Arquivo da categoria: Romance

A anotação e o romance

Carolina Coutinho

Créditos da imagem: Haiku on the ceiling at Le Matin

No meu post anterior, comentei sobre a possibilidade da prática da anotação pelos escritores ser reconhecida como mais do que um auxílio ao processo de escrita literária. 

Entendemos a anotação como uma espécie de esboço, de preparação para a escrita literária, como um conjunto de notas descontínuas que vão elaborando uma estrutura para a redação definitiva do projeto literário do autor.

Se nos voltamos para a leitura de diários de escritores, podemos reconhecer que as entradas são anotações que muitas vezes expõem o modo como o diarista pensa a relação da escrita com a vida, da vida com a literatura, como em muitas reflexões encontradas nos diários de André Gide, Virginia Woolf ou Lima Barreto. 

Ao buscar compreender a relação da anotação com a escrita literária, não posso deixar de retornar a Roland Barthes e ao interesse do crítico em encontrar caminhos para conceber uma forma romanesca capaz de capturar o presente por meio de uma escrita breve e descontínua, objeto do primeiro momento do curso A preparação do romance. Aí, Barthes explora o haicai japonês como exemplo essencial do que identifica à anotação do presente.

Mas como pensar a anotação, prática fragmentária e descontínua, para escrever um romance? O encantamento de Barthes pelo haicai japonês está relacionado ao seu “pouco de linguagem” que “anota um elemento tênue da vida presente” “sem resto”,  permitindo a “fruição imediata do sensível e da escrita”, dado que é a “escritura absoluta do instante”, que Barthes afirma dar a sensação de “cerca[r] o sujeito”. Assim, o haicai é entendido pelo crítico francês como um “detrito errático” que, com naturalidade, escreve o sujeito e seu cotidiano, a vida.

Mas como o haicai como “ato mínimo” , como gesto de anotação do presente, serve ao romance em preparação? Barthes considera o impulso de anotar imprevisível, um ato que busca recolher “uma lasca do presente” quando esta irrompe diante do sujeito que mantém a “atenção flutuante”. Em seu caso, declara que a prática da anotação está vinculada a escrever uma “notula” (palavra) em sua caderneta com velocidade enquanto o “fenômeno notável” o interpela, para posteriormente transformá-la na “nota” propriamente dita em uma ficha, não necessariamente restrita à forma breve. 

É neste ponto que Barthes se questiona sobre a “atribuição de valor” que deve ser dado à anotação: deve-se  assumir a futilidade dessa prática? Como fazer do anotado um romance? 

A anotação está ligada à preparação da obra como a escritura dos “incidentes” que circundam o escritor, do “notável” ainda que banal, das pequenas crises e impedimentos impostos ao Eu que escreve. Assim, a  prática da anotação, seus produtos (cadernos, diários), também podem constituir uma espécie de cartografia da gestão da prática de escrita entre as “demandas da vida” e a “organização cotidiana das necessidades”, do desejo de escrever entre os obstáculos externos e internos, da procrastinação. 

Mas seria possível que o Romance seja isso? Um conjunto de anotações da “vida metódica”, da organização da vida, da escrita e do sujeito fragmentado que se constrói enquanto escreve algumas coisas?

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Um projeto, muitas perguntas

João Matos

Créditos da imagem: Liana Finck, instagram (@lianafinck)

Meu projeto de pesquisa nasce a partir de uma polêmica surgida com as discussões a respeito do conceito de “autoficção”. Aliás, o termo inventado por Doubrovsky para designar a obra literária associada à autobiografia já é polêmico por si só, tendo em vista a imprecisão teórica em torno dele e sua recepção negativa por muitos críticos literários. Apesar disso, não é possível negar a grande circulação do termo no presente e sua importância para a teoria literária.

Nas obras de autoficção, a figura do autor assume um papel central, não apenas pela exploração dos dados autobiográficos, mas também pela postura que alguns autores assumem no campo literário. Notei que muitos autores de romances premiados, como Tiago Ferro com seu livro O Pai da Menina Morta, rejeitam a associação de seus livros ao conceito de autoficção, mas por quê?

 Num primeiro momento, imaginei que poderia ser algum tipo de desinformação ou desconhecimento do termo por parte dos autores. Que inocência minha, não é? Tiago Ferro é jornalista, fundou a revista Peixe-elétrico e foi vencedor do Jabuti com seu primeiro romance. Presumir que um autor tão envolvido com o campo literário desconheça a noção de autoficção é uma hipótese que deve ser descartada porque não me dá abertura para explorar melhor as discussões no contexto em que esses autores e o termo se inserem.

Em entrevista a um canal de youtube, Ferro rejeita a associação de seu livro premiado ao termo de Doubrovsky alegando que sua obra tem um tipo de investimento formal “próprio”. Esse foi o ponto de partida de minha investigação: será que a autoficção implica menor investimento formal? E isso retiraria o valor da obra como literatura, reduzindo o livro a mero falar de si? Se as respostas forem positivas, podem explicar a recepção negativa da crítica literária à autoficção?

