Entrevista concedida pelo Whatsapp a Neila Brasil
Festas literárias, como a de Paraty e a de Cachoeira, desempenham importante papel na promoção dos escritores e de suas obras. Nessa entrevista, Emmanuel Mirdad, um dos organizadores da Flica, a Festa Literária de Cachoeira, cidade do Recôncavo Baiano, toca em muitas questões que já foram alvo de nosso interesse nos textos publicados aqui no blog, como por exemplo a questão da profissionalização do autor, do papel do agente literário. Chama a atenção o fato de Mirdad afirmar que os convites privilegiam autores que já possuem uma carreira literária mais ou menos estabelecida ou que tenham jogo de cintura para circular no campo literário. Não deixa de ser curiosa, então, a formação de um círculo vicioso alimentado pelas festas: o autor tem de ter algum destaque na vida literária para participar da festa, que como evento da vida literária, vai lhe dar algum destaque.
Agradecemos a entrevista e a reflexão que as respostas de Mirdad nos proporcionam. Vamos a ela:
Leituras contemporâneas: Após 5 edições da Flica, quais são os desafios e as conquistas?
Emmanuel Mirdad: Acho que a nossa maior conquista foi ter vingado uma festa literária na Bahia que não tinha e ela ter tido esse sucesso, tanto de público como de repercussão no meio literário. Os autores já conhecem a Flica, o mercado já sabe que tem a Flica. A Flica já está calendarizada. Isso é muito importante porque às vezes os bons eventos surgem e não conseguem se manter, e a gente conseguiu, com o apoio dos patrocinadores, fazer esse evento por cinco edições, chegando agora na sexta edição. Acho que a maior conquista foi isso, ter conseguido fazer uma festa literária na Bahia, porque já se pedia por isso, e também, de ter trazido para Cachoeira mais uma oportunidade de ter um evento cultural de relevância. Como nós já tínhamos a Festa da Boa Morte, a Festa da Ajuda, o São João, então a gente chegou para somar ao escopo de eventos culturais, turísticos da cidade. E o desafio agora é crescer mais e mais, conseguir trazer grandes nomes internacionais para cá e se firmar como uma opção a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, que é a festa literária mais importante do Brasil.
Leituras contemporâneas: Quais são os critérios para a seleção e participação dos escritores e poetas na Flica?
Emmanuel Mirdad: Bom, esses critérios são definidos pelo curador e os curadores variam durante o tempo. Esse ano e das vezes que eu participei da curadoria, os critérios que a gente utilizou foram a programação, conseguir equilibrar o número de autores nacionais, internacionais e locais, colocar os locais no mesmo espaço de dignidade que nós oferecemos para os nacionais. Ou seja, não é mesa baiana só com baiano. É baiano com nacional, baiano com internacional, para poder valorizar, não é? E a gente sempre teve muito sucesso com isso, o que os autores baianos tiraram de letra. Todos os autores… e geralmente para os autores nacionais, o critério é que seja um grande nome já reconhecido e que esteja lançando um livro no momento. O autor baiano, ele vai a partir dessa condição, de quem está aparecendo mais, quem está vendendo livro, quem está lançando livro, de quem já tem história, de quem já tem experiência em participar desse tipo de evento, quem é disposto a falar, quem fala bem, quem tem o que falar. Então são muitos critérios que dependem especificamente do momento do autor, naquele instante, por exemplo, a gente sempre prioriza trazer autores que estejam lançando livros neste ano ou que tenham acabado de lançar livros. E a gente visa equilibrar a escolha a partir do que já foi definido do autor nacional.
Leituras contemporâneas: Há espaço para novos talentos na Flica?
Emmanuel Mirdad: Sempre teve. Por exemplo, na primeira edição a gente teve um poeta que era menor de idade. É como eu falei na questão anterior, tudo depende dessas variáveis. Se esse novo talento lançou um livro que está sendo bem comentado, que está sendo bem vendido, que tem resenhas boas por aí, que ele tenha uma aparição, então a gente… o autor, ele tem que existir para que venha fazer parte da programação. Aqueles autores de gaveta que lançam livro, que só os amigos conhecem, fica um pouco difícil. Então o novo talento, ele tem que aparecer para poder ir para a Flica também.
Leituras contemporâneas: Como é o contato com os autores, a negociação envolvendo o convite para participar da festa? A negociação é direta ou mediada pelos agentes literários dos autores?
Emmanuel Mirdad: Então…. varia. Tem autor que a gente só consegue falar com a rede literária, tem autor que a gente consegue falar por via das editoras, e a gente sempre busca falar diretamente com o autor. Quando não é possível, não tem jeito: a gente vai falar com o agente ou com a editora. É que às vezes, por exemplo, um autor famoso ou um autor caro nem tem conhecimento do que é o evento, o que está sendo proposto, porque o cachê não satisfez ao agente, ao empresário, ao produtor, enfim… sendo que ele teria outros ganhos, ganho de imagem e até mesmo ganho pessoal de vir a Cachoeira, conhecer a cidade que todos os autores que vêm se encantam.
Leituras contemporâneas: É possível afirmar que esse evento colabora com a profissionalização de escritores?
