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Entre história, arquivos e ficções

Lílian Miranda

Créditos da imagem: AS RIQUEZAS DESTA TERRA, Rosana Paulino, 2017

Recentemente iniciei meu novo projeto de pesquisa que foi pensado a partir das discussões sobre arquivo e curadoria empreendidas no plano anterior.  Em vista das múltiplas questões que podem ser levantadas a partir da obra de Gonçalves, observamos novas possibilidades de investigações partindo também do livro Um Defeito de Cor e sua forma de composição.

Neste novo trabalho irei investigar, através de um estudo comparativo entre Viva o povo brasileiro de João Ubaldo Ribeiro e Um defeito de cor de Ana Maria Gonçalves, o modo como ambas as obras lidam com a história oficial de construção de nossa nação.  A pesquisa tem como objetivo observar as diferenças entre as obras a partir da análise de suas condições de surgimento, do contexto sociopolítico no qual foram publicadas e da forma como os autores optam por manipular o arquivo de documentos e  referências sobre a história oficial do país.

Ana Gonçalves chama a atenção ao trazer nas últimas páginas do livro, como elemento externo à sua narrativa, uma bibliografia repleta de materiais, arquivos e referências utilizadas para composição da obra. Além de sugerir livros teóricos e indicar registros originais disponíveis em arquivos públicos, a autora inclui também alguns livros de ficção de autores como Jorge Amado, José Saramago e João Ubaldo Ribeiro. Deste último, a autora inclui o livro Viva o povo brasileiro, obra publicada em 1984, que obteve grande ressonância e ótima recepção pelo público na época em que foi lançado. A partir desse contexto surgiu uma questão inquietante:  será que Gonçalves escolhe Viva o povo brasileiro para compor sua bibliografia como uma provocação acerca das formas de narrativas históricas canônicas?

Rita Olivieri-Godet em Viva o povo brasileiro: a ficção de uma nação plural (2014), ao considerar o conjunto de obras ficcionais de João Ubaldo aponta que:

“A ficção ubaldiana nutre-se da experiência vivida conectada ao contexto histórico e alimentada pela memória individual, familiar e coletiva. […]Ribeiro opta por incorporar múltiplas visões da nação brasileira, adotando uma perspectiva de confronto ideológico que o conduz a englobar diferentes discursos e desvendar os interesses que lhes são subjacentes” (p.28)

A narrativa de Ubaldo também se propõe a contar alguns eventos da história oficial do Brasil, dentre eles as lutas e movimentações em prol da independência, da abolição da escravatura, tematiza a guerra dos farrapos e a guerra do Paraguai, entre outros eventos descritos ao longo do livro. Viva o povo brasileiro compreende um período de quatro séculos de história e é narrado por personagens que se identificam como sendo o próprio povo brasileiro. Na obra, João Ubaldo Ribeiro mistura história e ficção para contar o processo de construção do projeto de nação brasileira, trazendo personagens indígenas, negros, europeus e, principalmente, aqueles considerados mestiços, frutos da forçosa miscigenação  característica da construção da nacionalidade brasileira.

O trabalho de Ana Gonçalves também combina história e ficção se desdobrando numa narrativa acerca da vida Kehinde, uma mulher negra africana que vivencia tanto o cotidiano de um Brasil colonial e as vicissitudes da maternidade, como também, fatos históricos como o levante dos Malês, o processo de escravização, o retorno ao continente africano e diversos outros desdobramentos desse período, no entanto quem narra sua própria história é a personagem Kehinde.

Ao ponderar sobre ambas as produções percebo que representam extensos trabalhos de pesquisa e manipulação de arquivos. Embora tenham sido publicados em séculos distintos – com cerca de 22 anos de diferença -,  cada uma das obras assume o compromisso de desmontar e propor outras enunciações acerca do que conhecemos como  história oficial do Brasil. Mas me interessa observar também se o modo de fatura das obras e a recepção que obtiveram mantêm relações com o contexto em que foram produzidas e publicadas. 