Ainda que não tenha as respostas, já sinto a necessidade de demarcar minha posição quanto às alegações de Ferro. Penso que o próprio conceito de autoficção já traz consigo uma espécie de empreendimento formal que decorre do tensionamento dos limites entre o pacto autobiográfico e o romanesco, próprio de todo relato que é considerado autoficcional.

Mas as perguntas não param por aí.  Será que ao aderir e reverenciar a autoficção e sua ambiguidade, a crítica literária não estaria reforçando uma rejeição às narrativas autobiográficas que sempre tensionaram os limites ficcionais? Será que essa resistência não é um mecanismo de conservação de um pacto que já foi quebrado, de um limite que já foi ultrapassado, de uma perspectiva do texto literário que vem se transformando no presente?

Essas questões são ainda muito embrionárias e que não querem defender ou fazer o mero elogio da autoficção. Apesar da minha simpatia pelo termo, o que mais me estimula investigá-lo é a tensão que cria em torno da divisão entre obras maiores e menores e seu potencial para ressignificar o que chamamos de literário.

Romance que é diário

Carolina Coutinho

Créditos da imagem: Rossana Feudo, La maschera e il volto

Pensando na relação complexa que Barthes manteve com o gênero diário e em como certos aspectos dessa tensão parecem fazer parte do nosso cenário literário contemporâneo, comecei a investigar as relações entre o diário e o romance, para testar a hipótese de que algo da forma do diário está presente em muitos romances da atualidade.

Em The Diary Novel, Lorna Martens propõe investigar o que seria um diary novel, um tipo de narrativa ficcional que se vale de traços da forma dos diários. Para a autora, o diário, como escrita de si, não visa a um leitor específico, é um gênero que cultiva o segredo e que registra os acontecimentos vividos pelo autor. Martens afirma que é interessante pensar como a ficcionalidade se vale das características desse gênero (auto)biográfico e as contraria. Na sua opinião, a escrita de um romance diário implica sempre na preocupação com um leitor imaginado e adentra uma zona de reflexão sobre a própria escrita, que está ausente no diário “puro”.

Martens está trabalhando sob a premissa de que é possível fazer uma distinção fundamental entre a primeira pessoa do diarista real e do diarista ficcional. Um romance que se vale da forma do diário seria marcado pela falta de correspondência entre o diarista ficcional e o autor. Enquanto o diarista “real” escreveria sobre si, para si, o diarista ficcional (um personagem da narrativa) é uma criação do autor do romance (que assume a forma de um diário), ou seja, estamos diante da velha proposição de que o narrador não é o autor.

Ainda assim, escrevendo em 1985, Martens já levanta considerações sobre as narrativas que colocam em xeque as fronteiras, já não muito estáveis, entre realidade e ficção, e sobre o uso da forma do diário como um terreno fértil para produções interessadas em problematizar a distinção entre autobiográfico e ficcional, apontando não somente exemplos contemporâneos, mas também exemplos mais antigos, de quando essa distinção era, se não bem resolvida, menos problemática. Apesar desse movimento, a autora ainda considera que esses sejam casos limítrofes e aposta na diferença intrínseca entre a primeira pessoa não ficcional (própria ao diário como gênero autobiográfico) e a ficcional (própria das narrativas literárias).

Pensando em minha investigação, essa proposição abre janelas para diversas reflexões: como essas interações são modificadas em um momento em que diversos diaristas passam a escrever seus diários na internet, através de blogs, e essa escrita, antes secreta, passa a contar com interlocutores? Vivemos um momento em que há uma incidência mais alta de autores que brincam com essa correspondência entre autor e narrador em primeira pessoa e ainda assim reivindicam para o que escrevem a condição de literário? Será que é possível pensar o mergulho da vida na obra, a mistura entre essas primeiras pessoas, entre autor e narrador, não apenas como meras exceções, como aponta Martens, ou dignas apenas de descrédito ou acusações de narcisismo, motivo constante de preocupação para Barthes?

“Tudo será como agora, só que um pouco diferente”

Luciene Azevedo e Allana Santana

Créditos da imagem:
The Clock by Christian Marclay 2010, 24hrs, Digital, Color, Sound.

Em post anteriores, já falamos da forma do romance-ensaio e tematizamos o caminho que seguimos em nossa investigação que visa identificar em narrativas contemporâneas algumas características dessa forma. Já em seus Ensaios, Montaigne afirmava uma forte ligação entre a construção de seu eu e sua obra e por isso acreditamos que uma porta de entrada para essa discussão pode estar na observação sobre a maneira como um sujeito vai se delineando à medida que a história se desenrola.