Emmanuel Mirdad: Bom, depende. Por exemplo, eu vejo um autor iniciante que está querendo escrever, está querendo ter contato com o meio. A gente proporciona isso, a gente proporciona o acesso ao autor, ele vai ouvir o autor falar, ele vai conhecer o autor, vai vivenciar a cidade; enfim, o lugar, o ambiente, isso tudo influência, mas eu acho que a profissionalização… Vamos pensar naquilo que eu já respondi: se o autor não fizer sua parte junto com a editora de pensar a carreira, de construir a carreira, fica difícil dele ir para a Flica. Então também pode ser que faça, o estimule a buscar a profissionalização, mas acredito que ela só exista mesmo a partir do esforço individual de cada um, da bagagem de leitura e dos cursos, etc. Porque a Flica não é um curso, é apenas um evento de amostragem do que está acontecendo de melhor na literatura.
Neila, estou muito feliz com a entrevista que você fez. Acho que as falas do Emannuel são tão importantes para a academia quanto para a sociedade, porque há informações aí muito ricas e que podem promover uma reflexão sobre a dinâmica dos eventos e sua relação com os escritores. Achei interessante alguns critérios de escolha para a participação na Flica: há um vínculo estreito com o destaque nas vendas, em quem está produzindo aqui e agora, e, claro, quem se sobressai junto à crítica especializada, ou seja, só é convidado quem tem o know-how, o reconhecimento de seus pares, números minimamente expressivos em vendagem. Essa questão vinculada ao financeiro também parte do autor ou seu agente: vir ou não ao evento em muito depende do status do artista; para alguns, pode não valer a pena conhecer a Flica, um evento local, que apesar do gradativo crescimento junto à comunidade literária, ainda não tem o renome de uma Flip, embora acabem perdendo uma oportunidade de conversar com seu público, conquistar outros, imprimir sua marca. Para escritores iniciantes, pode ser um convite e tanto que pode gerar cada vez outros, além de fazer seu nome se tornar conhecido em outros locais, travar relações com outros autores, e ser, ainda que não garantida, uma fonte de renda extra. Então, a meu ver, assim como Emannuel afirma, não é a presença em festas que proporcionará uma possível profissionalização; há um espectro imenso de outros fatores que o ajudarão os autores iniciantes ou não em se manter atuantes no campo, mas ainda assim a participação em eventos literários são preponderantes no estabelecimento na carreira de um artista. Por fim, queria saber a sua opinião geral sobre a feira e o que pensa sobre os parâmetros de escolha dos participantes: estão excluindo uma parcela de autores com potencial e talento, mesmo com poucas vendas? Isso seria um problema ou não? Faz parte mesmo da dinâmica literária?
Olá Larissa. Obrigada por levantar essas questões, elas são fundamentais para pensarmos sobre a profissionalização de autores e carreira literária. Bem, sobre a Flica (Festa literária internacional de Cachoeira), percebi desde a 5ª edição que os curadores estiveram bastante preocupados em colocar na programação autores que estavam sendo reconhecidos no cenário nacional e internacional. Não irei citar nomes. Então, vamos pensar na plataforma do autor, hoje os autores tem aparecido cada vez mais na mídia. Desta forma, para que um autor seja convidado para festas literárias as suas credenciais são levadas em consideração, sua visibilidade e sua carreira promocional. Daí a fala do Emmanuel sobre a questão de que o autor precisa está em visibilidade para participar da Flica. Essas são algumas estratégias que fazem parte do jogo do campo literário, especialmente no momento atual.
Neila, querida, como sempre uma bela entrevista. Sobre a Flica, claro, é uma grande viagem, uma oportunidade para os escritores, para debater, mostrar seus trabalhos. Porém, acho que não devia ter mesa para escritores baianos, bem como acho horrível aquele espaço minguado nas livrarias para escritores baianos. O escritor baiano é também um escritor nacional, quiçá, internacional, e tem que ser tratado como escritor. Quando chego numa livraria de Salvador, por exemplo, que vejo meus livros na mesa de escritores baianos, logo peço que me ponham no meio dos outros, senão fica parecendo que somos uma classe à parte, menor, diminuída. Ou estamos ali por favor. Essa divisão não nos ajuda em nada. Além do mais, sou baiano por amor, pois na verdade nasci no Pará, rsrs. Parabéns.
Olá Achel Tinoco, obrigada pelas questões colocadas. Acredito que o objetivo do curador foi dizer que na Flica eles tentam colocar escritores locais no mesmo espaço de outros escritores que estão tendo certo “destaque” no cenário nacional. Enfim, dentro desse cenário literário, muitas são as regras do jogo. Nota-se na fala de Emmanuel que as experiências dos escritores contam muito no momento em que esses convites são feitos para as festas literárias.
Interessante o Mirdad esclarecer que, para ir à a Flica, um novo talento tem, antes de tudo, que aparecer. Em outras palavras, ele tem que ter produzido algo que chamou a atenção, do público, dos editores, da crítica etc. Fico pensando se aquele Flica não teria um caráter muito mercadológico e se isso não contribuiria para diminuir a potência de um evento como esse. Na minha opinião, uma feira literária deveria, sim, ter um espaço para os escritores que ainda não entraram no circuito. Creio que é uma função social importante que esse tipo de evento deve abraçar.
Olá Ana. Há uma preocupação por partes dos curadores e organizadores de festas literárias em dar certa projeção a esses eventos, daí o fato de programar as festas com nomes de autores que estão recebendo visibilidade e boas resenhas da crítica.
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