Machado de Assis e Afrodescendência

Samara Lima

A criação de Deus – Harmonia Rosales – 2017

Nas últimas semanas, circulou pela internet uma nova versão de uma foto bastante conhecida de Machado de Assis. A recriação da foto clássica do autor faz parte de uma campanha promovida pela Faculdade Zumbi dos Palmares intitulada Machado de Assis Real. Tal iniciativa visa inscrever uma “errata histórica feita para impedir que o racismo na literatura seja perpetuado”. A foto de Machado de Assis real valoriza seus fenótipos negros e o tom da sua pele que, por muitos anos, principalmente nos livros didáticos de literatura, foram retocados para maquiar sua origem afrodescendente, já que “entre os textos consagrados pelo cânone literário, o autor e autora negros aparecem muito pouco”, como afirmam Florentina Souza e Maria Nazareth Soares no livro Literatura Afro-brasileira, publicado em 2006.

É pensando na discussão em torno do embranquecimento do escritor autodefinido como “o mais encolhido dos caramujos”, que busco com minha pesquisa de iniciação científica, cujo título é (Auto)representação do negro no conto brasileiro, entrar nesse debate. Na tentativa de contribuir para a revisão desse discurso hegemônico que há décadas imperou na crítica brasileira, gostaria de analisar contos clássicos de Machado de Assis, como Pai Contra Mãe (1906) e O Caso da Vara (1899), para cotejar sua produção ficcional com perspectivas críticas de recepção à sua obra que afirmavam que o próprio autor não mantinha compromisso com a sua etnicidade.

Não é possível pensar Machado de Assis e sua obra considerando sua condição como afro- descendente e deixar de mencionar os textos do professor Eduardo de Assis Duarte, um dos pioneiros na releitura que faz do Bruxo do Cosme Velho ao propor uma revisitação do passado para reinterpretar os discursos ocultos e ignorados pela crítica acadêmica.

Acreditamos ainda que a reflexão atual sobre nosso “escritor maior” abre margem para se pensar a participação de outros escritores negros, em especial, no caso de minha investigação, na literatura brasileira produzida atualmente. Dessa maneira, ao propor como corpus da minha análise escritores como Geovani Martins, Cristiane Sobral e Cidinha da Silva, busco entender de que forma esses autores, por meio da literatura, questionam uma noção tradicional de identidade, não raras vezes também estereotipada, para pôr em xeque problemas relacionados ao mito da democracia racial em nosso país.

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5 Respostas para “Machado de Assis e Afrodescendência

  1. Michel Silva Guimarães

    Parabéns, Samara, por sua pesquisa. Aguardarei ansioso por novos posts. Muito legal essa revisão histórica e crítica da negritude e demais questões étnicas em Machado. Recentemente, eu assisti a peça “Tragam-me a cabeça de Lima Barreto”, está na íntegra no YouTube, e apesar da excelência do texto dramático, houve um momento que me incomodou muito. Há um momento na peça, que é toda um monólogo, em que Lima se compara a Machado e se coloca como superior porque o bruxo não criou protagonistas negros, enquanto ele criou Clara dos Anjos. Particularmente, eu achei um desserviço, porque antagoniza dois autores negros – como se só pudesse haver um grande autor negro – e perpetua essa ideia de que Machado era alienado da questão racial. Talvez um dia eu escreva sobre a peça e sobre Lima. Vou aguardar sua pesquisa para ter mais dados sobre Machado. Recentemente, saiu o livro “Escritor por escritor, Machado de Assis segundo seus pares (1908-1939)”, tem um texto de Lima sobre Machado e um texto de Monteiro Lobato também, autor que recentemente está no olho do furacão da questão racial em nossa literatura. O curioso é que Lobato foi o último editor de Lima, ou seja, nossas questões raciais são bem complexas, inclusive em nossa literatura. Sucesso em sua pesquisa!

    • Michel, muito obrigada pela leitura do post e comentário, fiquei feliz ao ler que você vai acompanhar a pesquisa. Mesmo sem ter visto a peça, a sua reflexão/inquietação pareceu bastante pertinente e me deixou curiosa, principalmente em se tratando da perpetuação da ideia do Machado como alienado. Irei pesquisá-la no Youtube!
      A revisão em relação à negritude do Machado e, consequentemente, do discurso hegemônico sobre a sua “alienação” muito me interessa. Espero que no decorrer da pesquisa possamos entender como o Machado ficcionalmente se posiciona e que ela seja igualmente enriquecedora para você. Abraços!

  2. parabéns! Deu até vontade de fazer uma nova leitura dos livros de Machado de Assis. Parabéns!

    • Muito obrigada pelas felicitações, Rosana.
      Tenha em mente essas discussões em torno do Machado e sua obra e faça realmente uma nova leitura com um novo olhar. Abraços!

  3. Pingback: Machado de Assis e a Crítica Literária Brasileira | Leituras contemporâneas - Narrativas do Século XXI

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