Mas como pensar essa relação em uma obra contemporânea? Vamos pegar como exemplo o romance 10:04, escrito por Ben Lerner.

Entrar na leitura dessa obra é como ser arremessado em um turbilhão de situações que à primeira vista negam relação entre si. Nesse sentido, a ideia de trama narrativa parece vacilar, tudo parece muito desamarrado, pois acompanhamos ao mesmo tempo situações que envolvem a negociação de publicação do mais novo romance do narrador (ainda por fazer), os preparativos que envolvem a sobrevivência da população nova-iorquina preocupada com a chegada de duas tempestades, a elaboração de um livro infantil sobre dinossauros e o drama pessoal vivido pelo narrador a respeito da dúvida sobre a doação de esperma para sua melhor amiga, que decide ser mãe a qualquer custo. Os diferentes temas parecem não apresentar relação alguma entre eles e ao mesmo tempo essa desconexão é harmoniosa, sendo amarrada à narração em primeira pessoa e a certa ambiguidade na identificação entre autor e narrador-personagem.

Nas primeiras cenas do livro, acompanhamos o narrador e sua agente literária em um almoço de comemoração pela repercussão da publicação de um conto publicado meses antes na revista New Yorker e que vale ao autor um adiantamento polpudo para escrever um romance que expanda o conto. Já aí, então, começamos a desconfiar da proximidade entre Ben Lerner e o narrador de sua história, a quem a publicação do conto na revista dá certa notoriedade e que também possui um romance aclamado pela crítica. Essa é a trajetória literária do próprio Lerner que depois de publicar livros de poesia, ganha reconhecimento mais amplo da crítica com o romance Estação Atocha e a publicação do conto The Golden Vanity na Revista New Yorker.

Aqui, já imaginamos a careta do leitor e sua impaciência: “mais uma obra em que o autor conta sua vidinha literária…” Mas talvez valha a pena assinalar que embora esse desvendamento do eu, quase sempre de um eu-autor, esteja presente em muitas obras contemporâneas, podemos apostar que os usos da primeira pessoa têm rentabilidade muito distintas. Em Lerner, arrisco dizer que há uma dicção ensaística capaz de produzir uma aliança entre a exposição da voz subjetiva e sua relação com o espaço público, nos termos em que Timothy Corrigan analisa a presença do ensaio na produção de filmes.

Para dar uma ideia melhor da maneira como estamos pensando a presença do ensaio imbricada à ficção em Lerner, vale a pena comentar o episódio em que o personagem principal e sua melhor amiga vão assistir à The Clock de Christian Marclay. A obra é uma montagem que recorta e cola tomadas de relógios ou trechos que mencionam a passagem das horas retiradas de cenas de filmes ou tevê editadas de modo a indicar exatamente a duração do filme no momento que é exibido. Depois de algumas horas dentro do cinema, o narrador checa o relógio, para ver que horas são, depois se pergunta porque teria feito esse gesto, já que o filme, a representação das cenas indica exatamente que horas são, a passagem do tempo durante a própria exibição das cenas. Essa pergunta marcada por certa estupefação do próprio narrador dá origem a uma reflexão sobre a relação entre a arte e a realidade:

“Eu fiquei sabendo que The Clock tinha sido descrito como a derradeira transformação do tempo ficcional em tempo real, uma obra concebida para obliterar a distância entre arte e vida, fantasia e realidade. Mas parte do motivo de eu ter consultado as horas no meu celular foi porque essa distância não havia sido quebrada pra mim; apesar de a duração de um minuto real e a duração do minuto de The Clock serem matematicamente indistinguíveis, eles eram minutos de mundos diferentes. Eu via o tempo no The Clock, mas não estava nele, quer dizer, eu estava experimentando o tempo como tal, não tendo experiências por meio dele como meio. […] Ao consultar o meu relógio para ver uma unidade de medida idêntica à exibida na tela, eu estava indicando que ainda havia uma distância entre a arte e o mundano.”

Nessa escrita semelhante a um “pensar sobre a experiência”, aparece uma reflexão sobre elementos importantes nas discussões sobre a arte hoje, de uma maneira muito particular e subjetiva, cujo efeito produzido na leitura é o de que a subjetividade do narrador, sua constituição como sujeito, vai sendo elaborada junto com o texto. Essa reflexão motiva o personagem a escrever “mais ficção”, e talvez seja o pontapé inicial para as demais reflexões (sobre as diferenças entre a realidade e a arte, sobre o que é se tornar um autor, sobre a exposição de si na literatura atual, sobre estar no mundo) que aparecem na obra. Talvez a chave para compreender essa maneira de estar presente nas coisas refletindo sobre o que é a ficção seja a epígrafe escolhida por Lerner que diz assim:

“Os hassidim contam uma história que diz que no nosso mundo por vir tudo será precisamente como é aqui: Como o nosso quarto é agora, assim será no mundo futuro; onde dorme o nosso filho agora, é onde dormirá também no outro mundo. E as roupas que vestimos neste mundo são as que também vestiremos lá. Tudo será como agora, só que um pouco diferente.”

