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Posturas de autor

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: Claire Heggen, Théâtre du mouvement, Catherine et l’armoire, 1985. Mise en scène: Yves Marc.

Em textos anteriores aqui no blog venho pensando acerca da importância das redes sociais para a inserção e consolidação dos autores no campo literário. As redes sociais integram a esfera pública e mesmo autores que são refratários a elas, reconhecem seus efeitos (tanto os positivos, quanto os negativos) para a cena literária contemporânea. Portanto, neste texto quero continuar pensando nelas como espaço de observação das posturas autorais atuais.

Na esteira de Alain Viala, Jérôme Meizoz, em Postures littéraires: mise en scènes modernes de l’auteur vai definir o termo “postura” como uma maneira singular de o autor ocupar uma posição no campo literário. Segundo Meizoz a “postura” é algo comum a todos os escritores, mas não deve ficar limitada à análise dos elementos mais visíveis, gestuais ou superficiais da atuação de um autor como se se tratasse apenas de uma mise en scène intencional, [pois] longe de ser considerada um epifenômeno que afirma a midiatização recente e ultraja a literatura, a adoção (consciente ou não) de uma postura é constitutiva do ato criador.

Embora Meizoz afirme que a postura só é significativa se pensada em relação a três instâncias (a posição no campo, as opções estéticas e as condutas públicas), os exemplos com os quais trabalha faz pensar que a postura deriva de uma obra, configura-se primeiramente no texto. Assim, Houellebecq e Céline são dois autores citados como exemplos de posturas que se inscrevem primeiramente nos textos e que são expandidas para a atuação pública dos autores.

Mas no caso de autores que buscam a inserção e a consolidação de seu nome de autor no campo literário e que ainda não contam com uma obra consolidada e, considerando que as redes sociais funcionam como uma vitrine de exposição, divulgação e circulação dos autores e de suas obras, não seria possível pensar que a postura autoral pode se formar antes mesmo que um autor tenha publicado um conjunto de livros que possa ser chamado de obra?

A noção de “postura”, tal como pensada por Meizoz, pode me ajudar a pensar a inserção de Natália Timerman como autora na cena literária contemporânea. Timerman participa de muitas redes sociais ativamente. Sua presença oscila entre a divulgação de suas publicações e de participações em eventos de promoção de seus livros e certa abertura para a incorporação de notícias biográficas. É através das redes sociais da autora que podemos tomar conhecimento de sua relação com a crítica e com os leitores, das entrevistas concedidas, enfim de sua atuação pública na condição de autora, mas também de alguns dados pessoais e de informações sobre sua rotina privada. Muitas narrativas da autora exploram a relação dos personagens com as redes sociais e também é possível estabelecer uma aproximação biográfica entre as histórias vividas pelos personagens e a própria Timerman, em virtude de comentários de natureza mais pessoal feitos na rede pela própria autora. Essa dupla utilização das redes sociais (como tema da obra e para sua divulgação e também para exposição privada) me leva a pensar em uma postura ainda em construção, também indefinida, tanto na conduta pública, quanto na opção estética.

A tradição literária sempre considerou o autor um elemento externo ao texto. Mas o cenário contemporâneo da utilização das mídias sociais pelos autores não é um estímulo para pensar a construção de uma “postura” autoral concomitante (ou mesmo anterior?) a uma assinatura textual?

Performance, redes sociais e autoria

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: Metamorphosis (or evolution) – Esther Ferrer, 2005, 4 kusy, Gandy Galéria, Bratislava, foto: Damas Gruska.

Muitos autores atendendo a uma demanda atual se equilibram entre gerenciar suas imagens pessoais e profissionais nas redes buscando uma inserção ou manutenção de seu nome de autor e a circulação e a divulgação de suas produções. Esse pressuposto ajuda a pensar as estratégias discursivas que compõem as identidades autorais do século XXI.

Em março deste ano, minha pesquisa de iniciação científica completou seis meses.  O objetivo, já apresentado em postagens anteriores, é analisar as dinâmicas de construção de uma carreira autoral literária atualmente, tendo como foco a observação da performance da autora Natália Timerman em suas redes sociais e refletir sobre como os temas da exposição a essas redes estão presentes em sua obra. 

