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Desafios críticos do teatro contemporâneo

Marília Costa

Créditos da imagem: Zula Cia de Teatro

No contexto da produção teatral do século XXI, percebe-se a presença de diversos espetáculos teatrais que acionam experiências traumáticas baseadas em episódios biográficos vividos por atores, diretores ou mesmo espectadores. Dramas familiares, doença e traumas como em Espontaneamente – genealogia da memória com a Cia. de teatro Improviso Salvador; abandono parental e estupro em Conversas com meu Pai de Janaína Leite; a experiência de viver nas ruas e a convivência com as drogas, a violência e prostituição e o abandono materno em Rosas no Jardim de Zula com a Cia. de Teatro; traumas ligados à escravidão como em Fonte de Cura (2021) dirigido por Denise Pedron e Fala (2021) que tem como tema o estupro. Esses são apenas alguns exemplos de produções que no contemporâneo desafiam a crítica especializada a repensar seus instrumentos e métodos de análise.

Um desses desafios está centrado na análise do modo como realidade e ficção disputam o espaço da cena contemporânea. Essa disputa pode ser percebida tanto no número de espetáculos nos quais atores representam suas próprias histórias no palco, como no biodrama, quanto também na própria dimensão espacial do teatro com o palco que se expande na direção da audiência, do público, que, muitas vezes, é convidado a participar mais ativamente da encenação compartilhando histórias pessoais como comentei em meu último post. Essas criações parecem estar mais preocupadas em examinar o território das subjetividades de si e do outro do que em se manter dentro de uma tradição de teatro dramático.

Por que tantas experiências pessoais e traumáticas estão sendo levadas para o palco do teatro que durante muito tempo foi um espaço próprio da ficcionalidade? Nas peças que mencionei acima, por exemplo, é comum encontrar parte do processo criativo dentro da cena, a presença de várias versões dos acontecimentos, comentários analíticos sobre os limites da representação. Será possível pensar que essa exposição da subjetividade autobiográfica no espaço da teatralidade pode apontar também para uma certa virtualidade, um certo modo de explorar o desconhecido desse mesmo sujeito que se dramatiza? E que consequências isso tem para a própria forma do teatro no presente?