Em vários momentos, ao longo da leitura, o narrador chama a atenção para pequenos mas sucessivos “rearranjos de mundo” que somos obrigados a fazer no nosso cotidiano e a que vamos nos acostumando na narrativa pela maneira como Lerner explora esse procedimento. Acredito que aqui nesse “procedimento” há algo de semelhante ao que Corrigan chama de “pensamento ensaístico” ao falar sobre a forma do ensaio no cinema. Essa nova lógica de organização expressa no romance também é um convite ao leitor para que assuma um posicionamento diferente diante da obra, da ficção que lê.

Barthes e o romanesco

Luciene Azevedo e Carolina Coutinho

Créditos da imagem: “Personas”, Paulo Bruscky, 1993.

O termo “romanesco” desponta em diferentes textos de Roland Barthes ao longo de sua produção crítica. Mas no final dos anos 70, o termo parece se relacionar ao projeto barthesiano de escrever um romance, ao menos é o que podemos entender lendo as anotações de aula do último curso que ministrou no Collège de France, intitulado A preparação do romance. É, então, à leitura das aulas desse curso, no qual Barthes se propõe a interrogar quais as condições em que se lança um escritor para se arriscar a escrever um romance, que nos debruçamos para pensar um entendimento do romanesco para o crítico. Quanto a proposta do curso, o “futuro autor” faz suas ressalvas: não está empenhado em fazer análises sobre o gênero romance, nem mesmo em extrair uma fórmula sobre como os autores de ontem preparavam/escreviam seus romances, mas em seu próprio empreendimento para escrever uma obra que conecte a literatura com a vida. Assim, segundo Barthes, o curso funcionará como uma preparação para a escrita, “para saber o que pode ser o Romance, façamos como se devêssemos escrever um”.

O primeiro volume de A preparação do romance, que cobre as aulas do primeiro ano do curso (1978-1979), se debruça sobre a anotação e o que ele considera ser a sua “realização exemplar”, o haicai japonês. A partir da leitura desse primeiro momento do curso e das aproximações que faz entre a forma do haicai e a anotação, acreditamos que podemos destacar três pontos principais que parecem formar seu “projeto romanesco”: a investigação sobre uma forma de dizer “eu”, uma atenção ao presente e o que chama de “uma nova prática de escrita”. Barthes nunca aplicou-se com diligência à delimitação rigorosa do que seria o romanesco, assim a noção sempre aparenta ser um tanto vacilante, como se o próprio autor talvez não tivesse exatamente certeza do que queria ou de como realizar seu desejo.

Barthes inaugura sua primeira aula comentando sobre seu processo de mudança após a perda de sua mãe, o acontecimento que inicia o seu “meio da vida”, a consciência da própria mortalidade e o desejo por uma Vita Nova, que é traduzido pelo desejo por uma “nova prática de escrita” que permita um outro modo de tratar a 1ª pessoa, falando de um sujeito fragmentado, uma subjetividade móvel. A discussão sobre esse termo em Barthes nos interessa em especial, pois nos parece que a noção tal como tentamos caracterizá-la a partir da leitura de Barthes, está muito conectada com um modo de falar de si no presente. Explicamos melhor: não é incomum encontrarmos narrativas nas quais acompanhamos a elaboração de uma história que gira em torno da construção de um imaginário desse “eu” (muitas vezes, muito próximo do próprio autor da obra) em relação ao que lhe é “contingente”, aos “incidentes” da vida que, embora percebidos como “coisinhas de nada” (como Barthes descreve a atenção ao banal a que gostaria de se dedicar na escrita de sua obra) poderiam revelar um modo de ver o sujeito que escreve e também o mundo que o cerca.

Assim, o “modo justo de dizer eu” não se esgotaria na exposição da intimidade ou na retórica confessional, mas resultaria em uma verdadeira aventura investigativa sobre uma “formação de imagens do eu” no texto, na vida, no presente.

Acreditamos, então, que tentar caracterizar, a partir das anotações desse curso, a noção de romanesco, pode ser uma chave para problematizar alguns elementos que aparecem de modo muito insistente nas formas narrativas contemporâneas, como a presença da 1ª pessoa, o “vínculo afetivo com o presente” e uma dicção narrativa que incorpora a seu fazer, a própria preparação do que nos conta.

Vidas que se contam

Marília Costa


José Leonilson, filme “A paixão de JL”

Desde antes de meu ingresso no mestrado as narrativas autoficcionais vêm despertando meu interesse. Neste post pretendo comentar brevemente o romance Baseado em fatos reais da escritora francesa Delphine de Vigan para pensar o que considero uma tendência da literatura contemporânea: a utilização da narrativa em primeira pessoa para criar uma tensão entre a biografia do autor e a ficção criada por ele sobre sua própria vida.