A partir de então, a pesquisa tem aprofundado as reflexões sobre as movimentações e interações intensas realizadas entre a autora e seus leitores/seguidores a partir do grande fluxo de postagens nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter), para observar a maneira como a identidade autoral de Timerman vai se construindo dentro e fora do texto.

Através do Instagram, em uma postagem de divulgação do seu texto O ghosting real que virou livro de ficção: o que é verdade em Copo Vazio, publicado na coluna semanal que Timerman escreve no site Uol, um comentário de uma leitora/seguidora tanto da coluna semanal quanto do livro Copo Vazio chama a atenção: “beijo pro Pedro que sumiu”. No texto Timerman explica um pouco sobre a recepção do seu romance e sua surpresa na insistência de leitores e crítica acerca da vida que supostamente estaria por trás da obra. Respondendo a essa demanda, Timerman, confirma o mote autobiográfico de Copo Vazio e afirma que de fato levou um “perdido”, tal qual a protagonista Mirela, e que Pedro tem características de um homem com quem se relacionou. O comentário feito nas redes ganha, então, em ambiguidade: a qual Pedro refere-se? Ao protagonista do livro ou ao suposto Pedro que está fora do texto?  A resposta de Timerman, por sua vez, dá uma outra camada ainda mais complexa para esta discussão: “rindo alto, quase marquei o Pedro real aqui”.

A proximidade inédita entre autor e leitor, proporcionada pelas dinâmicas das redes sociais, inflama também o interesse e a curiosidade sobre a vida dos autores e esse episódio ajuda a entender como a presença de muitos autores nas redes sociais é uma forma de responder ao desejo contemporâneo pela intimidade. Junto a isso, é inegável que as redes sociais e a exposição do autor na internet funcionam como instrumentos de profissionalização, já que a presença dos autores nas redes é uma forma de atuação para divulgar e promover suas atividades literárias. Timerman, como muitos outros, utiliza esse recurso para divulgar os textos publicados, as entrevistas concedidas.

Em outubro de 2022, em uma entrevista para o podcast Prazer, Renata cujo tema era O que é responsabilidade afetiva? NatáliaTimerman é apresentada como psiquiatra e  as perguntas sugerem que o convite está fundamentado no lugar de autoridade que essa profissão lhe dá para falar a respeito dos temas envolvendo relacionamentos amorosos. Mas é curioso observar a maneira como a autora tenta inserir e reafirmar, sempre que possível, ao longo de sua participação, sua condição de escritora, mencionando seu romance e comentando as atuações de seus personagens na história.

Se nos voltamos para sua obra, é possível pensar que Timerman toma como objeto de especulação uma lógica de funcionamento das redes, valendo-se de sua participação intensa no universo virtual como uma espécie de laboratório de criação, já que muitas narrativas expõem temas que exploram as redes sociais e refletem sobre comportamentos e efeitos do virtual em nossa subjetividade e em nossos afetos. A maior evidência desse procedimento está na forma como tematiza a reação de Mirela, personagem principal de seu romance, Copo Vazio, ao desaparecimento de seu parceiro depois do contato por um aplicativo de namoro. Na crônica Sem Tinder, só vida real: a história de um casal que poderia ter se amado, Timerman explora as possibilidades da vida longe das telas do celular. No conto Uma história real, publicado no livro Rachaduras,  a autoro tema reaparece para problematizar como as mediações das redes sociais, muitas vezes, são um obstáculo para a intensidade das relações na vida real.

Observando a atuação de Timerman em suas redes sociais, é possível dizer que, motivada pela demanda de seus seguidores, a autora arrisca-se mais à exposição pessoal, ao mesmo tempo que segue alerta – como fica claro, por exemplo no texto  O difícil equilíbrio entre exposição e recolhimento – refletindo sobre isso também na construção dos universos ficcionais de suas produções.

