Por Marília Costa
“A arte trabalha num tempo que não é o tempo da Avenida Paulista”
Em 2014, Ricardo Lísias ofereceu uma oficina on-line sobre “Aspectos do romance contemporâneo” no Centro de apoio ao escritor da Casa das rosas, que é um espaço virtual que fomenta a criação, edição e crítica literária. Na oficina, Lísias tematiza o que ele mesmo chama de projeto literário, voltado especificamente para a elaboração do texto em prosa.
Ricardo Lísias sugere como primeiro passo para ser um escritor de literatura contemporânea uma reflexão sobre a própria produção e considera como palavra-chave o termo “projeto” que, segundo o autor, refere-se tanto à exposição formal de intenções de trabalho, quanto ao caráter estético da produção ficcional.
De acordo com Lísias, os escritores modernistas dão uma lição de como a literatura é construída de forma consciente. Ler Virgínia Wolf, Franz Kafka, Marcel Proust e James Joyce, por exemplo, leva a uma reflexão sobre a linguagem, sobre a maneira como esses autores pensaram a literatura no século XX. Todos eles produzem no leitor alguma espécie de incômodo, perturbação ou dificuldade. E se ao leitor resta a sensação de falha, não é menor o “fracasso” desses escritores que foram capazes de demonstrar como a linguagem é, ao mesmo tempo, um recurso ilimitado e falho. Sendo assim, Lísias afirma que o principal desafio do escritor é o de encontrar uma linguagem.
Uma característica importante do projeto literário recente de Lísias é o uso frequente da narração em primeira pessoa, na qual o narrador se confunde com o próprio autor, resultando em “personagem-escritor”. Também há uma tendência por parte do autor em atuar de maneira multimídia, ou seja, além de escrever suas obras ele está presente no Twitter, Facebook, Instagram e revista on-line para comentá-los e divulgá-los. Além disso, vem explorando com maior frequência o formato e-book de publicação, como demonstra não apenas a série intitulada Delegado Tobias e Fisiologia da Idade, como sua atuação como editor da revista cultural Peixe-elétrico.
A confusão entre a identidade civil e a criação de uma imagem de autor nos textos é construída de modo consciente. Isto é evidente no livro Concentração e outros contos, texto que pode confundir o leitor num primeiro momento quanto aos limites entre ficção e realidade, devido ao excesso de personagens “reais”, mas que através da linguagem reestabelece o pacto ficcional.
Podemos arriscar, então, que o hibridismo entre o que é a opinião do próprio escritor em uma rede social e a transformação dos temas comentados on-line em matéria de ficção é uma das marcas das produções recentes do autor e faz parte de seu “projeto” atual.
Queridos,
gostei muito do texto. Parabéns.
Obrigada, Tiago! =)
Ao atuar de maneira multimídia, Lísias segue uma tendência contemporânea de estar em consonância não apenas com os recursos disponibilizados pela internet, como de investir na profissionalização do autor. Sua forma de atuação, portanto, potencializa o circuito da vida literária, movimentando a comunicação entre escritores.
Oi, Marília. Gostei do link que você faz entre a fala de Lísias numa oficina sobre criação literária e a prática dele como autor. Como o próprio Lísias destaca, essa coisa de construir uma obra amparado num projeto mais ou menos bem definido é uma característica bem marcante da literatura moderna. Hoje, só o fato de ele estar falando em projeto literário, nesses termos, eu acho bastante significativo. Isso mostra que, ao escrever, ele pensa em como se inserir no campo literário do presente. No que diz respeito ao projeto dele, especificamente, eu tenho bastante interesse por essa mistura entre o real o ficcional, que é uma coisa bastante presente na produção contemporânea. O que me parece mais interessante no caso específico de Lísias (e é algo que você trata no post) é que o uso de plataformas como o twitter e o Facebook elastecem ainda mais as fronteiras, já bastante esticadas, entre a ficção e a realidade.
Obrigada, Davi e Elizangela pelos comentários, vocês contribuíram muito para o texto. Abraços.