Arquivo da categoria: Gustavo Carvalho

Autoficção: uma abertura para a aventura do eu

Gustavo Carvalho

Créditos da imagem: Shane Kell, https://www.pexels.com/photo/photo-of-gray-sneakers-1554613/

Na paisagem literária contemporânea, a autoficção pode significar uma opção para explorar territórios emocionais e reimaginar experiências. Ao mesclar elementos da própria vida com a liberdade criativa da ficção, os autores encontram uma janela única para lidar com a investigação sobre a subjetividade.

Ao mergulhar em suas próprias vivências, os autores têm a oportunidade de dar voz a emoções e eventos que muitas vezes resistem à articulação verbal. Por meio da autoficção, os escritores podem explorar, por exemplo, a complexidade do trauma provocado por perdas pessoais, mas que também podem ser compartilhadas.

No entanto, a autoficção não se limita a apenas recontar eventos passados, mas também é um exercício para reimaginar e reinterpretar essas experiências à luz do presente. Assim, é possível entender essa prática como uma plataforma para abordar temas delicados e experiências traumáticas, oferecendo, portanto, uma perspectiva problematizadora da centralidade que a primeira pessoa ocupa no contemporâneo. Ao mesclar elementos de realidade e ficção, os autores têm a liberdade de experimentar a si mesmos a partir de diferentes perspectivas e tornar mais complexa e porosa a noção de identidade.

Mesmo contrariando a posição da autora, acho que é possível explorar que as produções de Annie Ernaux, vencedora do prêmio Nobel em 2022, reimaginam experiências pessoais e coletivas através de uma lente autoficcional. Mas cabe observar que, ao abordar temas delicados como o trauma, como faz, por exemplo Ernaux, ao expor o aborto que realizou, os autores correm o risco de serem mal interpretados ou de causarem desconforto aos leitores. No entanto, essa é precisamente a natureza desafiadora da autoficção: ela nos convida a confrontar verdades desconfortáveis e a explorar territórios emocionais complexos que muitas vezes são negligenciados em nosso cotidiano em virtude, por exemplo, do culto à felicidade geral nas redes sociais.