A realidade e a representação no teatro contemporâneo

Marília Costa

Créditos da imagem: Rosas no jardim de Zula

Em minhas pesquisas recentes sobre a autoficção no teatro contemporâneo tenho percebido a importância do teatro documentário, das biografias e da participação de não atores nas produções teatrais do presente, fatores importantes para a incidência cada vez maior do real na cena teatral. A exemplo de espetáculos como Conversas com meu pai de Janaina Leite, By Heart de Tiago Rodrigues e Rosas no jardim de Zula de Talita Braga. A partir disso, surge o questionamento, até que ponto é possível manter a separação entre a representação e a “realidade” imediata no palco? Uma não está irremediavelmente imbricada na outra?

O espetáculo Stabat Mater de Janaina Leite apresentado na MITsp em 2019, tem como ponto de partida o texto teórico Stabat Mater (em latim, estava a mãe), da filósofa e psicanalista Julia Kristeva. O espetáculo tem o formato de uma palestra performance sobre o feminino, aludindo à história da virgem Maria, e tematiza o apagamento da presença da mãe no espetáculo anterior Conversas com meu pai. No palco, além de Janaina Leite também está presente a mãe da atriz e a figura de Príapo, interpretada por um ator pornô. Temas como sexualidade e maternidade são articulados a partir de uma pesquisa ampla sobre o “real” e o teatro. Small (2019), ao comentar a peça de Janaina Leite, pontua que “as oposições verdadeiro/falso e realidade/ficção enquanto valores que se excluem mutuamente já não parecem tão importantes. A noção de verdade neste trabalho é mais complexa e amadurecida.”

Espetáculos como o de Janaina Leite utilizam a estratégia cênica que coloca em jogo o debate da realidade através da ficção e da teatralidade e vice-versa. Desse modo, o espaço híbrido entre o documental e a ficção tão presente e discutido na literatura pode ser pensado também no teatro. Nesse contexto, o real e o ficcional atuam como lados de uma mesma moeda, logo, complementares e não mais opostos entre si. Esse realojamento do lugar da ficção e da realidade é importante para pensar conceitos como o da própria ficção e realidade, o de teatralidade, o de artifício e o de performance.

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