Elena Ferrante e a escrita sobre a mulher

Por Allana Emilia

divisor

Créditos da Imagem: Divisor (1968 – releitura feita em 1990), Lygia Pape

Conceição Evaristo, em um texto seu, afirma que “escrever pressupõe um dinamismo próprio do sujeito da escrita, proporcionando-lhe a sua auto-inscrição no interior do mundo”. É pensando nessa fala que direciono meu olhar para uma escritora que vem suscitando muitos questionamentos para mim: Elena Ferrante.

Em suas obras (e os estudos relacionados a ela marcam esse ponto com muita clareza), a autora retrata o feminino de uma maneira original: Ao mesmo tempo em que escreve sobre o fim de um casamento em Dias de Abandono, Ferrante parece suscitar questões sobre a maneira como a mulher é vista pela sociedade. Nesse livro, a personagem principal, pouco após ser abandonada pelo marido, se recorda de uma situação similar que aconteceu com uma vizinha de sua mãe, em sua infância. Esta senhora, ao ser também abandonada, gradualmente perde sua identidade e passa a ser conhecida como “a pobrezinha”. A partir daí a protagonista parece dividida entre a rendição ao sofrimento (similar ao que acontece com sua vizinha) e a continuidade da vida: manter a casa em ordem, cuidar dos filhos, voltar a escrever.

Esse questionamento aparece também quando a autora retrata a luta de suas personagens para equilibrar a maternidade e a carreira. Esse aspecto é bem marcado em História de quem foge e de quem fica, o terceiro livro da série napolitana, quando Elena (a personagem principal) tem que cuidar das filhas e aos poucos abandona a escrita. Depois de um tempo, ela começa a se questionar se realmente deve abdicar da escrita para cuidar das filhas e, então, vai tentando equilibrar os dois lados dessa vivência. Somado a isso ainda temos o lado sexual das personagens, sua relação com o passado e sua imersão no contexto histórico-social no qual vivem.

Em um texto de sua coluna no The Guardian, Ferrante afirma que as mulheres vivem num mundo construído para preencher as necessidades dos homens, e, nessa condição, frequentemente são sufocadas pelos próprios anseios, podendo até odiar a si mesmas e a outras mulheres, posição que afirma entender, mas defende que deve ser evitada na busca pela autonomia feminina.

Assim, acredito que ao trazer de maneira tão crua o que se passa com suas personagens, Ferrante permite uma inserção feminina diferente do que percebe no cotidiano, trazendo o potencial de um relato feminino que contemple esse universo sem cair no lugar comum, dando voz a demandas que, mesmo com todos os avanços feministas, ainda não são supridas em sua totalidade. Com essa escrita, Elena Ferrante traz novas maneiras de inserir a mulher na sociedade, fazendo isso através da literatura.

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Uma resposta para “Elena Ferrante e a escrita sobre a mulher

  1. Oi, Allana, Que bom acordar e ter um texto sobre Ferrante à nossa espera. Essa tensão é vista, inclusive, a partir dos personagens masculinos e sua relação com a máfia e a violência doméstica. Parabéns!!

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