O que eu Diria: um breve relato sobre a inquieta produção contemporânea.

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Débora Molina

Nos dias atuais é quase impossível encontrarmos alguém que não use o computador, não tenha acesso à internet e não tenha uma conta em alguma rede social. É muito provável que ao encontrarmos alguém que há muito não víamos, nossa conversa seja encerrada com um: “Me adicione no facebook” ou “você tem Whatsapp?”.  Essas são só pequenas ilustrações sobre como a tecnologia mudou nossas vidas… há 10 anos atrás, a única opção de reatar alguns laços distantes eram os contatos marcados de canetas nas nossas agendas telefônicas.

Se a tecnologia parece ter mudado nossa concepção de tempo e de relação pessoal, entre tantas outras coisas, porque não levarmos em conta que esta mesma tecnologia possa estar modificando o campo das artes?

Pois bem, as veias cyber cinéticas pulsaram no campo literário brasileiro. No final de 2013 um curioso aplicativo chamado What would i say? Se popularizou no mundo das letras. O bot (robô) é um aplicativo que escreve frases a partir da escolha aletória de palavras retiradas do nosso histórico de conversas e postagens do facebook. Geralmente, a brincadeira com o bot gera frases bastante criativas, como no exemplo abaixo:

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E, justamente por essa criatividade acidental, o bot virou ferramenta de escrita de alguns poetas e escritores brasileiros. Como no caso de Ismar Tirelli Neto que declarou para o caderno literário do O globo Prosa & Verso que o bot era um eco distorcido de sua própria voz, já que tornou sua escrita algo mais inventivo do que a postagem original. Embora o bot demonstre ser um recurso interessante para novas perspectivas da literatura brasileira contemporânea, o aplicativo é visto como algo que soa como brincadeira, coisa que não deve se misturar com Literatura, que é coisa séria.

Em dezembro de 2013 o caderno Prosa & Verso do jornal O globo publicou um artigo chamado ‘literatura do acaso: as experiências com o bot What would i say’. Escrito pelo jornalista e também escritor de literatura brasileira contemporânea Bolívar Torres, o artigo traz a discussão sobre o uso do bot na produção literária contemporânea, e a reflexão sobre as concepções já inscritas no campo como identidade autoral e escrita literária.

Para o professor Frederic Coelho (PUC – Rio), o aplicativo causa o esvaziamento do autor, pois entende que o bot escreve novas sentenças a partir do que o autor já escreveu, o autor não é o escritor do discurso, isso é mérito do aplicativo. Argumenta ainda que o recurso é só um remix das palavras, o ‘recorta e cola’, parecido com o poema dadaísta do início do século XX.

Muitos autores utilizaram o aplicativo para fazer literatura, como no caso de Victor Heringer, que escreveu o poema “bot-macumba” que pode ser lido por meio do vídeo disponibilizado pelo site da Globo vídeos:

http://oglobo.globo.com/videos/v/victor-heringer-le-o-poema-bot-macumba/3015223/

Heringer defende que:

Cada geração tem seus meios de arejar a linguagem — diz Heringer. — Dispor palavras embaçadas de modo a ganharem vida nova. Ao misturar nossas próprias palavras, o bot coloca ainda outro problema: quão parecidos somos com o robô que fala? O quanto essas “nossas” palavras rearrumadas expressam o “nosso eu”? É uma questão esquisita para a literatura, até hoje considerada, em grande medida, expressão da alma. Dependendo das respostas dadas às perguntas acima, poderíamos muito bem concluir que a alma do homem é algorítmica. Ou, como Tzara e os dadaístas, melhor seria transitar nessa fronteira cada vez mais confusa entre

Heringuer apresenta uma discussão pertinente: Nossa subjetividade está cada vez mais entrelaçada ao mundo virtual, estamos conectados o tempo todo com nossos aplicativos para fotos, vídeos, características de humor, etc. Se o mundo e as relações estão mudando com a tecnologia, porque não pensar que a literatura também esteja caminhando para além do mundo do livro, do mundo impresso, para um mundo em expansão?

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2 Respostas para “O que eu Diria: um breve relato sobre a inquieta produção contemporânea.

  1. Texto interessantíssimo, Débora! Após a leitura, por sinal bastante divertida, fiquei pensando o quanto a autoria vai sendo colocada em xeque na medida em que o processo de criação (e consequentemente as subjetividades) também passa por transformações.

    Nesse sentido — e pensando mais estritamente em minha pesquisa –, enxergo a importância de estudar o autor enquanto escritor e como se faz válida a aproximação da ficção com a teoria para lançar um olhar sobre o Campo.

    Ab!

  2. Pingback: “What would i say?” no campo literário | Impressões Temporárias

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