O livro Baseado em fatos reais, narrado em primeira pessoa, é a história de uma escritora, cujo nome é o mesmo da autora. A personagem narradora, Delphine, está diante de uma crise na carreira, pois, após fazer grande sucesso com seu último livro autobiográfico, não consegue escrever mais, a ponto de ter crises de pânico só de pensar na ideia de retornar ao trabalho de escrita. Ficamos sabendo que a origem da crise tem a ver com a reação do público à sua obra, que interpreta a narrativa como realidade, não como ficção, e com a reação da crítica que vê na autoficção um modo de a autora se promover mercadologicamente com a exposição narrada da intimidade de familiares e amigos. Ou como a própria narrativa nos conta:

“Eu havia escrito um livro autobiográfico cujos personagens tinham sido inspirados em pessoas de minha família. Os leitores haviam se apaixonado por eles, me perguntado o que acontecera com um ou com outro. Tinham me confessado uma afeição particular por determinados personagens. Os leitores tinham questionado a realidade dos fatos. Tinham feito sua investigação. Eu não podia ignorar isso. E o sucesso do livro, no fim das contas, talvez fosse fruto apenas dessa característica. Uma história de fatos reais ou considerada como tal. Apesar do que eu dizia. Apesar das precauções que eu usara para afirmar que a verdade é elusiva e reivindicar minha subjetividade. Eu tocara na realidade e a armadilha havia me capturado.”

Em meio ao bloqueio criativo, Delphine conheceu L., uma ghostwriter, que de início se apresenta como um ombro amigo, mas depois começa a interferir nos rumos da narrativa: enquanto Delphine deseja embarcar na ficção, L. incentiva a escritora a mergulhar mais profundamente na sua biografia para dar aos leitores o máximo de verdade possível:

“As pessoas sabem que apenas a literatura permite chegar à realidade. As pessoas sabem o quanto é custoso escrever sobre si, sabem reconhecer quem é sincero e quem não é. E, acredite em mim, elas nunca se enganam. É, as pessoas, como dizem o seu amigo, querem a verdade. Querem saber se ela existiu. As pessoas não acreditam mais na ficção e até desconfiam dela, devo dizer. Elas acreditam no exemplo, no testemunho. Olhe a sua volta. Os escritores se apropriam dos fatos corriqueiros, multiplicam as introspecções, as narrativas documentais, demonstram interesse pelos esportistas, pelos bandidos, pelas cantoras, pelos reis e rainhas, perguntam sobre suas famílias. Por que você acha que fazem isso? Porque esse material é o único válido. Por que voltar atrás? Você não deve travar a luta errada. Você está fugindo, fingindo que vai voltar a ficção por um único motivo: porque se recusa a escrever seu livro-fantasma.”

O argumento de L. não vale apenas para as produções literárias: o público nunca esteve tão interessado nas histórias verdadeiras, supervalorizando, às vezes, uma obra porque é baseada em fatos reais. Esse gosto pelo real também está presente no cinema, na produção de séries disponíveis em canais da internet. Mas o que parece interessante no livro de Vigan é que a narrativa assume um tom especulativo sobre o próprio termo autoficção e sua potencialidade, uma dicção ensaística que quer tatear, apalpar os problemas da relação entre a vida e sua narração, testando seus limites, o que me parece um gesto muito presente na produção da literatura atualmente.

O romanesco e o novel

Carolina Coutinho

Romance, Museum Metropolitian Art, fotografado por Yale Joel, 1965-09, da coleção LIFE

Créditos da imagem: Romance, Museum Metropolitian Art – fotografado por Yale Joel, 1965-09, da coleção LIFE

O interesse principal da minha pesquisa está em caracterizar o romanesco para Barthes, investigar como essa noção foi apropriada por esse autor em seus escritos de maneira a se tornar algo muito diferente do que tradicionalmente atribuímos à ideia de romanesco, e testar se a formulação barthesiana é um instrumento possível para a leitura das narrativas contemporâneas. O romanesco em Barthes parece envolver a própria relação da arte com a vida cotidiana, o ato de anotar, o desejo da escrita. Mas para me apropriar do romanesco em Barthes, é preciso começar pela apreensão do que seria o romanesco clássico.

Iniciei minha busca dessa tradição por Catherine Gallagher, que adota a diferenciação anglo-americana entre romance e novel, como farei aqui, para oferecer um panorama do surgimento, na Inglaterra do século XVIII, da ficção tal como conhecemos hoje e sua relação com o gênero literário romanesco. O romance moderno está mais próximo do gênero inaugurador da ficção, o novel, enquanto a concepção clássica do romanesco diz respeito ao romance, uma espécie de precursor da ficção moderna. Assim, quando utilizarmos neste post a palavra romance estaremos nos referindo às formas de ficção antigas, enquanto o uso do novel indica as formas narrativas escritas a partir do século XVIII.

