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André Sant’anna nasceu em 1964, em Belo Horite. Atualmente mora em São Paulo. É autor dos livros Amor (1998) , Sexo (1999) , O paraíso é bem bacana (2006), amor e sexo (2007) e Inverdades (2009).

Erotismo ordinário

Débora Molina

André Sant’Anna é, no contexto contemporâneo, um autor diferente. Afirmando estar em guerra contra o “escrever bem” ou contra o modo como a Literatura é comumente concebida, seus livros causam um desconforto imediato no leitor. Entusiasmada com os conceitos da teoria literária que vinha estudando, logo me perguntei pela literariedade do livro de Sant’Anna e decidi fazer dessa interrogação meu objeto de pesquisa.

Um dia qualquer, no ônibus, na viagem de volta para casa, fui lendo um conto que começava com a seguinte frase : “O Executivo De Óculos Rayban”. Sem muito estimulo para a leitura, o início do conto assim como o nome do autor, não me chamaram muito a atenção. A leitura de alguns parágrafos me deixou confusa sobre o conteúdo, havia muitas palavras sendo repetidas, muitos termos coloquiais e muitos, muitos palavrões. Após a leitura, um pouco chocada com o que acabara de ler, fiquei convencida de que tal conto era erótico, com um tom um tanto machista, mas ao conversar mais tarde com quem indicou-me a leitura, fui surpreendida com: “- não, ele não é machista, ele trata de uma relação sexual como ela é, “nua e crua”, sem flores, sem erotismo”.

Intrigada com a opinião, fui procurar mais informações sobre o autor e descobri que o conto fazia parte do romance Sexo que explora a obsessão contemporânea com os desejos, gozos e desprazeres da vida sexual cotidiana dos mais comuns dos mortais. Sant’anna escolhe falar sobre sexo da maneira mais explícita possível, mas isso não é capaz de despertar nenhum interesse sexual, pois o foco principal está na narração da vida sexual de personagens estereotipados. Através da repetição de termos, Sant’anna imprime a repetição do cotidiano, fazendo com que os nomes dos personagens, suas ações, as conotações sexuais presentes em todas as relações alcancem expressividade a partir do que parece não ter nenhuma expressão incomum (o sexo se repete, os nomes se repetem, a vida se repete), a não ser o fato de que nosso cotidiano parece permeado por uma sexualidade que marca todas as nossas ações.

A partir de então venho buscando informações sobre o autor a fim de configurar um ‘estilo André Sant’Anna de escrever’. Um bom contraponto para Sant’Anna é a apelação ao sexo que marca o mais novo sucesso editorial de nossas livrarias: Cinquenta Tons de Cinza. Em

setembro de 2012, o jornal Folha de São Paulo escolheu quatro autores para reescrever uma cena desse livro para uma coluna especial chamado “Ménage à 4”. Sugestivo, não?

André Sant’anna, um dos escolhidos para a releitura, conseguiu tonalizar o cinza para algo mais divertido e muito sarcástico. O trecho original registra a volta para casa do casal cinzento, cena que, claro, acaba em sexo. Ok, nada muito surpreendente para o gênero. Mas com o título “Um gosto podre na boca”, André Sant’Anna dá outra voz ao personagem Christian Grey de Ana Steele, desmascarando o tédio de uma vida de sexo, sem drogas ou rock’n roll:

“Que merda é essa? A gente já se conhece há mais de dez anos, já fez sexo em todas as poses pornográficas e ela ainda me envolve nessa conversa nada espontânea só porque não aguenta um silêncio de cinco minutos. Sou obrigado a responder qualquer coisa:

– Você me conhece melhor do que qualquer pessoa.

E pronto. Até poderíamos calar a boca por mais alguns minutos.

Mas não. Ela tem que falar, assim, de repente:

– Faça amor comigo.

Porra, mas a gente ainda nem jantou! E eu? Sabe o que eu digo?

– Boa menina”

O que André Sant’Anna parece fazer é levar ao extremo o apelo caricatural ao sexo presente nos mais banais espaços da nossa vida contemporânea.