Por Davi Lara
Arthur C. Danto é um importante filósofo e crítico de arte norte-americano. O Descredenciamento Filosófico da Arte (Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2014; Coleção Filó) é o livro com qual eu fui apresentado ao seu pensamento. O volume é constituído por nove ensaios escritos em épocas e contextos distintos que têm como eixo a reflexão em torno da arte. Da miríade de diferentes temas e abordagens que são tratados no livro, eu vou me deter apenas em certos aspectos da filosofia da história da arte desenvolvida pelo autor, com foco em sua provocativa tese sobre “O Fim da Arte” (que é também o título de um dos ensaios), que me parece especialmente estimulante para se pensar a arte e a literatura contemporâneas.
O primeiro ensaio da coletânea, que empresta seu nome ao volume, defende uma tese surpreendente de acordo com a qual toda a história da filosofia ocidental é considerada como um grande esforço conjunto (iniciado por Platão e desenvolvido por Kant e Hegel) pelo descredenciamento da arte. Infelizmente, não há espaço aqui para discutir pormenorizadamente este ensaio. Posso dizer, no entanto, que o considero interessante na medida em que ele traz para o debate uma série de reflexões acerca da influência da estética para o desenvolvimento da arte ocidental. Reflexões essas que ocupam um papel fundamental na elaboração da filosofia da história da arte concebida pelo autor.
De acordo com Danto, se a filosofia pode ser definida como o descredenciamento da arte, no curso de seu desenvolvimento histórico, a arte acabou caindo na armadilha montada pelos filósofos, e os artistas passaram a criar baseados na visão que a filosofia tem da arte. A filosofia da história da arte de Danto defende a tese de que o motor da narrativa histórica da arte ocidental foi a busca da arte pela sua própria essência. Essa busca não se dava, naturalmente, pelo pensamento crítico, mas pelas próprias obras artísticas. No momento em que a arte conseguisse expressar a sua própria essência, aí se daria o fim da arte. De acordo com Danto, essa busca por si mesmo chega ao fim no momento em que se pôde separar um utensílio do dia-a-dia e considerá-lo como arte.
Um dos exemplos privilegiados pelo filósofo é A Fonte, famosa obra de Duchamp, que nada mais é que um mictório, idêntico a vários outros mictórios (que, não preciso lembrar, são produzidos em série) em todos os aspectos sensíveis, mas ainda assim diferente, pois os demais mictórios são usados como meros utensílios, enquanto o mictório usado por Duchamp é considerado uma obra de arte. Este fenômeno leva Danto a refletir sobre o que diferencia A Fonte de um outro mictório qualquer da mesma linha de produção. A diferença não pode estar na esfera do sensível, já que eles são idênticos. A diferença diz respeito a uma questão filosófica. Portanto, o que define o status de arte é, neste caso, a própria definição filosófica da arte. Note-se que a conclusão sobre essência da arte não foi imposta de fora, mas foi colocada em evidência pela própria obra. Neste momento a arte alcançou enfim o seu objetivo histórico: ela encontrou a sua própria definição, sendo sujeito e objeto de si mesma e, com isso, alcançou ao termo da sua história.
É importante deixar claro que, de acordo com o filósofo, o fim da história da arte não significa o desaparecimento da arte. A arte continuará a ser produzida, “mas – nas palavras de Danto – os fazedores de arte, vivendo no que gosto de chamar período ‘pós-histórico’ da arte, trarão à existência obras que carecem de importância ou do significado histórico que esperamos delas desde muito tempo” (p.148). É claro que não precisamos aceitar esta teoria, afinal de contas, como o próprio autor reconhece, ela “representa uma forma de descredenciamento filosófico da arte” (p. 120) descrito por ele mesmo e, como tal, ela deve ser vista com desconfiança.
Porém, não deixa de ser convidativo refletir sobre o que é a arte no período pós-histórico. Ainda mais quando percebemos semelhanças entre o pensamento de Danto e outras tentativas de se compreender o regime contemporâneo das artes, como o faz a crítica argentina Josefina Ludmer em relação à literatura quando propõe a ideia de pós-autonomia. Essa semelhança aponta para a existência de um campo discursivo que, apesar de heterogêneo, vê o contemporâneo a partir de uma narrativa de rompimento ou superação da lógica que marcou a arte moderna. Se isso significa que vivemos no período pós-histórico da arte, eu não saberia responder. A pergunta que serve de título a este texto fica, portanto, em aberto, como um convite à reflexão.
Oi Davi, como vai? Que bom passar por aqui pelo blog e ler o seu texto. Bom saber mais sobre Danto e as suas reflexões a partir do que escrevel! Não sei se conhece o texto de Diderot, Paradoxo sobre o comediante, que aponta para algumas reflexões sobre a obra de arte e o artista. Que para tornar-se obra (incluindo aí a representação da natureza) precisa afastar-se da idéia do sensível ou emocional, o que desemboca em uma ausência do sujeito (que é também proliferação). As questões filosóficas, quando paramos para pensar organização da própria vida social, são bem intrigantes… Mencionei o texto porque de certa forma ele, ao meu ver, aponta para algumas impressões expostas por você. Abraço, Raquel
* Desculpe os erros de digitação da mensagem anterior. Tipo “escreveu”.
Oi, Raquel. Bom te reencontrar por aqui. Também acho as reflexões filosóficas, sobretudo as estéticas, bem intrigantes. Creio que esse trânsito entre os estudos literários e a filosofia só tem a enriquecer as nossas próprias reflexões. Não conheço esse texto do Diderot. Mas pelo que você falou, ele parece ter alguns pontos de contato com Danto, sim. Obrigado pela indicação. Um abraço!
Davi achei interessante quando você nos convida a partir do texto a pensarmos questões referentes a arte. Arthur C. Danto contribui neste aspecto ao refletir sobre as transformações ocorridas na arte a partir da década de 60, chamando a nossa atenção através das obras de Duchamp – que inovou ao apresentar alguns objetos comuns como obra de arte. Acredito que as reflexões propostas por Danto é um convite para pensarmos a arte hoje. Um leitura válida também para pensarmos a arte e o artista é o livro “O que é um artista?” de Sarah Thorthon, que apresenta vários relatos sobre o artista contemporâneo.
Olá, Neila. Acredito que nós, que estudamos a literatura contemporânea, temos muito a ganhar ao predtar atenção no que acontece no mundo arte hoje. Como alguns críticos vem observando, entre eles a Florência Garramuño, as obras literárias atuais sãs msrcadas pela inespecificidade e pelo hibridismo com outras formas de expressão artística.
Davi, muito bom o seu texto, parabéns! Fiquei instigada em conhecer um pouco das ideias de Danton. Não sei se estou enganada, neste sentido você poderá me ajudar. Segundo Danton a história da arte existiu enquanto ela buscava uma essência do próprio objeto, enquanto criação única que diferenciasse esta obra das demais, correto? Um contexto da arte original e da sensibilidade única, digamos assim. Então, a partir de Duchamp, essa ideia de história da arte, baseada na busca da essência se quebra já que ele utiliza um material disponível, acabado e fabricado em série, neste sentido torna-se um outro modo e momento de ver a arte. O que me intriga é que o conceito de pós-história da arte, ao meu ver e sob os olhos de leitora leiga às ideias de Danton, insinuam de algum modo um fim da história da arte e deste modo da arte também, o que você acha? Sei que isso incita uma discussão em torno do sufixo pós e que teríamos que discutir este uso.
Ainda que faça ressalvas, será que Danton não descredencia a arte contemporânea também?