Aos romance costumeiramente atribuímos o rótulo de fantasia, o contador de histórias que narra uma sucessão de eventos impressionantes e dos feitos prodigiosos do protagonista, personagem heroico e exemplar, completamente à mercê dos ditames da ação. São ostensivamente fora de um padrão referenciável de realidade, com acontecimentos e individualidades excepcionais e não críveis, e aí se encontra a característica talvez mais própria desse gênero, a inverossimilhança, a falta de pretensão de veracidade.

Quando essas histórias faziam uso de algum referencial, baseavam-se habitualmente em uma figura histórica e/ou mítica que, de certa forma, refletia alguns dos valores que construíam o código social da época em que foram escritos, a exemplo dos romances medievais franceses como Lancelot de Chrétien de Troyes, que apresenta os famosos personagens do círculo arturiano inseridos no modelo de cavalaria. Segundo Varvaro, no contexto dos romances franceses do medievo, uma narrativa cujos acontecimentos tivessem como cenário locais reais e ocorressem no tempo presente ou passado próximo seria considerada uma crônica ou um relato histórico.

O novel, por outro lado, mudou completamente o jeito como passamos a encarar a literatura. Com o advento das novas formas narrativas, a realidade passa a ser entendida a partir de uma complexa relação com a ficção. Os romances modernos propõem um pacto de leitura que constrói um mundo que existe apenas no universo narrado, ao mesmo tempo que vincula esse mundo inventado aos limites do crível e do plausível. Os personagens introduzidos são completamente imaginados, e ainda assim apresentam uma complexidade psicológica e uma profundidade emotiva inexistente nos personagens idealizados e superficiais do romance, escritos durante a idade média, por exemplo.

Assim, o novel realiza sua ambição de veracidade referencial com histórias plausíveis e mundos possíveis, algo totalmente diferente do modo de ler a maioria dos romances tradicionais, escritos até o século XVII. Os personagens dessas novas histórias não são “ninguém em particular”, pois desejam ser universais, mas têm nomes próprios comuns e são caracterizados como indivíduos específicos e referenciáveis, tudo muito diferente do que acontecia com Lancelot ou Guinevere nos romance.

Entre a descoberta do romance e do novel, acredito ser possível começar a me apropriar da história do termo romanesco, que surge como um gênero particular antes das formas narrativas modernas e, quem sabe, isso pode ajudar a construir uma base teórica mais sólida para me aventurar à noção barthesiana.

O romance e sua preparação

Marília Costa

Em seu último seminário no Collège de France a que chamou de A preparação do romance, Roland Barthes reflete sobre o que seria o meio da vida e qual seria o meio da vida de um escritor. O sociólogo, escritor, crítico literário, semiólogo e filósofo francês, nessa época, com sessenta e três anos, tinha acabado de escrever o diário do luto pelo evento tristíssimo da morte da mãe, nesse mesmo momento, escreveu A câmera clara que tratava da fotografia como objeto de estudo e o primoroso Incidentes, no qual são narradas suas viagens para o Marrocos. Para Barthes, o meio da vida não é um ponto cronológico, o meio da vida é um ponto lógico em que alguma coisa já não é mais igual àquilo que vinha acontecendo antes.

Na palestra Durante muito tempo eu fui dormir cedo, anterior ao seminário preparação do romance e que serviu de base para o curso, Barthes foi convidado a falar sobre a temática do desejo de ser um escritor e acaba falando da sua experiência de leitura de Marcel Proust e de sua obra que durante muito tempo serviram a ele como modelos para o romance que gostaria de escrever.

Quando Proust escreve Em busca do tempo perdido põe em xeque um modo de ler romances, pois a maneira como trata o tempo, a memória e sua própria biografia na obra faz vacilar a classificação do que apresenta aos leitores: tratava-se de ficção, de memórias, de um romance sobre a escrita de um romance? É essa busca por escrever um romance não romance que parece atiçar o desejo de Barthes de escrever seu próprio romance.

Barthes afirma que, embora correndo o risco de parecer arrogante, ao se comparar com Proust, deseja se desvencilhar de um entrave que afinal parece superado por Marcel: escrever um romance. Em A preparação do romance Barthes planeja o curso como uma preparação para escrever um romance, mas ao final do seminário precisa capitular: o romance não foi escrito. Mas as aulas do curso revelam um percurso de preparação para a obra não escrita: visitas à vida dos escritores e suas idiossincrasias (Flaubert escrevia deitado), reflexões sobre a forma (“a obra já não pode ser mais do que aquilo que tenho a dizer a seu respeito”).

