Por Nivana Silva
Créditos da imagem: Escape into reality (What does a painting think?)” – Michal Trpák, 2007
Na reflexão sobre o “design de si”, desdobrada aqui no blog por Luciene Azevedo, chama atenção o tratamento do que Boris Groys considerou como “produção de um efeito de visibilidade”, vinculado à maneira como muitos artistas do contemporâneo constroem o seu “eu público”, a sua “autopoética”. Esse movimento – também atinente à “possibilidade de o artista transformar-se em obra”, como argumentado no post – parece apontar para outras formas de pensarmos a autoria, questão que não deixa de estar relacionada ao modus operandi de muitas expressões literárias da contemporaneidade.
As mudanças quanto à noção de autor no decorrer da história dizem respeito, dentre outras coisas, às modificações do que se entende por literatura. Sobre esse aspecto, há um interesse hoje na discussão sobre o deslocamento da arte em direção a outros campos e a novas configurações, o que, no caso do literário, conecta-se à ideia de pós-autonomia da qual Josefina Ludmer lança mão, sinalizando a fratura nas delimitações modernas entre ficção e realidade, autor e narrador, arte e não arte.
Trata-se, então, de um cenário que, além de não ter as fronteiras tão definidas como eram antes, relativiza a demanda da autonomia estética, tão cara à modernidade, colocando em evidência o produtor da obra, figura que, no contemporâneo, segundo Groys, está pronto para se envolver com a mídia e manter uma comunicação pública, como um modo de se engajar na “vida real” e de seduzir uma audiência maior. Vemos, assim, um sujeito autoral que se dispõe a atuar não só no texto – quando, por exemplo, cria personagens homônimos, ou registra a experiência do vivido, complicando a separação entre realidade e ficção – mas também na construção de um eu público, que transita fora do material textual e influencia as interpretações e especulações críticas em torno do seu nome de autor e de sua obra.
Estou sugerindo com isso que outros protocolos de leitura, diferentes dos da modernidade, são acionados diante do que pode ser chamado de “obras autopoéticas”. Atribuir-lhes sentido exige do leitor um exercício que extravasa os contornos da verossimilhança e da suspensão da descrença – o aceitar o trabalho da ficção como internamente verdadeiro – porquanto essas obras jogam com elementos que se encontram exteriores ao universo artístico/literário e que estão amalgamados à instância autoral. Em outras palavras, o pacto de leitura demanda uma negociação que extrapola os limites do texto, pois só ele não parece ser suficiente para o entendimento de um trabalho “autopoético”.
Logo, a análise da arte contemporânea com foco no produtor e não no consumidor, conforme sugerido pelo filósofo alemão e comentado por Azevedo, me faz pensar que esses protocolos de leitura e o papel do público podem ser determinantes para a construção do nome de autor. Longe de parecer contraditório (já que o foco é no produtor) e de direcionar os holofotes para o espectador, o que quero afirmar é que as interpretações e especulações críticas sobre a obra são impactadas, sobremaneira, pela produção de imagens, pelas tomadas de decisões, pela performance, em suma, pelo modo como uma “autopoética” autoral, se podemos falar assim, é forjada.
Colocando em xeque a autonomia do fazer literário e as categorias, até então sólidas, da literatura e de seus entornos, o autor da cena atual também contribui para diluir uma suposta identidade estável por trás de seu nome, apesar de estar mais presente e ativo do que nunca.
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