Allana Emilia
Créditos da imagem: frame de As praias de Agnès, filme de Agnès Varda (2008)
Na última releitura de As margens e o Ditado, percebi uma nova menção ao termo frantumaglia, que é muito utilizado tanto pela autora quanto por sua fortuna crítica. Ferrante comenta como o termo a assombrava toda vez que a mãe o utilizava para falar de si mesma, e como a associação dele com desordem causava a ela um imenso terror e mal-estar. Segundo Ferrante, por causa desse assombro, ela tenta transformar histórias em narrativas limpas, ordenadas, harmônicas, mas confessa que o que a leva a publicar é “uma energia que quer atrapalhar, desordenar, desiludir, errar, falir, sujar”.
Em frantumaglia ao comentar um trecho de O Inominável de Beckett, a autora afirma que a forma é a única coisa imprescindível na literatura, pois, para ela, a forma pressupõe limites seguros, tranquilidade frente a uma insegurança que se manifesta no eu que escreve. No entanto, ao comentar sua própria escrita, afirma associar-se “à tendência de usar estruturas tradicionalmente robustas, trabalhando-as com cuidado, enquanto esperava, paciente, começar a escrever com a verdade de que sou capaz, desequilibrando e deformando, abrindo espaço para mim mesma com todo o corpo”.
Victor Xavier Zarour Zarzar, um estudioso da obra da autora italiana, toma o romance de Dickens, Grandes esperanças, como um modelo de romance de formação e a compara com a maneira como Ferrante rompe com o gênero ao “desestabilizar as estruturas narrativas do romance de formação”. Essa é uma chave de leitura utilizada por boa parte da fortuna crítica sobre a produção da italiana que costuma referir-se aos livros da tetralogia da autora como romances de (de)formação.
Quando Ferrante afirma deformar as estruturas e abrir espaço para si, podemos pensar que ela também pode se referir ao processo de autocrítica que exerce sobre sua obra ficcional, ao construir e orientar uma reflexão a partir de sua perspectiva sobre formas de ler seu próprio texto. No entanto, até que ponto essa intervenção – da autora como crítica de sua própria obra- não constitui um fator de controle crítico que cerceia a especulação sobre seus livros é um questionamento que não pode ser perdido de vista.