Elena Ferrante, a narrativa e suas personagens

Allana Emília

Créditos da imagem: Arpad Szenes, Le couple (1933)

Na reta final da iniciação científica, participei de dois cursos on-line cujas ementas contemplavam uma discussão sobre a produção da escritora italiana Elena Ferrante. A participação foi muito positiva: é sempre revigorante encontrar espaços para discutir o que nos interessa, em especial com pessoas que também se dedicam ao mesmo objeto de estudo. Muitas das discussões me auxiliaram a pensar determinados aspectos da escrita de Ferrante, o que colabora para o meu desejo de continuar a investigação sobre a autora no mestrado.

 Em “Leituras sobre Elena Ferrante”, curso organizado por Fabiane Secches e pela Revista Deriva, muitas das leituras coincidiram com aspectos que eu havia investigado. Foi revigorante perceber o afeto dos participantes no investimento de leitura e comentário da obra, o que justifica a tão falada “Febre Ferrante” que se seguiu ao lançamento dos livros da tetralogia. Muitos dos comentários feitos por Secches e por Camila Dias, que também participou da discussão, exploraram a repercussão que a obra de Ferrante teve mundo afora.

Temas recorrentes na discussão sobre a obra apareciam comentados a partir de impressões de leitura, mas também calcados na pesquisa acadêmica, o que pode ser tomado como evidência do impacto que as obras de Ferrante tiveram tanto na academia quanto no público mais amplo. A relação de amor e ódio entre Lila e Lenu, uma dinâmica complexa da exposição narrativa, a visão não idealizada sobre as relações entre mãe e filha foram alguns dos tópicos que dominaram as conversas.

Já em “Encontros entre Autobiografia e Ficção”, um curso promovido pelo Espaço Cult ministrado por Natalia Timerman, cujo projeto de tese de doutorado explora as narrativas de Ferrante, a relação especular entre Lila e Lenu foi um dos pontos que mais me interessaram porque um dos resultados de minha pesquisa de iniciação científica foi a investigação sobre a maneira como a trajetória das duas personagens tem reflexos na forma da construção narrativa.

Enquanto Lenu parece percorrer o caminho mais tradicional de ascensão social e financeira, Lila segue um caminho próprio, desestabilizando a ordem que Lenu, a narradora, quer dar às duas vidas que conta. Um episódio pode ser tomado como disparador dessa espécie de paralelismo de trajetórias ao mesmo tempo tão próximas e tão distantes: a compra e leitura do romance Mulherzinhas, em que as meninas passam a enxergar o estudo e a escrita literária como uma saída para a vida no bairro:

“Quem nos ouvia achava que a riqueza estivesse escondida em algum canto do bairro, dentro de arcas que, ao serem abertas, chegavam a reluzir, só à espera de que as descobríssemos. Depois, não sei por que, as coisas mudaram e começamos a associar o estudo ao dinheiro. Pensávamos que estudar muito nos levaria a escrever livros, e que os livros nos tornariam ricas” (FERRANTE, 2015, p.63)

O impacto que a leitura da obra de Louisa May Alcott causa nas meninas reverbera por toda a narrativa, influenciando as escolhas das personagens e os eventos que se desdobram à medida  que acompanhamos a transformação de ambas. Lenu segue na escola, torna-se escritora reconhecida. Já Lila acaba por escrever um livro infantil não muito tempo depois da leitura de Mulherzinhas, mas não apenas não segue com os estudos, como assume o casamento com Stefano e também os negócios do marido, para depois, mais tarde, abandonar tudo, sem nunca, de fato, se afastar do bairro. Assim, é a habilidade de Ferrante em manejar a trama que permite a criação de um mundo que contém e afirma ambas as formas: a organização vigilante de Lenu, a escritora, e a fratura, o enigma que Lila representa, o “fantasma exigente” da história.

Se a obra assume um tom reflexivo e o explora ao lado de recursos mais populares como a utilização dos ganchos, a grandiloquência e a dramaticidade de muitos episódios, isso pode ser associado ao fato de que assumindo o papel de narradora, Lenu se dá conta do pouco que sabe sobre Lila e, então, a partir daí, seu objetivo de “dar ordem ao caos”, como observa Olivia Santovetti, resulta para os leitores uma experiência emocionante de leitura.

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