Luana Rodrigues

Créditos da imagem: Metamorphosis (or evolution) – Esther Ferrer, 2005, 4 kusy, Gandy Galéria, Bratislava, foto: Damas Gruska.
Muitos autores atendendo a uma demanda atual se equilibram entre gerenciar suas imagens pessoais e profissionais nas redes buscando uma inserção ou manutenção de seu nome de autor e a circulação e a divulgação de suas produções. Esse pressuposto ajuda a pensar as estratégias discursivas que compõem as identidades autorais do século XXI.
Em março deste ano, minha pesquisa de iniciação científica completou seis meses. O objetivo, já apresentado em postagens anteriores, é analisar as dinâmicas de construção de uma carreira autoral literária atualmente, tendo como foco a observação da performance da autora Natália Timerman em suas redes sociais e refletir sobre como os temas da exposição a essas redes estão presentes em sua obra.
A partir de então, a pesquisa tem aprofundado as reflexões sobre as movimentações e interações intensas realizadas entre a autora e seus leitores/seguidores a partir do grande fluxo de postagens nas redes sociais (Facebook, Instagram e Twitter), para observar a maneira como a identidade autoral de Timerman vai se construindo dentro e fora do texto.
Através do Instagram, em uma postagem de divulgação do seu texto O ghosting real que virou livro de ficção: o que é verdade em Copo Vazio, publicado na coluna semanal que Timerman escreve no site Uol, um comentário de uma leitora/seguidora tanto da coluna semanal quanto do livro Copo Vazio chama a atenção: “beijo pro Pedro que sumiu”. No texto Timerman explica um pouco sobre a recepção do seu romance e sua surpresa na insistência de leitores e crítica acerca da vida que supostamente estaria por trás da obra. Respondendo a essa demanda, Timerman, confirma o mote autobiográfico de Copo Vazio e afirma que de fato levou um “perdido”, tal qual a protagonista Mirela, e que Pedro tem características de um homem com quem se relacionou. O comentário feito nas redes ganha, então, em ambiguidade: a qual Pedro refere-se? Ao protagonista do livro ou ao suposto Pedro que está fora do texto? A resposta de Timerman, por sua vez, dá uma outra camada ainda mais complexa para esta discussão: “rindo alto, quase marquei o Pedro real aqui”.
A proximidade inédita entre autor e leitor, proporcionada pelas dinâmicas das redes sociais, inflama também o interesse e a curiosidade sobre a vida dos autores e esse episódio ajuda a entender como a presença de muitos autores nas redes sociais é uma forma de responder ao desejo contemporâneo pela intimidade. Junto a isso, é inegável que as redes sociais e a exposição do autor na internet funcionam como instrumentos de profissionalização, já que a presença dos autores nas redes é uma forma de atuação para divulgar e promover suas atividades literárias. Timerman, como muitos outros, utiliza esse recurso para divulgar os textos publicados, as entrevistas concedidas.
Em outubro de 2022, em uma entrevista para o podcast Prazer, Renata cujo tema era O que é responsabilidade afetiva? NatáliaTimerman é apresentada como psiquiatra e as perguntas sugerem que o convite está fundamentado no lugar de autoridade que essa profissão lhe dá para falar a respeito dos temas envolvendo relacionamentos amorosos. Mas é curioso observar a maneira como a autora tenta inserir e reafirmar, sempre que possível, ao longo de sua participação, sua condição de escritora, mencionando seu romance e comentando as atuações de seus personagens na história.
Se nos voltamos para sua obra, é possível pensar que Timerman toma como objeto de especulação uma lógica de funcionamento das redes, valendo-se de sua participação intensa no universo virtual como uma espécie de laboratório de criação, já que muitas narrativas expõem temas que exploram as redes sociais e refletem sobre comportamentos e efeitos do virtual em nossa subjetividade e em nossos afetos. A maior evidência desse procedimento está na forma como tematiza a reação de Mirela, personagem principal de seu romance, Copo Vazio, ao desaparecimento de seu parceiro depois do contato por um aplicativo de namoro. Na crônica Sem Tinder, só vida real: a história de um casal que poderia ter se amado, Timerman explora as possibilidades da vida longe das telas do celular. No conto Uma história real, publicado no livro Rachaduras, a autoro tema reaparece para problematizar como as mediações das redes sociais, muitas vezes, são um obstáculo para a intensidade das relações na vida real.
Observando a atuação de Timerman em suas redes sociais, é possível dizer que, motivada pela demanda de seus seguidores, a autora arrisca-se mais à exposição pessoal, ao mesmo tempo que segue alerta – como fica claro, por exemplo no texto O difícil equilíbrio entre exposição e recolhimento – refletindo sobre isso também na construção dos universos ficcionais de suas produções.
A autora apresenta-se nas redes, divulga suas obras, revela algo de sua rotina pessoal e elabora sua produção problematizando questões que implicam esse circuito de exposição e produção. Talvez a análise desse circuito possa ajudar a entender melhor uma performance própria à condição da autoria no presente e, por tabela, a desterritorialização do modo como pensamos a literatura hoje.
Pingback: Máscaras e poses na contemporaneidade literária | Leituras contemporâneas - Narrativas do Século XXI