A autora apresenta-se nas redes, divulga suas obras, revela algo de sua rotina pessoal e elabora sua produção problematizando questões que implicam esse circuito de exposição e produção. Talvez a análise desse circuito possa ajudar a entender melhor uma performance própria à condição da autoria no presente e, por tabela, a desterritorialização do modo como pensamos a literatura hoje. 

Os meios técnicos e a literatura contemporânea

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Instagram” – Richard Prince, 2014, Galeria Courtesy Gagosian. Fotografia de Robert McKeever.

Flora Sussekind em Cinematógrafo de letras aborda a relação entre a história literária brasileira e os meios técnicos que passaram a “enformar” a técnica de muitos autores:  “Não se trata mais de investigar apenas como a literatura representa a técnica, mas como, apropriando-se de procedimentos concernentes à fotografia, ao cinema, ao cartaz, transforma-se a própria técnica literária”. Na esteira de Sussekind, Ana Claudia Viegas em “Escritas contemporâneas: literatura, internet e a ‘invenção de si’”, pensando no advento dos computadores e na interação entre literatura e internet, investiga: “quais as marcas deixadas pelo computador na escrita das últimas gerações?” Podemos apostar que a internet, sobretudo as redes sociais neste novo século, implica numa mudança de comportamento, na forma de fazer política, nas maneiras de escrever e ler literatura, da mesma forma que, a partir da década de 50, uma geração inteira teve seu imaginário forjado pela televisão.

Sem que este post tenha a intenção de aprofundar essas transformações, como faz Sussekind ao analisar inúmeras obras surgidas entre o final do século XIX e o começo do século XX, meu interesse principal é pensar a internet como suporte, como vitrine de exposição dos autores e suas obras e como meio de interação com os leitores. Sobre isso, já falei um pouco em minha postagem anterior.

Tendo escolhido Natália Timerman para analisar esse modo de presença dos autores nas redes, é possível afirmar que os leitores de Timerman podem acompanhar o processo de construção do livro que está sendo escrito, um pouco da vida pessoal da autora (ou ao menos o que ela seleciona para exposição), suas relações com outros autores e como vai forjando e fortalecendo afinidades apoiada na própria dinâmica das redes. Mas também me interessa investigar se é possível identificar uma mudança nos procedimentos de escrita, tal como faz Sussekind, analisando, por exemplo, as narrativas de Lima Barreto e sua relação com a linguagem do jornal. Inicialmente, posso afirmar que as redes sociais também migram para a obra da autora e estão no centro da reflexão que propõe sobre o comportamento dos personagens.

Em Copo Vazio, por meio da brevíssima relação entre Mirella e Pedro iniciada no Tinder e finalizada abruptamente por um sumiço, virtual e real de Pedro, podemos observar marcas da fluidez dos relacionamentos contemporâneos, Timerman questiona a percepção de visibilidade total oferecida pela internet e captura o fugidio e o efêmero desse nosso tempo através desses dois personagens que vão sendo construídos a partir do modo como se relacionam com os mecanismos da internet: “Todos os dias, quase todas as horas, Mirela entra na página de Pedro no Facebook atrás de atualizações, de notícias da existência dele. Será que está bem? Será que está vivo?”

Assim, podemos dizer que também a trama é construída com base em uma rotina a que os usuários dessas redes estão sujeitos:  “Entra de novo na página de Pedro no Facebook. Online!, ele está online. Escreve? Melhor não. Já não está mais online. Ainda bem que não escreveu. Da próxima vez, alguns minutos depois, lá está a bolinha verde: diante de alguma tela está Pedro, assim como ela, logo ali. Antes que se pergunte se deve ou não, escreve por mensagem: Pe, tentando muito falar com você. Ele visualiza e não responde”.

Timerman explora as redes sociais como tema de construção da sua obra e expõe comportamentos e efeitos do virtual em nossa subjetividade e em nossos afetos. Me parece, então, que a autora realiza com eficácia a representação da lógica das redes, mas seria possível afirmar que “transforma-se a própria técnica literária”? Essa interrogação também faz parte de minha pesquisa.