Se Barthes não escreveu seu romance, talvez seja possível dizer que muitas obras escritas hoje entregam ao leitor o próprio processo de preparação da obra. O romance Machado de Silviano Santiago é um bom exemplo, já que o autor lança mão dos muitos anos nos quais se debruçou sobre a produção machadiana, como crítico e como professor, para arriscar-se na fronteira da biografia, do ensaio e do romance recorrendo a anotações de estudo, ampla pesquisa em documentos da época, e a hipóteses de leitura sobre as narrativas machadianas que vão constituindo uma narrativa que é ao mesmo tempo preparação e obra pronta, um romance que não se parece muito às formas do gêneros com as quais estamos acostumados.

Por que ficção?

Luciene Azevedo

Stephen Gill Untitled, from the series 'Coexistence',' 2010

Créditos da imagem: Stephen Gill Untitled, from the series ‘Coexistence’,’ 2010.

Em um momento em que os mais banais discursos cotidianos expõem os limites cada vez mais indiscerníveis entre a ficção, a mentira e a verdade, qual o lugar do romance, da própria literatura, caracterizados na modernidade por seu estatuto de ficcionalidade?

“A realidade está continuamente superando nossos talentos, e a cultura lança figuras quase diariamente que causam inveja em qualquer romancista”, afirmava Philip Roth, já na década de 60.

Hoje, os romancistas parecem dispostos a assumir uma postura investigativa, escrutinadora a respeito do papel da ficção em seus textos, fazendo de suas narrativas verdadeiros laboratórios de experimentação por se mostrarem insatisfeitos com o estatuto da ficcionalidade firmado ao longo dos séculos XIX e XX, seja porque a realidade parece invasiva, sugerindo ser constituída e justificada por verossimilhanças de forma mais notável do que na própria ficção, seja porque não se trata mais de construir personagens cuja existência tem validade apenas no universo narrado e que não se referem a ninguém em particular, como Catherine Gallagher afirma ser a grande preocupação de Defoe ou Fielding que afirmava que não pretendia “descrev[er] homens, mas costumes; não indivíduos, mas espécies”. Em uma era em que as redes sociais tornam possível que cada um seja personagem de si mesmo, estimulando o “design de si”, para usar a expressão de Boris Groys, as narrativas parecem casar cada vez mais o interesse pelo mundo externo e a construção autopoética de seu próprio eu.

Pensemos, por exemplo, nos dois últimos romances de Javier Cercas em que o autor elege como protagonistas Enric Marco, personagem histórico e polêmico de O impostor (2015), e Manuel Mena de El monarca de las sombras (2017), tio do autor. Nos dois casos, a reconstrução biográfica dos personagens minuciosamente empreendida na narrativa está atrelada à história política da própria Espanha. O narrador, que em O Impostor é nomeado como Javier Cercas, e também reaparece no último romance em terceira pessoa, expõe, quase à maneira de uma conversa mantida com o leitor, as dúvidas sobre o empreendimento de escrita, suas opiniões e reações à vida dos personagens, o empenho investigativo para trazer à tona histórias que não foram contadas.

Assim como parece ter sido importante para a afirmação do novel afastar-se pouco a pouco da exigência de referencialidade, da proximidade com a veracidade, buscando “novas técnicas de não referencialidade”, como observa Gallagher,  para o romancista contemporâneo é importante arriscar-se a outras técnicas de referencialidade para continuar fazendo ficção, o que também pode significar uma mudança da própria ideia do que é manejar a ficcionalidade. Essa mudança, porém, mantém um padrão reiterativo em relação ao momento de afirmação do discurso ficcional. Se, de acordo com Gallagher, no século XVII, o novel buscava “distinguir-se das narrações plausíveis com referentes reais” e não do modelo romanesco fantasioso da idade média, podemos pensar que hoje também os romancistas não querem se opor ou negar o entendimento do ficcional tal como elaborado modernamente, mas se dispõem a redimensionar as fronteiras entre o verossímil e verdadeiro, entre a ficção e o real, entre a narrativa ficcional e a histórica, entre a invenção e o documento, querem reinventar o universo discursivo ficcional. Por isso, talvez, seja tão importante confrontar o realismo do século XIX, cunhado pela distância objetiva do narrador, com o relato pessoal da vida ordinária do escritor, do manejo atabalhoado de uma massa de documentos com a própria natureza do ficcional, entendido como um ato de fingir e inventar, pois o leitor que se depara com uma narrativa desse tipo é obrigado a contrariar uma expectativa fundamental à leitura de romances que sugere que “diante do estatuto cognitivo das representações de um romance, apenas podemos dizer que ‘simplesmente não as julgamos reais’”, como afirma Gallagher ao caracterizar a ficção na modernidade.

