Representações de escritor: Um beijo de Colombina

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Por Neila Brasil

Adriana Lisboa, escritora carioca, começou a carreira literária em 1999, com o romance Os fios da memória, e recebeu vários prêmios e amplo reconhecimento crítico, sendo traduzida para vários países.

Um beijo de Colombina, publicado em 2003 pela editora Rocco, revela um interessante processo em sua construção, considerando-se as estratégias narrativas. O livro conta a história de Teresa, uma escritora que planejava compor um romance baseado em poemas de Manuel Bandeira. Interessa ressaltar que, cada capítulo do romance recebe um título oriundo da obra Estrela da Vida Inteira, estabelecendo um espaço de jogo entre a escrita de Adriana Lisboa e a poesia do escritor modernista.

Adriana Lisboa em Um beijo de Colombina cria a ficção dentro da ficção: escreve um livro sobre outro livro que deveria ser elaborado pela personagem Teresa: “Teresa me falou menos dele do que de seu próximo projeto, um romance baseado em poemas de Manuel Bandeira” (LISBOA, 2011, p. 5).

O narrador do romance é um jovem professor de latim que tenta compreender como ocorreu a morte, tão inesperada, quanto misteriosa, de sua namorada Teresa, que morrera afogada no litoral fluminense. Angustiado pela perda, ele entra no mundo da escritora e vai tecendo, a partir de suas memórias, os principais acontecimentos relacionados aos oito meses de convivência com Teresa: “Quando aconteceu o acidente, o afogamento, fazia oito meses que morávamos juntos” (LISBOA, 2011, p. 3).

Em Um beijo de Colombina, a representação da figura do escritor aparece bem próxima da realidade de muitos autores contemporâneos.  Teresa, a escritora-personagem era formada em letras, dava aulas particulares de português para pagar o tempo que era dedicado à atividade de escrita de seus textos. Ficamos sabendo através do relato do narrador que Teresa já havia publicado dois livros de contos, por uma editora menorzinha, e logo em seguida um romance por uma editora importante. A escritora que dava aulas de português para sustentar a atividade de escrita é premiada, dessa forma, abandona as aulas e passa a se dedicar apenas aos seus projetos: […] “em novembro ela ganhou o primeiro prêmio, no princípio de dezembro, como se fosse mágica, – como se fosse romance -, o segundo, e os alunos de português viraram águas passadas” (LISBOA, 2011, p. 7).

É interessante pontuarmos que a tematização no romance de episódios que envolvem a consolidação da carreira de um escritor, como a publicação do primeiro livro,  as premiações que recebe,  os eventos literários dos quais participa, e as entrevistas que concede acabam compondo o texto do autor. Em Um beijo de Colombina, o narrador revela ao leitor as suas impressões sobre a escritora-personagem, e nos permite pensar na figura do escritor real, que assim como a personagem Teresa muitas vezes precisa conciliar a atividade da escrita com outros trabalhos para garantir a sobrevivência, equilibrando-se entre a profissionalização como escritor e uma segunda vida, para falar como Bernard Lahire, que lhe garanta a manutenção financeira.

Assim, em Um beijo de Colombina, Lisboa também possibilita aos estudiosos da literatura contemporânea refletir sobre as diversas possibilidades de representação do escritor. Além de construir, uma narrativa onde o lirismo é predominante, Lisboa consegue apresentar parcialmente como funciona a trajetória de uma escritora por meio da personagem Teresa. O livro abre espaço, portanto, para refletirmos sobre a condição do escritor contemporâneo.

 

LISBOA, Adriana. Um beijo de Colombina. [recurso eletrônico] Rio de Janeiro: Rocco Digital, 2011.

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5 Respostas para “Representações de escritor: Um beijo de Colombina

  1. Tenho acompanhado o blog Leituras contemporâneas. E estou gostando muito, através das postagens surgiu uma curiosidade, e tenho realizado muitas leituras de autores contemporâneos. Li uma postagem aqui no blog: Representações de escritor: Um beijo de colombina. O texto crítico escrito sobre a obra de Adriana Lisboa, que é uma história baseada em poemas de Manuel Bandeira. O fato do livro fazer uma intertextualidade com um grande nome que é o Bandeira, fez com que eu despertasse para conhecer outras obras de Lisboa. Fiquei surpresa com a história intrigante e instigante, que tem haver também com o livro Carnaval, do autor modernista.

  2. Elane obrigada pela sua participação no blog. Adriana Lisboa é uma autora brasileira, e já publicou seis romances. Inclusive o livro “Os fios da memória” possui uma característica semelhante ao romance “Um beijo de colombina”, a intertextualidade é muito forte nestes dois romances. Em “Um beijo de colombina” a autora se apropriou de alguns poemas de Bandeira para dar títulos ao capítulos de seu livro e, também inseriu fragmentos da obra autobiográfica “Itinerário de Pasárgada” do autor modernista em seu texto. A obra é de Adriana Lisboa, mas a marca de Bandeira é muito forte. Um texto poético que realmente encanta e seduz o leitor.

  3. Ainda não conheço a escritora Adriana Lisboa, mas sua obra parece-me interessante, principalmente pela temática que discute. Interessante refletir sobre a figura do escritor REAL como vc bem colocou, Neila, pois, antes parecia que o escritor não era nada real, possuía uma áurea divina, genial, uma iluminação, afastando-o cada vez mais da normalidade. É interessante que obras como esta, rasure esta imagem que por muito tempo esteve na cabeça da gente, e nos faça cada vez mais olhar criticamente a figura do escritor, as implicações da sua escrita, suas articulações e o contexto no qual se insere.

  4. Olá, Glauce. Obrigada por partilhar com o grupo sua opinião. A obra ficcional “Um beijo de colombina”, apresenta a figura do escritor a partir da personagem Teresa, que começa a vida literária publicando em uma editora menor, mas consegue alavancar sua carreira chegando até a ganhar um prêmio literário. Na vida real Glauce, vamos perceber que cresceu a atenção em torno da pessoa do autor, como assinala Schollhammmer. A figura espetacular do “autor” e o objeto livro também ganharam maior espaço na mídia. Por isso, comumente iremos encontrar escritores em festas literárias, em programas de TV a cabo e nas redes sociais. Tais estratégias de criação da presença é um ponto importante para pensarmos a questão do escritor enquanto profissional.

  5. Pingback: Um beijo de colombina | Em busca das palavras perdidas

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