Nome próprio, nome de autor

Nivana Silva

Equilibrium - Tim Head - 1975

Créditos da imagem: Tim Head – Equilibrium (1975)

Nomear, conferir um nome a alguém ou a algo, é uma forma de identificação e de referência, sobretudo no caso dos nomes próprios dos seres humanos, que designam e particularizam quem é nomeado, estabelecendo um vínculo específico entre o nome e seu portador. No âmbito da literatura, lidamos, constantemente, com o surgimento, a propagação, a repetição e até mesmo o apagamento de muitos nomes próprios associados a obras literárias, caso em que, para além de um nome próprio, somos colocados diante de um nome de autor.

Em sua famosa conferência “O que é um autor?”, Michel Foucault afirma, a título de exemplo, que uma carta privada possui um signatário, mas não um autor, isso porque pondera que um nome de autor não é um nome próprio como os outros, ou seja, seu funcionamento está imbricado a discursos (não se tratando de um discurso cotidiano, como ressalta o francês), que detêm certo estatuto e devem ser recebidos de determinada maneira em uma sociedade. Sendo assim, poderíamos dizer que um nome de autor estaria entrelaçado a certos tipos discursivos de caráter singular, remetendo, na literatura, a traços de identificação, presentes na obra, que contribuem para construir uma assinatura.

Comumente, esses traços que permitem identificar uma assinatura literária são relacionados a procedimentos de escrita, que estão disseminados, de modo particular, nos textos atrelados a nomes de autores, quer dizer, configuram marcas que se referem a um sujeito autoral, permitindo identificá-lo, especificamente, e distingui-lo em meio a outros nomes. De certa forma, é desse entendimento que parte a reflexão do crítico português Abel Barros Baptista em A formação do nome (2003), quando advoga que na inscrição de um nome de autor ocorre, simultaneamente, a alusão àquele que assina e à sua obra, fazendo emergir o que nela se repete e/ou o que a torna única, ou ainda, em outras palavras, o que nela faz apontar para um determinado autor e não para qualquer outro.

Vale ressaltar que a argumentação de Baptista se desenha de maneira a restringir a obra (e a formação do nome) ao texto literário, isto é, às manifestações escritas assinadas por um autor, questão que parece ser revista na literatura contemporânea. Nesse sentido, tenho apostado na hipótese de que a construção de uma assinatura, dizendo respeito a um nome próprio e, mais do que isso, a um conjunto de marcas identificatórias atinentes à autoria, transpõe os limites do “dentro” do material textual.

O que quero afirmar é que em um contexto no qual o autor está propenso a se envolver com a mídia e manter uma comunicação pública, como um modo de se engajar na “vida real” e de seduzir uma audiência maior (como trouxe em outro post), temos um sujeito que se dispõe, intencionalmente, a atuar não só no texto – quando, por exemplo, cria personagens homônimos, ou fragmenta sua voz autoral em múltiplas personas– mas também no engendramento de um eu, que transita também fora do material textual,  que cria e influencia as interpretações e especulações críticas vindas do público leitor (abarcando também uma parcela ampla e indistinta oriunda da Internet), cujo papel pode ser determinante para a formação do nome de autor e de sua obra.

Não posso deixar de mencionar, nesse cenário, o nome de Ricardo Lísias, que remete não somente ao sujeito que assina os romances (?), mas à performance do autor nas redes sociais, à sua atuação marcante como divulgador do próprio trabalho e, é claro, aos imbróglios jurídicos e políticos, que atravessam a sua literatura. Esse conjunto de traços que ultrapassam o texto, amalgamados ao próprio material textual (que, de maneira recorrente, lança mão do “fora”), é relacionado, quase de imediato, ao nome de Lísias, permitindo que identifiquemos e façamos referência ao seu nome de autor para além dos limites das manifestações escritas e da assinatura impressa na capa dos livros.

 

 

 

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2 Respostas para “Nome próprio, nome de autor

  1. Sem prejuízo do proposto aqui, como poderíamos pensar o “nome do autor” em tempos de produções coletivas, como em fanfics e app’s que, de forma colaborativa, produzem obras?
    Lúcida, Nivana. Abraço.

    • Oi, Sérgio. Grata pelo comentário. Acho que antes de pensarmos no “como”, precisamos nos perguntar se é possível falar em “nome de autor”, tal como traz Foucault, em um contexto onde não há, efetivamente, um sujeito autoral “por trás da obra”, como no caso das produções colaborativas mencionadas por você. Creio que não se trata de tomar “ipsis litteris” a terminologia foucaultiana, relida por Baptista, para tratar do contemporâneo e de suas expressões literárias. No post, tento problematizar essa questão a partir do meu objeto de estudo, pois argumento que, na concepção de Foucault e do crítico português, o entendimento de nome de autor está vinculado à obra enquanto manifestação escrita, o que me parece ser alvo de revisão hoje, já que muitos autores inscrevem seu nome/sua assinatura para além do material textual. No caso das fanfics e apps, um dos questionamentos mais caros diz respeito à autoria, inviabilizando, acredito, que falemos em “nome de autor” como entendido na modernidade, porque não há um único autor responsável pela “obra”. A noção, portanto, é insuficiente para ler o objeto teoricamente, o que não quer dizer que se trata de prescindir totalmente dela (uma vez que falamos de uma tradição muito arraigada), mas de compreender que os objetos citados requisitam uma abertura e mobilizam outras questões (relativas, por exemplo, às plataformas de publicação, a um suposto descentramento da autoria, ou à própria ideia de “gênio não original”, como trazida por Perloff). Parece que o contemporâneo nos coloca constantemente nesse “entrelugar”, pois não dá para partir do zero e criar novos conceitos e, ao mesmo tempo, é improdutivo impor um modelo moderno para pensar esses “frutos estranhos”.

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