavras. Quando as palavras são mais audaciosas, mais diretas, requerem níveis inferiores de percepção e são recebidas com mais rapidez como imagens.” (MCCLOUD, 2004, p.49)

O livro interessa não apenas a admiradores ou pesquisadores de quadrinhos como também a atuais e futuros quadrinistas. Nele, podemos encontrar muitas dicas para se fazer um quadrinho, descobrir um estilo ou apenas mudar o olhar de quem vê os desenhos em quadrinhos como uma arte menor.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. M.Books, São Paulo, 2004.

 O autor também mantém um site. Basta clicar em http://scottmccloud.com/

Graphic novels ou as boas e velhas histórias em quadrinhos

Taís Veloso

Já faz algum tempo que não é mais possível afirmar que a leitura de histórias em quadrinhos deve ser indicada apenas para crianças e pessoas com “baixo nível cultural” por conta de sua facilidade e de sua acentuada linguagem gráfica e cenários coloridos. Os mais recentes estudos sobre o gênero já reconhecem que é necessário um grande domínio das linguagens verbal e não-verbal e um bom conhecimento empírico para decifrar e entender tudo o que é comunicado naqueles traços.

Como Eisner (2005, p. 8) afirma, a partir dos anos 60, pode-se perceber que os quadrinhos passaram a buscar temas que eram típicos do cinema e do teatro, lidos também na literatura prosaica e lírica. Hoje podemos falar do advento das graphic novels, que tiveram um grande impacto no mercado cultural. Quanto a este novo cenário, Eisner (2005, p. 8) sugere que “As graphic novels com os chamados ‘temas adultos’ proliferaram e a idade média mudou, fazendo com que o mercado interessado em inovações e temas adultos se expandisse”.

Podemos citar dois exemplos de autores que trabalham desta forma: o brasileiro Lourenço Mutarelli, que, além de cartunista, já atuou como cineasta, roteirista e autor de romances, e a francesa Julie Maroh, que atualmente se dedica aos quadrinhos.

Ambos possuem estilos muito distintos, principalmente nos livros a serem abordados aqui: Desgraçados, do brasileiro, e Azul é a cor mais quente, título traduzido da obra da francesa. Enquanto Maroh buscou retratar as relações adultas e a questão da sexualidade e de gênero de maneira romântica e leve, Mutarelli traz o tema das relações humanas e da imprevisibilidade da vida de maneira cruel e esmagadora. Tudo isso é perceptível não apenas através da leitura dos diálogos, mas de como observamos o traço, a tipografia e a colorização das páginas. No caso de Mutarelli, observamos um constante preto e branco e personagens desenhados de maneira crua e um tanto disforme. Já no texto de Maroh, vemos a presença da cor azul e um traço mais leve, próximo de proporções humanas reais.

Com isso, pode-se ter uma rápida visão da temática e da produção destas obras. Fica ao leitor do blog a indicação de leitura de ambos os autores, para que possam, assim, tirar as suas próprias conclusões.

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Desgraçados – Lourenço Mutarelli

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Azul é cor mais quente – Julie Maroh