Por Neila Brasil
As relações entre autor e editor são complexas e matizadas. Cabe ao editor, em última instância, decidir quais textos serão transformados em livros e como estes livros serão editados, distribuídos e comercializados, dependendo do público que se quer atingir e das demandas do mercado e diretrizes comerciais da empresa para a qual trabalha. O editor, portanto, é detentor de saberes e poderes específicos, que implicam em responsabilidades e tomada de decisões nas esferas intelectual, social, financeira, administrativa e jurídica.
Como observou com argúcia o editor da famosa editora alemã Suhrkamp, Siegfried Unseld, as relações entre autores e editores se caracterizam por um mal-estar persistente, que resulta da própria atividade do editor, que tem duas faces, como o deus Jano. Por um lado, o editor tem habilidades para reconhecer uma “obra sagrada” (o nome do editor Maxwell Perkins é emblemático), por outro, é um comerciante que precisa vender.
Em muitas situações o editor é peça fundamental para a concretização do texto de um escritor que está no início de sua trajetória. Devido à sua experiência no campo, o editor, por meio da observação de elementos e detalhes que muitas vezes passam despercebidos aos olhos do escritor, modula o texto final, tornando-o mais adequado para a edição e comercialização.
Na visão de Luiz Schwarcz, fundador da Companhia das Letras, que manteve durante algum tempo um blog na página da editora na internet, o relacionamento entre autor e editor assemelha-se, muitas vezes, às relações amorosas ou familiares, compostas de altos e baixos e susceptíveis a rompimentos catastróficos. O editor acrescenta ainda que a parceria pode ser crucial ou irrelevante para o resultado final da obra, e que há, por parte do editor, comprometimento integral em relação à obra, desde a leitura minuciosa do texto até a sugestão para resolução de problemas práticos envolvendo as condições de criação do autor. Entretanto, há casos em que o editor excede seu papel, interferindo no processo de criação do autor ou arrogando-se um poder maior do que possui de fato. Aqui, o caso mais clássico é a parceria de Gordon Lish e Raymond Carver.
Atualmente, todo o campo literário, incluindo aí a atividade editorial, tem sofrido o impacto das inovações tecnológicas. A autopublicação é uma delas. Se, em outros tempos, os autores que não contavam com uma grande editora para investir em sua obra pagavam uma versão impressa, hoje, muitos autores optam por uma edição virtual, que é um recurso acessível e barato. Uma inovação tecnológica, que está modificando a forma de produzir e divulgar literatura, é o surgimento de plataformas que possibilitam financiamentos coletivos. Uma das grandes vantagens dessa ferramenta é que ela oferece independência ao escritor que, agora, pode manusear seu trabalho sem ter que atender às exigências das editoras ou negociar mediações com o editor.
A utilização dessas plataformas atribui ao autor toda a responsabilidade pela publicação e divulgação do livro. Para participar, muitas plataformas exigem apenas que o interessado inscreva-se na plataforma de financiamento coletivo, apresente seu projeto em vídeo e defina uma meta e um prazo de arrecadação. A partir daí, os eventuais colaboradores passam a fazer contribuições financeiras para a execução do projeto.
Embora algumas pessoas enxerguem a novidade como uma ameaça ao mercado editorial, a utilização da ferramenta tem mostrado o contrário: através de parcerias entre as plataformas, as editoras, os escritores e os investidores, está sendo possível criar uma nova cultura, que valoriza a produção independente. Um exemplo é a proposta da coletânea de poesia brasileira Garganta, feita por Sérgio Cohn (ele mesmo um poeta-editor responsável pela Azougue) por meio da plataforma “Embolacha” que propõe a produção de um vinil com registro sonoro da poesia brasileira contemporânea falada pelos próprios autores.
Atualmente, a revolução tecnológica é responsável por grandes mudanças no cenário editorial. A facilidade da autopublicação na rede é apenas um exemplo disso, e de como podem mudar as relações entre autores e editores.
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