As muitas vidas de autor

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Por Marília Costa

Isto não é um cachimbo – Perfis literários  é um projeto criado em maio de 2012 por Luiz Nadal, jornalista e pesquisador de literatura contemporânea, que ficcionaliza a vida e obra de escritores da prosa contemporânea, como Ricardo Lísias, Veronica Stigger, Adriana Lisboa, Bernardo Carvalho, Lourenço Mutarelli entre muitos outros. O modo peculiar de narrar os perfis, misturando a função comunicativa da crônica, reportagem, ficção e crítica literária intriga o leitor. Cada texto parece na verdade uma longa entrevista em que Nadal  reúne além de suas próprias impressões como leitor da obra dos autores que ganham perfis literários no site, opiniões que poderiam ser expressas pelos autores retratados.

O nome do site mantido por Nadal é inspirado no quadro do pintor belga René Magritte que retrata um cachimbo e traz a inscrição “Ceci n’est pas une pipe” ou “isto não é um cachimbo”. Assim como a pintura de um cachimbo não é um cachimbo, mas sim uma pintura de um cachimbo, Nadal sugere que os perfis literários que podemos encontrar ali  não têm a pretensão de retratar os autores, mas consistem em representações.

O modo particular de apresentar os autores contemporâneos em Isto não é um cachimbo – Perfis de autor é atrativo devido ao fato de fazê-lo através da própria literatura. O autor deixa de ser apenas o ourives da linguagem e passa a ser também a pedra preciosa modelada, moldada e refinada pelas palavras e jogos linguísticos, constituindo-se como autor e personagem dentro de uma obra.

Esse jogo de identidades cênicas tecido na cadeia narrativa tende a ser sintomático na contemporaneidade, já que muitos autores que se tornam personagens de Nadal apostam, eles mesmos em suas obras, no teatro de suas performances.

O que Luiz Nadal fez não é diferente do que muitos autores vem fazendo para angariar  um espaço no campo literário, que é construir perfis em redes sociais e publicar informações de fórum intimo, criar histórias a respeito da suas próprias vidas que não são necessariamente reais. É um jogo de influências, o personagem empírico fabrica a figura autoral estimulando poses e a criação de mitos. Essa grande valorização da intimidade dos escritores e obsessão pelo vivido podem ser atribuídas ao retorno do autor contrariando o prognóstico de Barthes.

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Uma resposta para “As muitas vidas de autor

  1. Marília, que projeto interessante! Sem falar o portfólio que Nadal está criando é importantíssimos para nós, pesquisadores e curiosos de literatura contemporânea. Não tenho certeza, mas acho que desde a copa de literatura não temos um site que se dedique a literatura contemporânea de modo menos acadêmico. Essa “ficionalização” dos perfis de autores são muito instigantes, é bastante curioso refletir acerca deste projeto e a relação com a escrita literária hoje, como ele mesmo diz: Isso não é um cachimbo porque isso também já não é mais jornalismo. Um ótimo exemplo que se coloca fora das caixinhas de enquadramento, não é mais jornalismo, mas não é pura ficção. É literatura? É portfólio? Não sabemos, mas que é um trabalho legal, ahhh isso é!

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