Por Luciene Azevedo
Créditos da imagem: Nude with Skeleton- Marina Abramovic
“A arte contemporânea deve ser analisada, não em termos estéticos, mas em termos de poética. Não a partir da perspectiva do consumidor de arte, mas a partir da perspectiva do produtor”. Leio a defesa de Boris Groys a favor do que considera uma virada necessária nos estudos sobre a arte hoje. Na visão do filósofo alemão, parece mais contemporâneo pensar as “práticas artísticas como transformações radicais que vão da estética à poética, mas especificamente na direção de uma autopoética, na direção da produção do próprio Eu público”.
A colocação parece uma resposta implícita à ideia de estética relacional de Nicolás Bourriaud que defende uma “forma de arte cujo substrato é dado pela intersubjetividade” entre observador e quadro. Ao chamar a atenção para a “produção de um efeito de visibilidade” percebido no gesto de muitos artistas contemporâneos, Groys rejeita entender esse movimento como pura “mercantilização do Eu”, pois acredita que parte do interesse da produção artística contemporânea reside na possibilidade que nos oferece de observar o movimento realizado pelo artista que vai “do interesse pelo mundo externo na direção da construção autopoética de seu próprio Eu”.
Interessado em analisar como os artistas desenham-se artisticamente, Groys retoma brevemente a história do design para pensar o “desenho de si” no qual os artistas parecem investidos hoje. Segundo o filósofo, a grande diferença entre o que chama de “artes aplicadas tradicionais” e o design moderno, fruto das vanguardas do início do século XX, está fundada na “oposição metafísica entre aparência e essência”, pois enquanto as primeiras prezam o caráter meramente utilitário e mercadológico do objeto, o desenho moderno, ou antidesenho, como o trata Groys, “quer eliminar e purificar tudo o que se acumulou na superfície” dos objetos a fim de permitir que o sujeito “seja capaz de descobrir as coisas por si mesmo”.
Groys reconhece aí uma dimensão ética na qual os “consumidores assumem a responsabilidade por sua própria aparência e pelo desenho de suas vidas cotidianas”. Ao constatar que nossa época nos impinge a “obrigação do desenho de si”, Groys quer superar a dicotomia moderna entre a “desinteressada contemplação estética” e o “uso das coisas guiado pelo interesse” e recuperar a aliança entre ética, estética e política, entendendo a manifestação do Eu, do autodesenho de si como uma disposição que faz pensar o mundo.
Assim, o que Groys chama de autodesenho é a possibilidade de o próprio artista transformar-se em obra, expondo-se de uma “maneira radical ao olhar do outro”.
Se olhamos para a cena literária atual, consideramos ainda mais instigantes as provocações do filósofo alemão, pois empreendimentos como os de Ricardo Lísias ou Karl Ove Knausgaard, cada um à sua maneira, indicam que na relevância do papel do autor junto à sua produção está uma das chaves para compreender a reelaboração crítica do papel das artes hoje.
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