Autoria e construção de carreira literária nas redes

Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Fusion”, Ziqian Liu, 2020

Em meu post anterior, expus um pouco dos objetivos de minha pesquisa atual de iniciação científica. Durante os próximos 12 meses, pretendo analisar a relação entre a construção de uma trajetória autoral e a participação dos escritores nas redes sociais. Selfies, postagens de divulgação das obras ou participações em eventos, compartilhamentos de comentários de leitores e alguns detalhes do próprio processo de escrita criativa: essas são algumas das muitas facetas que podemos encontrar nos perfis de muitos e diferentes autores presentes nas redes sociais hoje.

Natália Timerman é a autora que passei a ler e a acompanhar virtualmente. Conheci a autora a partir da leitura de Copo Vazio, que é também  seu primeiro romance publicado por uma grande editora, a Todavia, em 2021. Atualmente, Timerman anunciou que está preparando a escrita de um novo livro com alguns elementos autobiográficos que se misturam ao ficcional. Em uma selfie postada na sua conta pessoal do Instagram, no dia 24 de setembro de 2022, a escritora Natália Timerman posa para câmera com olhar aparentemente sonolento e como legenda podemos ler o seguinte texto: “Eu entendi, tomando esse sol, na pausa da escrita do meu livro, que só vou conseguir dormir depois que terminá-lo, só vou conseguir acordar depois das 05:30 da manhã de novo depois que tiver colocado o ponto final. Só então deixarei de abrir os olhos de repente, pro escuro ainda, inquieta, com o livro inteiro na cabeça e no corpo”.

A reflexão sobre a rotina da escrita associada à foto da própria autora é um indício de como a busca por um certo equilíbrio entre a exposição da intimidade e a construção de um universo ficcional é uma preocupação que funciona não apenas como mote da produção literária, mas também da performance pública dos autores. Em sua coluna semanal para o site Uol, Timerman escreveu: “Por que postar? Por que refletir dessa forma, em público, com textos escritos no Instagram e não nas páginas do meu diário? Porque mostrar o rosto dos que amamos a quem não conhecemos, ou a quem conhecemos de longe, essas pessoas, os seguidores, que não partilham do nosso cotidiano? (…) Em que momento a declaração pública em um post virou uma espécie de medida de afeto, de garantia de apreço, de asseguramento de existência?”.

Ainda em outro texto, na mesma coluna semanal citada anteriormente, dessa vez sobre a ambiguidade entre o silêncio e a agitação inerentes ao ofício do escritor contemporâneo, Timerman diz: “(…) Para escrever –e também para ler– eu necessito não só de tempo, mas principalmente de silêncio. E por mais que eu goste do burburinho literário, de participar de debates, festas, lançamentos e conversas, literatura é quase sempre silêncio. Mas como é difícil dizer não”.

O silêncio e a quietude indicados como imperativo para a escrita parecem, no entanto, incompatíveis com o burburinho do movimento on-line. A interação, quase em tempo real com os leitores, facilita a comunicação e cria um fluxo próprio de informações e atuações, típico das dinâmicas interativas das redes. Na foto, postada em 7 de fevereiro de 2022, Timerman posa ao lado do companheiro e na legenda anuncia: “Outro dia fui procurar um texto meu na internet e, ao digitar meu nome, apareceu como uma das opções de busca do Google ‘Natália Timerman Marido’. É esse aqui, gente, o @eder_camargo, que vai ficar bravo comigo por fazer essa postagem, com quem amo dividir a vida, e quem me faz tomar as melhores decisões há exatos 6 anos”.

A observação dos movimentos no campo literário hoje sugere que a presença dos autores na internet funciona como uma forma de circulação importante para o nome do autor (em especial, para aquele que está se apresentando ao campo, publicando suas primeiras obras). Essa presença também sugere outros aspectos a serem observados: o modo como se dá essa auto-exposição, o modo como as redes funcionam como escritórios de promoção e autogerenciamento da própria imagem e da obra que vai sendo construída. Para minha pesquisa, observar esses movimentos significa interrogar como se constrói um autor hoje.