Luana Rodrigues

Como mencionei no post anterior, atualmente estou interessada em analisar a performance pública de autores que tentam inscrever seu nome e sua obra na cena literária atual, considerando como leitores e crítica se comportam diante da importância que a figura autoral assume no presente. O apelo ao autobiográfico e o autogerenciamento da própria imagem nas redes são recursos dos quais os escritores têm lançado mão e são indícios da importância que o tema da autoria assume para a teoria hoje.
Minha investigação vai se concentrar em traçar um panorama da trajetória de construção da carreira literária de Natália Timerman, que publicou seu primeiro romance, Copo Vazio, em 2021. Aí, ela explora uma série de temáticas próprias a nosso presente, como o ghosting (de ghost, fantasma), um comportamento que surge nas redes sociais e se caracteriza pelo “sumiço” de alguém com quem se construiu uma relação por meio dos aplicativos de relacionamentos.
Em Copo Vazio, acompanhamos a história de Mirela, uma jovem arquiteta bem sucedida que, por incentivo de sua irmã, utiliza um aplicativo de namoro por meio do qual encontra Pedro, um jovem doutorando de ciências políticas. Durante três meses tudo parecia correr bem até que num dia qualquer, sem aviso algum, Pedro some: “Um dia ele tá lá, no outro — puf, um passe de mágica — sumiu, e ficam os resquícios, os livros que tavam comigo, uma camiseta velha no armário, como se fossem provas, como se precisasse ter provas de que ele realmente existiu na minha vida, porque eu mesma passo a duvidar”. O ponto de vista é sempre da protagonista, o que leva o leitor a uma imersão na atmosfera psicológica de Mirela e no vazio deixado pelo “fantasma” de um relacionamento sem ponto final. Mergulhamos, segundo Fabiane Secches, “nas profundezas de suas carências e projeções, de seus temores mais íntimos”.
Mas o que me interessa comentar é o fato de que a maior parte das análises, resenhas e entrevistas sobre o livro de Timerman se concentra sobre o tema do ghosting ligando-o à vida pessoal da autora, aproximando o drama de Mirela, a personagem, à própria Timerman, ainda que não haja qualquer indício na obra que pudesse supor algum traço autobiográfico no romance.
Como resposta a essa aproximação entre a ficção e a autobiografia, Timerman escreveu um comentário na sua coluna semanal para o site Uol intitulado “O ghosting real que virou livro de ficção: o que é verdade em ‘Copo Vazio’” no qual relata sua resistência inicial ao que chama de “demanda incessante pela intimidade de um eu”: “Copo Vazio é um livro de ficção, sobre uma personagem que não existe. Eu acho graça que já tenha sido chamada de Mirela algumas vezes, em debates, lives, conversas sobre o livro; acho graça também que o que eu inicialmente quis esconder, que havia de fato levado um perdido, tenha saído em manchetes através da palavra autobiográfica.”
É interessante perceber como a reflexão de Timerman afasta a simplificação de ler a “verdade” por trás da ficção, mas, ao mesmo tempo, confirma o mote autobiográfico da narrativa. Essas voltas em torno do autobiográfico não deixam de ser uma forma de alimentar o desejo contemporâneo pela intimidade, em especial porque é a própria autora que é demandada a falar em entrevistas de divulgação do livro, expondo-se “fora da obra” para estabelecer diálogos com a recepção. Essa atuação dos autores junto a suas obras merece mais atenção do que a mera crítica negativa a tais posturas e é essa atuação que interessa a minha investigação.