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A narrativa digital

Por Elionai do Vale

A capacidade de contar histórias parece mais viva do que nunca hoje na era digital. Basta ver como os jogos de video game apelam a formas mais narrativas. A literatura no meio digital conecta autores, leitores, programadores, espectadores, webdesigner e estende-se a blogs, videoblogs, videogames, e-books, twitters.

Desse modo, pensar no processo de configuração da narrativa eletrônica, também chamada de narrativa digital ou narrativa interativa, é fundamental para se compreender o conjunto de ferramentas que constitui o modo de contar histórias hoje. Mas o que é narrativa digital?

Encontramos uma tentativa de caracterização no livro da pesquisadora americana Janet Murray, Hamlet no Holodeck. O futuro da narrativa no ciberespaço (2003).  Aí Murray aposta que o modo de contar histórias que nasce com os computadores é de natureza procedimental, isto é, uma obra procedimental é uma narrativa que apresenta regras e possibilidades para a ação do leitor a fim de pavimentar o caminho para um pacto imersivo de leitura.

A literatura contemporânea recente arriscou-se na narrativa digital a partir   do lançamento em papel e na tela do computador do livro-jogo de Simone Campos, Owned.  A proposta é que o leitor sinta-se como num jogo de vídeo game e assuma a identidade de André, personagem principal, fazendo as escolhas por ele (as opções dizem para você sair da página 85 e pular para a página 210 ou escolher entre pegar um amuleto, que vai ser incorporado à trama, ou optar por fazer com que o personagem ignore, por exemplo, um e-mail que recebeu).

Histórias imersivas nos transportam a mundos encantados, essa é uma caracteristica de toda ficção, personagens como o Sr. Darcy de Austen atravessaram séculos por sua compelxidade.  Mas nos ambientes digitais novas oportunidades ativam outras possibilidades para o estímulo da imaginação.  Acredita-se que a realidade virtual ofereça novo tipo de participação mais ativa do leitor.

A capacidade de manter ativo o leitor, que é tratado nas narrativas digitais como um interator, é apontada como fundamental ao caráter imersivo estimulado pelo ambiente Com a narrativa digital os leitores atuam literalmente para colocar em prática novas táticas narrativas, já que o interator tem a possibilidade, concedida por inúmeros procedimentos que orientam suas escolhas durante a leitura, de explorar  a aventura de descobrir novas trilhas na milenar arte de contar histórias.

Se investimos no estudo das narrativas digitais, percebemos que ela oferece novas possibilidades estéticas e abre novos horizontes para a investigação sobre a narrativa literária hoje.

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Um livro jogo.

Elionai do Vale

Simone Campos entrou na vida literária brasileira aos 17 anos com o livro No shopping, cuja narrativa é toda ambientada no interior de um shopping center, e logo chamou a atenção de muita gente. Mas eu quero comentar aqui, hoje, seu mais recente livro. OWNED – Um novo jogador é um livro-jogo, que foi publicado no formato impresso e também está disponível on-line. Essa experiência de leitura estopim do meu envolvimento com a narrativa digital

Você já empacou na leitura de um livro? Você tenta, tenta e nada. Foi o que aconteceu comigo quando li a versão impressão de Owned, o livro-jogo de Simone Campos. “Travei geral”, leitura chaaaaaaata, era como ter um  playstation 3 na versão manual impresso, mas essa impressão mudou quando comecei a jogá-lo na versão digital. A versão impressa não estimulou muito minha leitura e coloquei OWNED de lado, mas havia uma alternativa: jogá-lo. Isso mesmo caro leitor, jogá-lo!

A proposta é que o leitor sinta-se como num jogo de video-game e assuma a identidade de André, personagem principal, fazendo as escolhas por ele (as opções dizem para você sair da página 85 e pular para a página 210 ou escolher entre a 45 e a 32, por exemplo).   Mas cuidado, o galã não pode morrer de cara, ele tem que chegar ao final da narrativa com uma das sete meninas que acompanham o protagonista. E não é tão fácil assim, pois há 17 finais previstos. As escolhas feitas pelo leitor vão moldando o caráter do personagem: André pode ser o cafajeste ou o mocinho e numa lógica narrativa como essa é difícil encontrar um perfil psicológico desenvolvido para cada personagem como nos acostumamos a ler em Jane Austin ou Machado de Assis.

Em OWNED, a narrativa simula a dinâmica dos games, incorporando características do que vem sendo chamado de narrativa digital. Jogar o livro aguçou minha curiosidade para conhecer melhor a narrativa digital.  O ponto de partida da pesquisa que desenvolvo atualmente consiste em compreender as características dessa forma, como aparecem discutidas no livro Hamlet no Holodeck da pesquisadora inglesa Janet Murray.

Acredito que nossa forma de criar narrativas variou muito ao longo dos séculos. Gutemberg e sua invenção tipográfica deu outros formatos à nossa forma de narrar. Como narrar é inerente ao ser humano, uma boa história sempre terá lugar nos nossos dias, mas será que as novas tecnologias podem influenciar  nossa forma de contar histórias?