Literatura e profissionalização

Por Larissa Nakamura

“profissionalizar-se antes de se tornar um profissional das letras” – Silviano Santiago

Aconteceu em outubro nossa Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica), que a cada ano cresce e atrai mais visitantes (quem quiser saber mais, pode acessar a recente entrevista que o organizador do evento, Emmanuel Mirdad, concedeu ao blog). Aproveitamos a oportunidade para assistir às mesas literárias, conhecer os escritores e também entrevistá-los sobre um assunto que muito nos interessa: a profissionalização do autor.

A participação dos autores revela como cada escritor reflete sobre sua carreira, sobre a interação com a mídia, o mercado e os leitores.  João Filho cita a importância de travar parcerias com editores competentes e pequenas editoras locais, que pouco a pouco fortalecem seus catálogos e têm uma preocupação com a qualidade editorial, tornando os livros atrativos e comerciáveis o suficiente para concorrer com as demais publicações do mercado. Além disso, há também o interesse em atingir o grande público, vender e popularizar suas histórias. Notamos que longe de rejeitar os possíveis ganhos econômicos advindos da produção artística, João Filho os compreende como necessários para o escritor, para a construção de uma carreira no campo das letras.

João Filho: […] no Brasil, tem que divulgar a obra. O que é ser escritor profissional no Brasil hoje? Hatoum tava falando mais cedo que os Dois irmãos, que eu considero a obra-prima dele vendeu um negócio absurdo, não foi? Um negócio assim, uma coisa linda, uma cifra maravilhosa, é muito bom acontecer isso. Isso é profissionalização? Eu não sei, até chegar direito autoral, livro que não chega, livro que você tem que ir atrás e a editora é pequena. […] O Gustavo Felicíssimo é o editor da Mondrongo, que publicou A dimensão necessária, ele me convidou em 2013, o livro foi publicado em 2014 e ganhou prêmio em 2015 da Biblioteca Nacional, então pra mim é tudo parceria, porque nesse sentido eu sou profissional. […] eu ganho dinheiro com a literatura e eu quero ganhar dinheiro, eu faço minhas palavras com as de Aurélio Schommer que é quando ele diz “Quero ficar rico”. Eu também quero, entendeu? Eu quero ganhar dinheiro, é claro. Você vê o seu livro adaptado (aponta para Milton Hatoum) pra tevê e eu falei para ele, para Milton, […] ele vai ser o novo Jorge Amado […] eu falo em questões de venda, isso vai ser ótimo para você, é claro. E Jorge Amado deu um conselho para João Ubaldo no seguinte: João Ubaldo reclamando da adaptação que fizeram de O sorriso do lagarto e aí Jorge falou assim: “Cobre o máximo que você puder e não veja.”. É claro que você quer fazer sucesso com o que você produz e eu produzo literatura, então nesse sentido sou profissional. Agora, essa pergunta sempre me deixa sem muita opção de resposta, porque eu só consigo responder assim: eu me empenho no que faço e tento fazer uma parceria com pequenos editores, que eu publico que é o Gustavo Felicíssimo, da Mondrongo, a P55, do Cláudio Portugal. O primeiro (livro), na verdade, foi quase um presente pra mim e todos são quase presentes pra mim, […] e tudo em edições pequenas, bonitas, edições benfeitas, e você trabalha como um mercador, como eu passei minha vida inteira dentro de um comércio, de uma venda no interior, eu continuo mercando, entendeu? Com os meus livros agora.

Eduardo Spohr destaca a pertinência de uma sólida rotina de trabalho que envolve tanto a escrita como o diálogo com os leitores, seja em um evento ou na interação proporcionada pelas mídias sociais.

Eduardo Spohr: Eu acho que o escritor profissional não é só aquele que ganha dinheiro com isso, eu já me considerava escritor profissional desde muito antes. Eu acho que, isso na minha visão, é aquele que leva a profissão a sério: escreve sempre que pode, persiste e tem uma rotina de trabalho. Acho que não só eu, como muitos que aí que não vivem de escrever, eu considero como escritor profissional, que tem essa seriedade na literatura. As feiras literárias fomentam a profissionalização no fato que levam mais gente a se interessar em ler e escrever, e isso que é excelente, a gente precisa de mais gente lendo e escrevendo, alguns vão se tornar escritores, outros não. Tem dois lados no espaço para se divulgar enquanto autor e ter contato com os leitores. O autor fica muito solitário e não vê muito o rosto de leitores, e quando ele vem a esses festivais, feiras, esse encontro é maravilhoso. E para o leitor também é legal, falando enquanto leitor, quando eu vou a feiras e vejo os autores que eu gosto, é o maior barato, porque você vai lá e conhece aquela figura que escreveu aquele texto, o contato é muito importante. Eu uso tudo que posso nas redes sociais para ter contato com os leitores, tenho o Twitter, Facebook, Snapchat, tô um pouco velho, mas, às vezes, eu uso também o Instagram.