 No final do século XX, o romance de Ubaldo parece ser uma espécie de saga que quer encerrar um tema problemático para os estudos literários: a relação entre a literatura e a identidade nacional. Já nos primeiros anos do século XXI, a narrativa de Gonçalves parece mais atenta a uma transformação social que afeta a literatura de “fora”, e que sugere um país que quer (re)construir para si uma outra história. Mas se é mesmo assim só a pesquisa vai dizer, esse aqui é o ponto de partida. 

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Literatura e internet: práticas literárias contemporâneas

Sergio Marcone Santos

Créditos da imagem: https://bit.ly/2TPH8DW

Sob o título desse post, defendi, no último dia 25 de março, minha dissertação de mestrado. Os dois anos de pesquisa consistiram em perguntas insistentes que conduziram a leituras que me desafiaram a entender de que formas o digital afeta a literatura nos dias de hoje, e se haveria uma presença das práticas da internet na produção de literatura.

Reconhecendo que a técnica de cada período pode afetar a produção literária, parti da obra da crítica Flora Süssekind, Cinematógrafo de letras (1987), que viu alguns procedimentos inspirados nas mudanças tecnoindustriais do início do século XX – como a imitação ou o uso da dicção jornalística – passarem à uma “lógica cultural” peculiar à produção literária, para pensar em algo semelhante em relação ao momento digital.

Considerando então algumas produções atuais, argumentei que o modo de a rede afetar a produção literária hoje passaria por práticas colaborativas (o trabalho em conjunto entre autor e um programador de computadores, por exemplo) e também pelo uso de algo corriqueiro na Rede: o copie e cole. É, inclusive, baseado nesse recurso que o poeta Kenneth Goldsmith (2015) pensa a noção de “escrita não criativa”, que consiste na apropriação de materiais já existentes dando a eles novos contextos, provocando um questionamento sobre o papel do “gênio criador” e da originalidade.

Mas como a dissertação em breve estará disponível no Repositório, resolvi humildemente, à Valéry e Benjamin, e fazendo jus à prática de apropriação, trazer algumas anotações (uma

pequena mostra da “casa das máquinas” do trabalho) feitas por mim ao longo desses dois anos de pesquisa. Ei-las:

“Pucheu [um dos autores analisados]: procedimento. O poema impõe a imagem e o som”

“Legibilidade. ‘Não há nenhuma forma de não entender’ (p. 151 de Goldsmith). Sai de um público leitor para um que reflete”.

“ATENÇÃO. O que esse texto tende a promover é a despersonalização, afastamento da subjetividade do ‘eu criador’ (segue citação de Eliot)”

“Laddaga: uso da lógica do arquivo? Possibilidade de exposição do processo? Trabalho em cooperação? Ideia frágil da obra?” [recebido por email].

“Pensar os modos de produção entre a técnica e a literatura”.

“A partir da noção de ‘escrita não criativa’ (G, 2015), este trabalho pretende discutir a questão da autoria em algumas obras de literatura (brasileira?) do presente…” [Rascunho para um resumo]

“Anotação = produto da leitura do original de Borges / dispositivo disparador da potência imaginativa das narrativas” [trecho de um artigo]

“Poética da falta de originalidade. O que a internet tem a ver com isso?”

“Não é surpreendente, então, que alguns gêneros venham a ser conhecidos pelo software utilizado para criá-los e executá-los (HAYLES, p. 23)”

“Fala da ‘chegada’ dos elementos hipertextuais que, sobretudo a partir do final dos ’80, passam a aparecer na literat. analógica. Traz 2 leituras semióticas de obras. Estabelece o final dos anos 80 como começo do uso consciente desses recursos (Bom isso. Demarca bem com relação às obras que já tinham essa característica) [sobre um artigo lido]

“texto para ser lido. evitar citação”

“A escrita digital está mudando a cult. do livro”

“+ que comunicação, promove inovações na cultura”

“Quais os limites para a análise [de textos não criativos]?” [pergunta feita pela banca]
 
“Bourriaud: cultura do uso = artista não precisa criar” [anotação a partir de observação da banca]

“p. 12 – entre-lugar?” [idem]

“A internet está destruindo a literatura. E isso é bom” [KG, no tt, e título de um posts aqui do blog]