Luana Rodrigues

Créditos da imagem: “Decomporsi per ritrovarsi”, 2023 – Laetitia Farellacci (self-portrait artist), www.diluceeombra.com
No post anterior comentei um pouco sobre a atuação de Natália Timerman nas redes sociais e uma performance própria à condição de autoria no presente. Neste texto quero, portanto, continuar utilizando a presença de Timerman, tanto dentro quanto fora das obras que produz.
Em A máquina performática: a literatura no campo experimental, Aguilar e Cámara vão se debruçar sobre dois termos, a “máscara” e a “pose”, para pensar o que chamam de “dispositivos da modernidade literária”. Com base nas reflexões de Antonio Candido sobre as “máscaras” criadas pelos escritores românticos, os autores referem-se aos elementos de textualidade ou elementos discursivos, à assinatura textual que é construída como projeção da obra, que é pensada como uma performance que envolve, para além da criação textual, os gestos, as imagens, os trejeitos e toda corporeidade que marca a presença do autor na cena pública. A essa performance os autores chamam “pose”, com base na reflexão da crítica argentina Sylvia Molloy.
O exemplo comentado por Aguilar e Cámara é o do escritor Paulo Leminski. Segundo os críticos, o “caráter de poeta maldito e erudito ao mesmo tempo” foi alimentado pelo próprio Leminski através de suas produções, mas também, porque era uma figura bastante midiática, “fez um efetivo desenho de sua pose, que a canonização retrospectiva de sua obra continuou utilizando depois de sua morte”. Como exemplo a fixação de sua imagem representada pelo grande bigode, que em 2013 estampou a capa de uma das reedições de sua poesia completa publicada pela Companhia das Letras: “Esse bigode basto parece encarnar o signo de uma vida exuberante que combinou o excesso e a tragédia, mas também uma espécie de assinatura singular para uma produção singular”.
Mas como pensar esses “dispositivos”, hoje? Natália Timerman já tem uma assinatura autoral? Se consideramos que desde os anos 2000 há uma exigência cada vez maior da presença física do escritor nos espaços literários e também da sua presença virtual nas redes sociais, podemos arriscar que isso resulta em um impacto que torna mais complicadas as relações entre o que está fora e dentro do texto? Seria possível separar tão claramente os elementos textuais, a assinatura da obra, o que Candido e Aguilar e Cámara chamam de “máscara”, da “pose” de uma performance autoral que se constrói por meio da intensa presença dos autores junto à sua obra nos espaços públicos da cena literária contemporânea?
Minha pesquisa vem tentando refletir sobre o entrelaçamento desses dispositivos, a máscara e a pose. Um forte indício de que vale a pena aprofundar essa discussão diz respeito ao fato de que a “pose”, a atuação de Timerman em suas redes sociais, é também motivo de reflexão sobre como a convivência com o virtual impacta nossa subjetividade hoje na própria obra, já que muitos contos-crônicas e seu romance, Copo Vazio, propõem pensar a dinâmica das redes.
Mas não apenas isso. Se pensarmos que hoje a circulação da imagem do autor ganha quase tanto espaço quanto o comentário sobre sua obra, é interessante observar como Timerman vai criando uma identidade visual ou uma “pose”, segundo o uso que Aguilar e Cámara fazem do termo. Destaco em especial as fotografias registradas pela profissional Mariana Vieira (encontradas no catálogo do site dela) que se apresenta como “curator, visual explorer, creative strategist”. Em muitas fotos, a imagem de Timerman aparece borrada, a autora está de braços cruzados, ora olhando diretamente pra câmera, ora de olhos fechados. Essa ambivalência entre o esconder e o mostrar, entre a sessão de fotos para promoção da imagem e fotografias que driblam a transparência do “apenas” mostrar, está presente também no modo como a autora lida com a exposição de sua vida nos textos publicados, como já comentamos aqui no blog e me estimula a aprofundar a investigação sobre os intensos trânsitos entre o dentro e o fora do texto na construção de uma trajetória literária.