Dois tabus são desconstruídos pelos comentários dos autores: o primeiro,  presente na fala de Spohr, diz respeito à ideia de que todo autor de best-seller, sem exceção, vive confortavelmente das cifras de suas vendas sem se importar com a fatura de composição do texto; o segundo,  é desmistificado pela preocupação trazida à tona por João Filho com a questão da sobrevivência financeira do autor, o que abala o culto ao artista amador, sem plano de trabalho ou projetos futuros.

Acompanhe no link a seguir a mesa literária de João Filho na Flica: Flica 2016 Ao Vivo | Mesa 4 | A voz do autor.

2016-10-28

João Filho é baiano, mestrando em literatura portuguesa, tem cinco obras lançadas e também traduzidas no exterior, participou de diversas antologias, e em 2015 ganhou o prêmio Alphonsus de Guimaraens pelo livro de poesia A dimensão necessária.

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Eduardo Spohr é carioca, jornalista de formação, publicou cinco livros que são sucesso comercial no país e que agradam ao público jovem por conta das temáticas ligadas ao universo fantástico.

Imagens: Instagram da Flica

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8 Respostas para “Literatura e profissionalização

  1. Larissa parabéns pelo texto. Achei bem interessante a posição dos autores. E fiquei a refletir sobre a fala do poeta João Filho quando esse argumenta que é necessário uma parceria com as editoras. Hoje as pequenas editoras estão lutando por certa visibilidade e também ganhando espaço dentro dos circuitos literários. Um exemplo é a trajetória do autor João Filho, citado aqui nesse post, que ganhou em 2015 um prêmio pela Biblioteca Nacional. Esses prêmios se revertem em capital simbólico para o autor e editora, e isso á bom para ambos. Quando o escritor João Filho fala da importância de ganhos econômicos, também é um questão para refletirmos. Já na fala do Eduardo Spohr, achei interessante quando ele afirma: “Eu acho que escritor profissional não é só aquele que ganha dinheiro com isso”. Considero válido o autor destacar a importância das festas literárias, esses eventos são importantes para escritores que desejam profissionalizar-se e construir uma carreira. Pensando na fala dos autores aqui, me venho as seguintes questões: Podemos considerar escritor profissional aquele que se dedica exclusivamente à escrita? Ou profissional é o que vive do que escreve?

    • Oi, Neila. Obrigada pelo comentário! Na minha opinião, o escritor profissional é aquele que se sustenta financeiramente não somente dos seus escritos (até porque sabemos que são tão raros os que conseguem sobreviver dos direitos autoriais; ainda não chegamos a esse estágio aqui no Brasil), mas (e principalmente) dos entornos da literatura: assim, ele pode e precisa atuar na organização de oficinas literárias, também pode trabalhar enquanto resenhista, crítico, organizador de antologias, ser convidado para palestras e festas literárias. Enfim, temos uma miríade de possibilidades aí.
      Existe uma questão que é a seguinte: compreendendo que o escritor profissional não apenas trabalha para seu próprio sustento financeiro, mas como também opera enquanto um agente cultural que necessita, através de uma série de intervenções e estratégias, renovar, refazer e/ou reafirmar constantemente as posições que ocupa no sistema/mercado literário, o que certamente contribui para sua dinâmica.

  2. Quero aqui registrar minha plena satisfação em ler esse texto de Larissa Nakamura – muito bom! Parabéns pela abordagem dinâmica e equilibrada da Literatura e profissionalização. Realmente nos remete aos frequentes questionamentos sobre esse tema e nos proporciona um norte maduro e realista no que tange, sobretudo, à realidade brasileira. As intervenções de João Filho e Eduardo Spohr foram muito preciosas e nos permitem conhecer uma concepção não apenas teórica do assunto, mas com um viés legitimamente prático. Enfim, parabéns mais uma vez pelo texto. Quero ler mais artigos seus. Sucesso!

    • Olá, Donato! Fico satisfeita com seu comentário ao post.
      Espero que se sinta bem-vindo a acompanhar nosso blog, que tem postagens semanais sobre literatura contemporânea e que também contemplam discussões sobre a profissionalização do escritor.

  3. Tão importante quanto os eventos de literatura são sua repercussão……..importante esse trampo do blog……….parabéns!

  4. Larissa, primeiramente, parabéns pelo texto! Muito importante trazer opiniões que divergem tanto sobre um tema que as vezes parece delicado no universo literário: a profissionalização do autor. Realmente, a fala dos dois escritores desmistificam certo ‘imaginário’ em torno do que escrevem, há a ideia de que o autor de best-seller só se preocupa com as cifras enquanto o autor de literatura (ou na posição de poeta que intensifica ainda mais a figura) preocupa-se só com o texto e os leitores, como se não tivesse alguma intenção de vendas ou lucro. Nas falas há uma espécie de “troca de posições” que nos faz perceber que o dinamismo do campo literário e que concepções que parecem estanques, que geraram por tanto tempo um valor em cima de determinadas obras, hoje são revogáveis.

  5. Pingback: Uma reflexão sobre a pesquisa | Leituras contemporâneas - Narrativas do Século XXI

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