Nos livros de Cercas (mas não apenas, pois poderia mencionar ainda os “romance sem ficção” de Patrick De Ville), a última coisa que passa pela cabeça do leitor quando precisa tomar uma decisão de leitura diante da narrativa é a ideia de simplicidade, pois a própria voz narrativa se encarrega de delinear a perplexidade diante das inverossimilhanças comprovadas documentalmente por intensa investigação. Como aceitar como resolução de leitura desses textos, a “impossibilidade de acreditar na realidade daquilo que é representado” (mais uma vez Gallagher), postura adequada de um leitor experiente diante da ficção, pelo menos até bem pouco tempo atrás, se encontramos no universo narrativo o próprio nome do autor, o relato das agruras no embate com a escrita da mesma obra que lemos, a rotina ordinária de uma vida ao lado do que mais parecem anotações para uma obra futura?

O impasse representa talvez o maior desafio diante dessas formas narrativas que não são exatamente ficções, não no sentido que estávamos acostumados a ler o que chamávamos de ficção, e que continuam a despertar nosso interesse, talvez, exatamente por esse motivo.

Saindo da ficção?

Luciene Azevedo

olafur eliasson waterfall 2016

Olafur Eliasson, Waterfall, 2016

 

          Acho que não é possível negar que nós, leitores, estamos cercados por lançamentos literários que acolhem gêneros não literários como matéria prima das narrativas contemporâneas.  Em muitas obras atuais podemos encontrar o flerte com a dicção ensaística que tem o próprio autor como personagem principal do relato ou ainda a exposição processual de construção da obra que parece inacabada e que se expõe precariamente, oferecendo-nos o que parece ser anotações de preparação para a escrita da narrativa. Os exemplos são muitos. Podemos pensar em Machado de Silviano Santiago, que acolhe tranquilamente as duas caracterizações brevemente delineadas acima, mas também em obras que oscilam entre o auto-ensaio e uma dicção tateante em busca de uma forma para contar e que muitas vezes dão a impressão de estarem saindo da ficção, como é o caso de O Impostor do espanhol Javier Cercas.

            Essa impressão já se materializou ao menos ao olhos da indústria editorial e do jornalismo cultural que fazem circular, por exemplo o rótulo  “romance sem ficção” para nomear as produções de Patrick De Ville, que trabalha a partir de uma ampla pesquisa bibliográfica sobre personagens reais. É assim em Viva! em que explora o affair entre Frida Kahlo e Trotsky, por exemplo, ou ainda em Peste e Cólera quando esquadrinha e revela para o leitor as aventuras e a vida de um discípulo de Pasteur, o médico Alexandre Yersin,  mesclando-as às reviravoltas históricas e políticas da passagem do século XIX para o século XX.

            Esse hibridismo nem sempre é bem visto teoricamente. Muitos estudiosos alegam que a aproximação da literatura e mais especificamente do romance com outros gêneros é uma marca da própria ideia de literatura moderna entendida como ficção e não uma caracterização válida para o que chamamos, imprecisamente, de o contemporâneo.

            Para fazer um breve exercício, vamos pensar aqui em um romancista bissexto, Edgar Allan Poe e em sua  A narrativa de Arthur Gordon Pym.  Poe tateia em meio ao momento de afirmação do romance como gênero e da ficção como sua característica legitimadora. Tal como Defoe e seu Robinson Crusoé, Poe precisa se equilibrar entre o livre jogo com a imaginação, ainda encarado com desconfiança, e o fetichismo referencial de seus leitores. É por isso que ora enfrentamos o ritmo alucinado da narração de aventuras mirabolantes, ora somos reféns da certificação, exaustiva, da verdade, do testemunho do narrador que entremeia aí verdadeiras ilhas de informação obcecadas com latitudes e precisões geográficas. Assim, é possível manter o flerte com os relatos de viagem, tão comuns à época, e ao mesmo tempo abrir espaço à ficção e à legitimação do romance como gênero.

            Já que, então, o romance, desde o início, pode ser caracterizado como um gênero sem forma associado a essa capacidade de incorporar outros gêneros (diários, crônicas de viagem e tantos outros), cujo surgimento está intimamente associado à legitimação da literatura moderna entendida como ficção, como poderíamos pensar o hibridismo das formas narrativas contemporâneas?

            Se o argumento de que no momento inaugural do romance o flerte com as formas não ficcionais era necessário para a legitimação da ficção for válido, podemos pensar que no presente a expansão do romance na direção de formas não ficcionais caracteriza uma saída da ficção e implica  um redefinição da ideia de literatura moderna para renovar os impasses à representação?

            Considerando a lição de Borges, e a possibilidade de reconhecer no Quixote de Pierre Menard um outro Quixote, talvez valha a pena investir no escrutínio das  particularidades históricas, sociais e literárias associadas a esse hibridismo em nosso momento atual debruçando-se sobre obras que imbricam projeto literário, a forma do romance e a vida do eu que se conta ensaisticamente, expondo obra e sujeito de forma processual, esboçada, como se a narrativa fosse a preparação da própria obra a fim de considerar se a literatura pode sair da ficção.